Fim à violência doméstica contra as mulheres

Reunião Plenária de 12 Abril 2007


Debate e aprovação do projecto de resolução nº 200/X - Parlamentos Unidos para combater a Violência Doméstica contra as Mulheres

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos dar início ao período da ordem do dia com a discussão do projecto de resolução n.º 200/X — Parlamentos unidos para combater a violência doméstica contra as mulheres, (PS, PSD, PCP, CDS-PP, BE e Os Verdes).
Tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota, que tem dedicado grande atenção a esta temática, quer no nosso Parlamento nacional quer na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa.

O Sr. Mendes Bota (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje é um dia marcante para este Parlamento, na longa luta pelos direitos humanos, pela igualdade de género e contra a violência inaceitável que ainda se exerce sobre as mulheres, designadamente no quadro das relações domésticas, familiares e afectivas.
No passado dia 7 de Dezembro, celebrámos aqui, num curto debate solene, o início da campanha da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. Mas, então, fomos meia dúzia a falar para outra meia dúzia a ouvir — aliás, quase um pouco como hoje também.
Hoje, dia 12 de Abril de 2007, daqui a pouco, no «toque a rebate» da hora das votações, será toda esta Assembleia, serão todos os parlamentares que assumirão o compromisso de honra de lutar contra a violência sobre as mulheres, na votação do projecto de resolução subscrito por todos os grupos parlamentares e cujo resultado constituirá um momento de especial e solidária unanimidade.
A partir de hoje, que não restem dúvidas em Portugal sobre o empenho que as Deputadas e os Deputados portugueses se cometem, num combate sem tréguas contra a iniquidade, a injustiça e o sofrimento que se abate sobre mais de um milhão de portuguesas e um número incomensurável de mulheres no mundo, a fazer fé na estimativa de que uma em cada quatro mulheres já foi vítima, pelo menos uma vez, de uma qualquer forma de violência.
A partir de hoje e até Março de 2008, a Assembleia da República estará no terreno, conduzindo a sua própria campanha, modesta nos meios, é certo, discreta no aparato e na propaganda, mas com a grandeza política de quem quer e pode contribuir para minorar este problema.

O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!

O Orador: — Queremos evidenciar as boas práticas, mas também as carências que ainda se fazem sentir, quer na prevenção, quer na ajuda às vítimas, quer no apoio às ONG, quer na penalização e no tratamento dos transgressores.
Já no próximo dia 24, a Assembleia da República organizará uma conferência internacional de alto nível, pela qualidade e representatividade dos seus intervenientes, onde se procurará aprofundar a reflexão e o conhecimento deste fenómeno. A abrir, naquilo que é a vocação do Parlamento, o quadro jurídico-legal; depois, trazendo à superfície do debate as novas formas de violência doméstica que têm começado a aparecer — o stalking, tão recente que ainda nem tem tradução em português, o culto da violência na Internet, a violência sobre os mais idosos; finalmente, pretende-se aprofundar a reflexão sobre a qualificação e a quantificação dos custos da violência doméstica.
Pretende, assim, a Assembleia da República abordar ângulos diferentes deste fenómeno, que não estejam ainda suficientemente explorados e que vão muito para lá do «choradinho das coitadinhas» ou do enunciar de uma realidade estatística que, infelizmente, relemos todos os dias nos jornais.
Seguir-se-á a organização de quatro conferências regionais, replicando no País estes temas e estas reflexões, e tendo como critério de selecção de localização precisamente as quatro áreas onde o fenómeno da violência doméstica se faz sentir com maior incidência.
A acompanhar este périplo de debates, a Assembleia da República está a preparar uma exposição itinerante dedicada a esta campanha e à melhor compreensão e informação sobre a violência doméstica.
Paralelamente, estará activo um sítio electrónico autónomo, exclusivamente dedicado à campanha implementada pela Assembleia da República.
Finalmente, merece destaque a organização das duas semanas de activismo parlamentar contra a violência doméstica.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando uma mulher é sujeita a qualquer tipo de violência por parte de um parceiro, existe toda uma série de custos directos e indirectos que afectam toda a sociedade.
Esses actos condenáveis implicam com o sistema de saúde e de assistência médica, desde os tratamentos hospitalares ou pós-hospitalares, tratamentos mentais ou odontológicos.
Implicam com o sistema judicial e criminal, envolvendo polícias, Ministério Público, tribunais, prisões.
Os abrigos e os centros de apoio às vítimas, os serviços sociais, o sistema de segurança social, todos são envolvidos e todos constituem um custo colectivo que temos de pagar.
Mas, quando uma mulher é espancada ou mesmo assassinada, os seus efeitos não se circunscrevem às vítimas, antes se reproduzem naqueles que lhes estão mais próximos, a começar pelas crianças, essas testemunhas silenciosas que guardarão para sempre as cicatrizes da insídia, e a continuar em famílias inteiras, colegas de trabalho ou de lazer, círculos inteiros de amigos ou, até, os próprios agressores.
As perdas de tempo, as perdas salariais, os custos de oportunidade, as perdas de produção, à escala de um país, atingem uma dimensão que a sociedade ainda não apreendeu, e o nosso Parlamento deseja contribuir para esse apuramento.
Mas, se esses números, duros e frios, são importantes, existem outros, chamados custos intangíveis, que não há unguento que alivie, que não há indemnização que pague, que não há perda de memória que apague. Estamos a falar da dor, da ansiedade e do sofrimento que afectam a qualidade de vida das vítimas e de todos os demais envolvidos.
Mais do que o défice orçamental, que nos condiciona aos olhos fiscalizadores da União Europeia, é o défice do respeito pela dignidade e pelos direitos das mulheres, que nos deve envergonhar perante o juízo das nossas consciências.

