Reunião Plenária de 7 Dezembro 2006
Debate parlamentar sobre "Os Parlamentos Unidos
para combater a Violência Doméstica contra as Mulheres"
O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, o período de antes da ordem do
dia de hoje tem uma primeira parte que é dedicada ao debate do tema «Parlamentos
unidos para combater a violência doméstica contra as mulheres».
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.
O Sr. Mendes Bota (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje,
ao subir a esta tribuna, num momento que assinala o empenhamento da Assembleia
da República no combate à violência sobre as mulheres, incluindo a violência
doméstica e que marca a adesão à campanha do Conselho da Europa, na sua
vertente parlamentar, entre a solenidade e o coração, opto por libertar
esta amálgama de palavras e de sentimentos de um homem que nunca levantou
a mão para agredir uma mulher mas, ao dizê-lo sem presunção de casto ou
santidade, tem de confessar uma longa indiferença perante os sinais exteriores
de um fenómeno que há muito tempo, há muitos séculos, enferma a sociedade
paternalista e masculinizada em que temos vivido.
Não vos falarei de estatísticas, que outros delas seguramente falarão,
do número de vítimas e de queixas, de abrigos e de centros de acolhimento.
Não vos falarei das mil definições técnicas desta chaga social.
Já vai emergindo em força o conhecimento do calvário do assédio sexual,
dos insultos, da humilhação, dos golpes, das violações e dos assassínios,
situações agravadas nos casos das mulheres imigrantes, ilegais, traficadas
e prostituídas à força.
Compreende-se hoje melhor o ciclo da violência conjugal, que vai do fascínio
à tragédia. As suas consequências físicas, mentais e sociais, sobre as
mulheres e os seus filhos, testemunhas silenciosas de memória eterna.
Os ciúmes, o isolamento da mulher em relação à família e aos amigos. A
primeira vez. Um homem que bate uma vez bate sempre. A reincidência. O
perdão. A promessa. A reincidência. O hábito da violência tornado padrão.
O ciclo tornado num círculo vicioso. Mulher em perigo. Saída precisa-se.
Informação impõe-se.
Neste dia de respeito parlamentar pela temática da violência doméstica
que se abate sobre as mulheres, dirijo-me, sobretudo, aos homens do meu
país.
A primeira reacção de muitos deles, provavelmente de muitos dos parlamentares
desta Câmara, ao constatar o lema da campanha, é a de perguntar: «Então?
E a violência sobre os homens não existe também? E disso não falam?»
É verdade, a violência física ou psicológica sobre homens também existe,
mas todos os estudos apontam no sentido de permanecer um fenómeno bastante
minoritário.
Por outro lado, a violência sobre as mulheres tipifica, historicamente,
uma relação de dominância de um sexo sobre o outro, baseada numa repartição
desigual de poder entre homens e mulheres. É um legado de uma sociedade
patriarcal que serviu para discriminar as mulheres e para prevenir a emergência
das suas capacidades em pé de igualdade com os homens, muitas vezes para
controlar e instrumentalizar a sua capacidade reprodutiva e sexual.
E é porque a sociedade actual ainda tende a aceitar, ou a ser permissiva,
para com este conceito de dominação, que importa focalizar a questão da
violência doméstica no seu alvo principal, ou seja, as mulheres.
Aplausos do PSD.
Importa sublinhar que o papel dos Parlamentos nacionais nesta campanha
do Conselho da Europa não é o de se substituir às instituições nacionais
ou às ONG (Organizações não governamentais). Devem ater-se ao seu papel
de legisladores por excelência, de monitorização política da aplicação
das leis e dos recursos existentes, de procurar valorizar a componente
da defesa dos direitos humanos e procurar temas concretos por explorar
e debater, de forma complementar e nunca concorrencial com as campanhas
nacionais em curso.
A nossa atitude, como parlamentares, tem de ser inequívoca na condenação
deste crime, qualquer que seja o seu formato, e na investigação do tratamento
das queixas e do motivo de uma taxa tão baixa de julgamentos e de condenações.
E, como legisladores orçamentais, deve ser nossa preocupação, também,
assegurar os meios necessários aos investimentos, ao funcionamento e à
implementação de medidas no quadro do Plano Nacional contra a Violência
Doméstica. Para esta missão muito contribuirá a constituição do grupo
de trabalho «violência doméstica», esta manhã mesmo deliberado pela Comissão
de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — A sua primeira tarefa será a de consensualizar, entre todos
os grupos parlamentares, um projecto de resolução, a ser aprovado numa
das próximas sessões, que contenha o compromisso solene dos parlamentares
portugueses no combate à violência doméstica sobre as mulheres.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD esteve desde sempre na primeira
linha deste combate. No governo, dando continuidade a um trabalho que
vinha de trás e lançando e implementando o II Plano Nacional contra a
Violência Doméstica, ainda em curso, e muito bem. Hoje, na oposição, ao
lado de todos quantos fazem desta luta, também, um reforço da qualidade
da nossa democracia.