Aplausos do PSD e de Deputados do PS, do PCP, do CDS-PP, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.

A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O jornal El Pais de hoje noticia que, na Índia, as funcionárias públicas vão passar a ser obrigadas a preencher um formulário onde têm de responder a uma pergunta sobre o seu historial, o historial do seu período menstrual, nomeadamente colocando a data do último período menstrual, assim como a informação sobre a última licença de maternidade a que tenham tido direito.
Sr.as e Srs. Deputados, esta notícia fala por si e quase que dispensa comentários, tal a indignação que gera.
Poder-se-á dizer que isso se passa lá longe, na Índia. Mas se é verdade que o escândalo, neste caso, chega à afronta de preencher um formulário, tal não significa que aqui, onde vivemos, no continente europeu, isto constitua uma novidade. São por demais conhecidas as situações de inquérito sobre a gravidez a mulheres que procuram emprego.
Este exemplo ilustra, de forma chocante, as discriminações de que mulheres são vítimas por serem mulheres, a discriminação que atinge uma parte da população em função do seu sexo.
E se é verdade que muito já mudou e que as normas internacionais cada vez são mais claras no combate a todas as discriminações sobre as mulheres, também não deixa de ser verdade que a lógica da globalização neoliberal tem vindo a reforçar e a impulsionar as discriminações de género, que o exemplo da Índia que aqui referi ilustra bem, mas infelizmente não é único.
E isto vem mesmo a propósito da campanha promovida pelo Conselho da Europa «Luta contra a violência sobre as mulheres, incluindo a violência doméstica», porque o Conselho da Europa decidiu, e muito bem, lançar uma campanha contra a violência sobre as mulheres e não simplesmente uma campanha contra a violência doméstica. E esta questão não é simples retórica, é o reconhecimento de que existem violências sobre as mulheres porque são mulheres.
Debatemos hoje um projecto de resolução, subscrito por todas as bancadas, que vai ser um marco muito importante na vida do Parlamento e um sinal para o País. O Parlamento condena a violência contra as mulheres e compromete-se a que esta questão permaneça na sua agenda política e seja mesmo uma prioridade.
O que importa é que o compromisso que hoje aqui assumimos signifique que, perante a dimensão deste atentado aos direitos humanos, o Parlamento não poupará esforços no seu combate. É uma declaração política de grande importância e que tem de ter consequências.
Já em 2000, este Parlamento deu um passo fundamental, ao aprovar que a violência doméstica é um crime público. Hoje, estão à vista os resultados desta decisão. Foi um facto propulsor de muitas mudanças na sociedade, desde o comportamento das polícias à criação de serviços de apoio.
Mas é preciso mais, sempre mais, e, sobretudo, aperfeiçoar aquilo que se faz e ir mais longe. Inverter a lógica dos pensamentos, dos hábitos, das tradições, dos papéis atribuídos a mulheres e homens. Ir mais longe e mudar a sociedade, que é, sem sombra de dúvidas, patriarcal.
Estão em debate — e aproveito para dizer que aprecio a presença aqui do Sr. Ministro da Justiça (que, por acaso, agora, se ausentou) e do Sr. Secretário de Estado da Justiça —, na especialidade, as alterações ao Código Penal e este é um momento, por excelência, onde se deve aprofundar o debate sobre esta matéria. É um dos momentos onde é possível aperfeiçoar.
Por isso, o Bloco de Esquerda quer aqui reafirmar a sua posição: num crime de violência doméstica, o bem jurídico a defender não é só a integridade física de uma pessoa, é, mais do isso, a sua liberdade e o seu direito à autodeterminação, no contexto familiar e de uma relação em que tem igualdade de direitos.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

A Oradora: — Por isso, ele não pode ser confundido com ofensa à integridade física.
Uma mulher é agredida por um homem na rua, e essa agressão é uma ofensa à sua integridade física. Mas uma mulher que é agredida pelo seu marido ou companheiro é ofendida na sua integridade física mas também o é na sua liberdade e autodeterminação, no contexto de uma relação de confiança onde tem que existir igualdade de direitos.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!

A Oradora: — Não pode, por isso, ser desligada da igualdade entre a mulher e o homem, no casamento ou na união de facto. Não pode ser desligada da concepção que está na raiz do pensamento que ainda — ainda! — justifica que o marido possa agredir a sua mulher.
E é isto que deve estar presente quando, em sede de especialidade, o artigo 152.º do Código Penal for tratado.
A exigência da intensidade e da reiteração para a qualificação da conduta como crime de violência doméstica, significa, na prática, que os agressores continuarão a ser punidos meramente pelo crime de ofensas à integridade física. Incluir estas duas circunstâncias no tipo penal implica a sujeição total ao poder discricionário do procurador do Ministério Público, que decidirá o que é ou não intenso, e, mesmo que passe por este crivo, dificultará a prova em sede de julgamento, pois a mesma terá que ser produzida em relação a todos os factos, nomeadamente quanto à sequência de datas que justifica a reiteração.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Esta é uma questão muito importante e por isso o Bloco de Esquerda quis trazê-la hoje aqui e colocá-la directamente ao Governo, para que, na especialidade, se possa ponderá-la seriamente.
O combate à violência sobre as mulheres também passa pelo fim da impunidade dos agressores — e é isso que pode estar em causa com esta alteração.
Termino, reafirmando o apoio do Bloco de Esquerda ao projecto de resolução hoje debatido e o nosso compromisso no seu cumprimento.
Esta é tarefa de todos, mulheres e homens. E ainda bem que a Assembleia da República também a assume.

Aplausos do BE, do PCP e de Deputados do PS, do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A violência contra as mulheres ofende-nos na nossa dignidade humana. Ela é global, sistemática e está enraizada nas diferenças de poder e de desigualdade estrutural entre mulheres e homens. Está para além de especificidades históricas, sociais e religiosas. É universal e permanente. Afecta as mulheres de forma desproporcional, só porque são mulheres: desde o sofrimento físico e mental até outras formas de coação ou inibição da liberdade, como a privação económica ou isolamento.
Thomas Friedman fala-nos de um mundo plano, onde tudo passa a ser visível e que vem evidenciar uma monstruosidade inimaginável, a de uma anomalia demográfica que nos conta que faltam 100 milhões de mulheres no mundo. Faltam, simplesmente porque morreram: umas, antes de terem nascido, outras, vítimas de infanticídio, e outras ainda, de negligência ou de maus-tratos.
A discriminação e os maus-tratos começam muito cedo, ainda na infância. Em muitas partes do mundo, as crianças do sexo feminino estão privadas da escolaridade básica, são maltratadas, exploradas e vítimas de preconceitos, sofrem, de forma particular, as consequências da pobreza e, muitas das vezes, são encaminhadas para o trabalho infantil e para a exploração sexual.
Do que falamos é do direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal, que constitui um direito inalienável e inerente à dignidade da pessoa humana, que clarifica as obrigações do Estado na prevenção, erradicação e punição da violência, que impõe o «empoderamento» das mulheres no sentido de se tornarem autónomas e independentes, e que exige a intervenção articulada, multissectorial dos vários sectores que compõem o Estado.
É um problema velho, bem velho, que carece, no entanto, de respostas novas, que tenham em conta a forma como as sociedades vão evoluindo.
De facto, apesar de uma significativa elevação do nível educativo, que deveria pressupor maior civilidade nas relações interpessoais, as manifestações de violência aumentam e apresentam novas formas; apesar de uma elevada participação das mulheres no mundo do trabalho, que deveria pressupor uma maior autonomia e independência, os testemunhos destas mulheres batidas e sofridas tardam a ser reconhecidos como credíveis, e muitas mulheres permanecem prisioneiras isoladas no seu mundo de violência; apesar de uma progressiva e significativa melhoria das condições gerais de vida, no entanto, persistentes vulnerabilidades, assimetrias e exclusões são responsáveis por uma violência que não cede, antes se acentua; e apesar de uma significativa e compreensiva evolução na feitura de leis, que definem o crime como crime público, que prevêem a protecção da vítima e que punem o agressor, porém, como bem recentemente aconteceu na sociedade portuguesa, a interpretação do crime e a análise da vítima continuam condicionadas a preconceitos e estereotipias.
As leis não dispensam uma mudança de mentalidades.
Este projecto de resolução, que hoje aqui apresentamos, integra-se numa campanha comum da União Europeia que procura evidenciar como é inaceitável a persistente violência contra as mulheres nas suas múltiplas formas, como é fundamental reforçar o empenho político e a intervenção conjunta de todos os decisores para identificar formas e recursos que previnam e combatam de forma sustentada a violência contra as mulheres, e como é indispensável o envolvimento de toda a comunidade não só na identificação das situações e do acolhimento decorrente mas também no empenhamento activo na sua eliminação. E a finalidade desta resolução e de todas as outras medidas que se queiram preconizar será sempre a de garantir a igualdade, a liberdade e a dignidade das mulheres.
Esther Mujawayo, mulher ruandesa e tutsi, sobrevivente da tragédia do Ruanda, afirmou: «Passei da condenação de viver à escolha de viver. Não foram os meus assassinos que me deixaram viva, sou eu que hoje escolho viver».
Combater a violência contra as mulheres é lutar por este direito.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro.

A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Ontem, esteve no Parlamento, mais uma vez, o Director-Geral de Saúde, para pôr a Comissão de Saúde a par dos esforços que têm vindo a ser desenvolvidos por Portugal, e a nível internacional, no sentido de prepararmos as nossas comunidades para a mais do que provável pandemia da «gripe das aves». Existem planos de contingência, procedimentos experimentados à exaustão, programas de monitorização ao segundo, constituindo sempre este tema um chamariz para a opinião pública e publicada.
Por outro lado, no recente período da Páscoa — como, aliás, acontece por ocasião de todos os fins-de-semana prolongados, bem como nas tradicionais datas de início e fim de férias —, foi montado um fortíssimo dispositivo da Brigada de Trânsito, no sentido de evitar os tristemente recorrentes acidentes fatais. Ora, estas operações merecem honras de abertura de telejornais e têm mesmo denominação própria alusiva à época. E estas fatalidades são acompanhadas em tempo real e comparadas estatisticamente com os anos anteriores.
É evidente que a deflagração de uma pandemia poderá assumir proporções incontroláveis e cenários de letalidade assustadoramente imprevisíveis. É certo que os nossos tristes números da sinistralidade rodoviária superam os registos da violência doméstica. Mas não é menos certo que a totalidade das vítimas do H5N1 ascende a duas centenas, a nível mundial, contra centenas e centenas de milhões de mulheres vítimas de todo o tipo de violência todos os anos.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Oradora: — A ONU estima que, no mundo, cerca de uma em cada três mulheres é vítima de violência em função do género. Mesmo a nossa Europa, este espaço de liberdades que tanto prezamos, tem uma taxa de violência contra as mulheres que muito nos deve envergonhar — uma em cada cinco mulheres. O Conselho da Europa diz mesmo que a violência contra as mulheres constituiria a principal causa de morte ou invalidez das mulheres. Isto para não falar na violência psicológica, também ela um tipo muito importante de violência.
E quantas mulheres saberão que o constante rebaixamento, as permanentes humilhações e a falta de autodeterminação são uma forma de crime de violência?
Ora, nada disto abre, no dia-a-dia, os telejornais, nem a habitual manchete dos jornais. A violência contra as mulheres, muito particularmente a violência doméstica, não adquiriu, apesar da sua gravidade e dos seus números — e estima-se que apenas 50% das ocorrências são denunciadas e divulgadas —, o estatuto público de flagelo, em termos quer da opinião pública quer da opinião publicada.

Vozes do CDS-PP: — Muito bem!

A Oradora: — E tanto esta opinião pública como esta opinião publicada lidam com este flagelo de uma forma quase tão silenciosa como os respectivos números, provavelmente porque estes cerca de 40 000 crimes anualmente praticados em Portugal são-no no silêncio do lar e contra o segundo sexo, o chamado «sexo mais fraco».
Aliás, o silêncio parece ser a palavra de ordem quando estão em causa estas práticas profundamente cobardes e que, de facto, não conhecem fronteiras.
É o silêncio das vítimas, muitas vezes física, psicológica ou financeiramente subjugadas.
É o silêncio da sociedade, que ainda considera alguns tipos de violência com alguma naturalidade.

O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!

A Oradora: — É o silêncio das instituições, que ainda tendem a branquear este tipo de crimes.
É o silêncio das famílias, que tantas vezes preferem uma fotografia familiar composta à justiça imposta.
É o silêncio da comunicação social, para a qual existem temas muito mais apelativos do que as questões domésticas.
A violência contra as mulheres poderá não ser o H5N1, mas a violência praticada no silêncio do lar, com tanta cobardia, tanta prepotência e tanto desprezo humano, é um verdadeiro flagelo. É uma epidemia global e tenebrosa, que se impõe combater globalmente. Globalmente, tendo em conta a sua complexidade, a sua perversa subtileza e os seus múltiplos contornos. E globalmente porque, tratando-se de um conjunto de crimes e de violações dos direitos humanos, não conhece fronteiras geográficas, sociais, culturais ou económicas e carece, portanto, de um esforço global de todos os países.
Em boa hora, decidiu, pois, o Conselho da Europa organizar uma campanha transeuropeia de luta contra a violência sobre as mulheres, à qual, felizmente, o Parlamento se associou de forma incondicional e empenhada. De facto, só um esforço empenhado e conjunto permitirá a todas as mulheres, num futuro que esperamos próximo, ver respeitados os seus direitos, a sua dignidade e a sua autodeterminação.
Por parte do CDS, Sr.as e Srs. Deputados, poderão contar com um empenhamento incondicional nesta luta.

Aplausos do CDS-PP, do BE e de Deputados do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

O Sr. Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: No passado dia 7 de Dezembro, o Parlamento português assinalou a adesão de Portugal à iniciativa da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa intitulada «Parlamentos unidos para combater a violência doméstica contra as mulheres».
Hoje, estamos justamente a dar sequência a essa adesão com um projecto de resolução muito concreto sobre essa iniciativa, o qual contém um conjunto de compromissos que hoje este Parlamento assume, no sentido de conhecer melhor e mais em concreto a dimensão da violência doméstica em Portugal e de divulgar esse conhecimento para fora desta Casa.
Por outro lado, assume-se também uma responsabilidade em acções de consciencialização, o que consideramos extremamente importante. Por isso, subscrevemos — evidentemente, também em conjunto com todos os outros grupos parlamentares — este projecto de resolução. Consideramos ser este um passo extraordinariamente importante de responsabilização e de acção que este Parlamento, hoje, assume relativamente à matéria e ao objectivo do combate à violência doméstica.
Queremos, contudo, referir, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que embora os objectivos traçados neste projecto de resolução sejam extremamente oportunos e importantes, servindo quase como uma alavanca essencial para a nossa acção emergente, relativamente a esta matéria nunca nos poderemos esquecer de que também aqui, na Assembleia da República, discutimos um conjunto de matérias relacionadas com esta — muitas vezes, directamente, outras, indirectamente — que devem merecer a nossa atenção e obrigar-nos a interpretá-las muitas vezes com o objectivo que hoje assumimos, de perceber em que medida elas podem ou não contribuir para o combate à violência doméstica.
Se pensarmos, por exemplo, que 65% dos casos de crimes de violência doméstica são sob a forma continuada e que essa continuidade na agressão muitas vezes se prende com uma forte dependência económica que as mulheres ainda têm em relação aos seus companheiros; se percebermos que as mulheres são as maiores vítimas de desemprego, são as maiores vítimas do trabalho a tempo parcial involuntário e que estão remetidas, de facto, a este flagelo social, devemos também interpretar estes fenómenos, direccionando-os e relacionando-os directamente com este objectivo que aqui, hoje, estamos a assumir.
Para além disso, também assumimos o compromisso de, relativamente à inúmera legislação, aos inúmeros planeamentos que já foram feitos em torno desta matéria, percebermos em que medida eles estão concretizados e a ser objectivados em torno deste nosso compromisso.
Por exemplo, relativamente às 20 595 queixas de violência doméstica que foram apresentadas às nossas forças de segurança no ano de 2006, se pensarmos que temos uma resposta de 34 casas-abrigo, com 485 vagas — sendo certo que aqui estamos a falar de casos extremos —, então, percebemos que estamos muito aquém da resposta necessária, quer na prevenção quer ao nível do apoio.
Se pensarmos noutras matérias, extraordinariamente importantes, constantes desses planos de combate à violência doméstica, como a integração nos planos curriculares da educação para os afectos, da educação para o respeito, da educação para a igualdade, que não estão a ser concretizadas nem generalizadas nos planos curriculares das nossas escolas e que têm como objectivo as nossas crianças e os nossos jovens (são resultados que não se conseguem a curto prazo, embora sejam extraordinariamente importantes a médio e longo prazos, para as futuras gerações e para a resposta das futuras gerações a esta matéria, especialmente para aquelas crianças que têm uma vivência de agressão nos seus lares), então, percebemos que essas matérias são extraordinariamente importantes.
Termino, Sr. Presidente, referindo o seguinte: sem percebermos que este objectivo deve ter um adequado a um financiamento, equiparado à importância que lhe estamos a dar, não vamos muito longe, ficamo-nos pelos planos das intenções. Mas no próximo Orçamento do Estado temos também, como Parlamento, a obrigação de dar uma importância determinante, em sede de financiamento, a estas respostas que hoje estamos aqui a abordar e que, seguramente, quereremos intensificar.

Aplausos de Deputados do PS, do PSD, do PCP e do BE.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje um projecto de resolução subscrito por todas as bancadas em que a Assembleia da República se associa à campanha lançada pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa relativa à questão da violência sobre as mulheres, incluindo a violência doméstica.
É um assunto da maior importância que tem, entre nós, merecido alguns desenvolvimentos a nível político e legislativo que, sendo ainda insuficientes, demonstram uma atitude diferente de alguns anos atrás em relação a este grave problema.
É evidente que hoje temos já um registo muito superior aos de anos anteriores. Por exemplo, em 2006, aumentaram em 30% os casos de violência doméstica registados pelas forças de segurança. Mas estamos convencidos — como julgo, aliás, ser geralmente aceite — de que isto decorrerá, porventura, mais de um acréscimo de registo de queixa e de recurso às forças de segurança do que o anteriormente existente. Mas este é um sinal positivo. É um sinal de que há uma consciência maior dos direitos nesta matéria, de que há uma consciência maior da inaceitabilidade da violência doméstica, designadamente da violência sobre as mulheres, e de que essa consciência leva a uma maior denúncia e permite, assim, uma maior acção do ponto de vista judicial e das forças de segurança.
É muito importante que se continue neste caminho; é muito importante que, através deste caminho, se contribua também para a alteração das mentalidades, mas não podemos esperar pela alteração das mentalidades para tomar as medidas necessárias para combater a violência doméstica, porque esse não seria o caminho eficaz nem adequado.
Quero, ainda, dizer que a campanha não é só sobre a violência doméstica. Há outras formas, igualmente repugnantes, que devemos combater, de violência sobre as mulheres, que têm a ver, certamente, com a criminalidade, com o tráfico de mulheres e com muitas outras questões que, hoje, preocupam as sociedades modernas e as forças de segurança nos países europeus e em todo o mundo em geral, mas também formas de violência que derivam da aplicação de políticas anti-sociais e que, sendo anti-sociais, penalizam duplamente as mulheres. As mulheres são muitas vezes mais penalizadas pelas políticas que aumentam o desemprego, pelas políticas de precariedade que atingem sobretudo as mulheres trabalhadoras, pelas política que aumentam a desigualdade, sabendo nós que a desigualdade é mais desigual para as mulheres na maioria das sociedades.
É preciso também que, nesta campanha, com estas medidas e na discussão e no debate das medidas sobre a questão da violência sobre as mulheres não esteja afastada a questão das políticas sociais, das políticas económicas, das políticas de emprego. É preciso, certamente, mudar de mentalidades, mas em muitas destas questões é também preciso mudar de políticas. Essa mudança de políticas é que pode assegurar que em tantos aspectos da vida das mulheres portuguesas, europeias e de outros países do mundo possa haver uma vida melhor, mais justa e possa combater-se a violência de todos os tipos sobre as mulheres.

Aplausos do PCP, do BE e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, a concluir este debate, tem a palavra ao Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.
Entretanto, recordo que, a seguir, passaremos ao período de votações.
Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Jorge Lacão): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me que comece por saudar a iniciativa da Assembleia da República, associada à campanha lançada no âmbito do Conselho da Europa sobre a violência contra as mulheres, de aprovar uma resolução que visa inscrever o combate à violência doméstica na agenda política como uma prioridade.
Não podemos escamotear a circunstância de as ocorrências de violência doméstica terem apresentado, no ano passado, um acréscimo de participação na ordem dos 13%. Não conseguimos imputar com clareza a causa deste acréscimo de participações a um efectivo aumento das ocorrências, mas podemos afirmar que o fenómeno assume cada vez maior visibilidade na sociedade portuguesa e que esta fica a dever-se às campanhas públicas de sensibilização, a uma maior consciencialização das vítimas para os seus direitos e a uma maior confiança na resposta das instituições.
Por isso, a estratégia tem de ser, cada vez mais, uma estratégia concertada, tem de incluir acções que envolvam todos os poderes públicos e também a sociedade civil. Da importância desta concertação fazem também eco os dados fornecidos pelo relatório de segurança interna, dos quais me permito destacar o desenvolvimento de estratégias de proximidade por parte das forças de segurança, nomeadamente através da celebração de protocolos com diversas entidades públicas, instituições particulares de solidariedade social e organizações não governamentais no âmbito da prevenção e apoio às vítimas de violência doméstica.
Criou-se, por outro lado, um novo modelo de auto de notícia padronizado para as ocorrências relacionadas com a violência doméstica, bem como o formulário de avaliação do risco de ocorrências de violência doméstica. Estes modelos têm contribuído para uma melhoria da qualidade do atendimento e apoio às vítimas, para consolidar a investigação criminal e a actuação policial, bem como a necessária caracterização estatística do fenómeno do ponto de vista sociológico.
De entre as várias medidas tomadas pelo XVII Governo, permitam-me realçar: a alteração mais compreensiva e abrangente do novo tipo penal de violência doméstica, submetido a esta Assembleia da República no quadro da revisão do Código Penal; a alteração à lei do apoio judiciário, também sob a forma de proposta de lei, que consagra diversas referências de particular relevância no apoio às vítimas de violência doméstica.
Em primeiro lugar, quando o litígio envolva membros do mesmo agregado familiar, o rendimento relevante para efeitos de determinação da situação de insuficiência económica será o rendimento individual do requerente. Em segundo lugar, prevê-se a possibilidade de ser nomeado, à vítima de violência doméstica, o mesmo patrono no processo penal por crime de violência doméstica e nos processos de divórcio e de regulação do poder paternal. Por último, ficou ainda consagrado que a consulta jurídica possa ser prestada também por entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos.
Outra medida que reflecte a preocupação com a protecção da vítima foi aprovada pelo Conselho de Ministros: trata-se do decreto-lei que isenta as vítimas de violência doméstica do pagamento de taxas moderadoras no acesso à prestação de cuidados de saúde.
Hoje mesmo o Governo aprovou, em Conselho de Ministros, a primeira proposta de lei sobre a política criminal. Nela, o combate à violência doméstica é assumido como uma prioridade, pois esta surge inserida quer no conjunto dos crimes de prevenção prioritária quer no conjunto dos crimes de investigação prioritária.
Tem vindo, igualmente, a ser alargada a rede de sedes de atendimento a todos os distritos do País, estando prevista a existência de um núcleo de atendimento por distrito, até final de 2007, faltando, aliás, apenas, cinco distritos.
Pondo agora os olhos no futuro: no dia 8 de Março, o Conselho de Ministros aprovou uma resolução de enquadramento de três planos vitais no tocante directamente às temáticas de igualdade de género — o III Plano Nacional para Igualdade, o III Plano Nacional Contra a Violência Doméstica e o I Plano Nacional Contra o Tráfico de Seres Humanos. Estes três planos, dentro em breve, serão sujeitos a consulta pública, de molde a que possam ser enriquecidos e, de seguida, aprovados, num prazo não superior a 60 dias.
Está previsto o aperfeiçoamento e o alargamento da rede social de protecção, bem como de outras respostas integradas de base comunitária dirigidas à redução dos efeitos negativos da violência doméstica.
Teremos, Sr.as e Srs. Deputados, que garantir a protecção das mulheres vítimas de violência de várias formas integradas, nomeadamente através dos programas de tratamento e controlo para agressores, mas também da qualificação e especialização profissional daqueles que tenham de lidar com este fenómeno.
Desejo, por isso, destacar o facto de as respostas institucionais dirigidas aos trabalhos de sensibilização e prevenção da violência doméstica deixarem, definitivamente, de estar a cargo de uma estrutura efémera para passarem a integrar-se nas atribuições permanentes da nova Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Assim, estaremos todos — Assembleia da República, Governo, instituições e sociedade civil — em melhores condições de unir esforços para combater, em conjunto, o flagelo da violência doméstica.

Aplausos do PS, do PSD e do BE.t

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, concluído o debate sobre o projecto de resolução n.º 200/X, vamos entrar no período regimental de votações.
Antes de mais, vamos proceder à verificação do quórum, utilizando o cartão electrónico.

Pausa.

Srs. Deputados, o quadro electrónico regista 200 presenças, às quais se somam 2 registadas pela Mesa, pelo que temos quórum para proceder às votações.
Em primeiro lugar, vamos votar o projecto de resolução n.º 200/X — Parlamentos unidos para combater a violência doméstica contra as mulheres (PS, PSD, PCP, CDS-PP, BE e Os Verdes).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade e aclamação, de pé.

(Excerto do Diario da Assembleia da República, I Série, Nº. 71, de 13 de Abril de 2007)