Esta tem de ser uma campanha contra mitos, preconceitos e provérbios populares.
Não é verdade que «Entre marido e mulher não se mete a colher». A violência
doméstica é um crime público e o nosso silêncio torna-nos cúmplices dele.
Não é verdade que «Quanto mais me bates mais gosto de ti».
Não é crível que os maridos se descontrolem apenas porque as mulheres
os provocam.
Não é verdade que «as mulheres sofrem porque querem, senão já tinham deixado
os maridos».
Não é verdade que a violência doméstica seja uma característica dos extractos
sociais desfavorecidos.
Não é aconselhável que uma mulher maltratada aguente um casamento em nome
de um pressuposto «bem dos filhos».
A violência contra as mulheres, atinge, em Portugal, uma dimensão preocupante
que não nos pode deixar indiferentes. É uma guerra civil subterrânea,
com largas dezenas de vítimas por ano, e em que cada crime começa geralmente
aos gritos, mas acaba num profundo silêncio.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Daqui lançamos um apelo aos homens de Portugal para que se
consciencializem dos danos que a violência doméstica causa sobre as mulheres,
sobre as crianças e sobre a sociedade.
É uma violação grosseira dos direitos humanos, mesmo à nossa frente, mesmo
ao nosso lado, que perturba a paz e a segurança cívica a que temos direito
e mancha a democracia portuguesa.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos.
A Sr.ª Sónia Fertuzinhos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:
Hoje, em Portugal o combate à violência doméstica é uma prioridade política.
A dimensão de género da violência doméstica é política e socialmente assumida.
Hoje, em Portugal, a violência doméstica contra as mulheres é crime. Compete
a todos e a todas nós denunciá-lo e dar-lhe visibilidade.
O Conselho da Europa afirmou, em 2002, que «a violência contra as mulheres
é a maior causa de morte e invalidez entre mulheres dos 16 aos 44 anos».
De acordo com dados da UNICEF, de 1995, «cerca de um quarto das mulheres
em todo o mundo é, em algum momento da sua vida, vítima de abusos violentos
na sua própria casa».
Uma estimativa mundial refere que mais de 70% dos homicídios de mulheres
são causados por parceiros num contexto de relacionamento abusivo. No
nosso país estima-se que, do total de homicídios, 15% são homicídios conjugais.
Num estudo da CIDM (Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres),
de 1997, que faz uma radiografia da violência doméstica em Portugal, uma
em cada três mulheres tinha sido, naquele ano, vítima de dois ou mais
actos de violência doméstica, sendo que a maior parte dessa violência
ocorreu no espaço doméstico.
Diariamente, Sr.as e Srs. Deputados, todos e todas nós ganhamos consciência,
somos confrontados com as notícias das mulheres que morrem vítimas de
violência doméstica. É perante isto que todos temos de assumir as nossas
responsabilidades no combate a este problema.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A violência contra as mulheres
não é um problema de hoje, mas nunca foi tão visível como é hoje.
Percorremos já um longo caminho, um caminho que devemos reconhecer muito
positivo.
Passámos da cumplicidade duma tradição onde não se interferia em caso
algum com o que se passava dentro da casa de cada um e cada uma, da negação
e da vergonha para a crescente visibilidade, denúncia e definição de meios
e instrumentos para um combate eficaz à violência doméstica contra as
mulheres.
O combate à violência doméstica não divide a Assembleia da República,
não divide a nossa sociedade. Com isso, ganha a qualidade da nossa democracia,
ganha a defesa e o respeito pelos mais elementares direitos humanos.
O nosso Parlamento tem, assim, todas e as melhores condições para se associar
à campanha da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, sob o lema
«Parlamentos unidos para combater a violência doméstica contra as mulheres».
Em nome do Grupo Parlamentar do PS, saúdo a iniciativa, bem como a disponibilidade
imediata do Sr. Presidente da Assembleia da República na criação de todas
as condições necessárias ao envolvimento do nosso Parlamento. Saúdo também
o envolvimento e o trabalho do Sr. Deputado Mendes Bota na ligação do
Parlamento à campanha da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa.
É fundamental que, cada vez mais, os homens assumam e sejam rostos visíveis
no combate à violência doméstica.
Esta campanha internacional permitirá reforçar o conhecimento, a investigação
e a actualização de dados sobre a violência doméstica contra as mulheres,
ao mesmo tempo que tornará mais claras e conhecidas por todos as estratégias
mais eficazes e imprescindíveis no combate à violência contra as mulheres.
Portugal tem seguramente muito a aprender, mas também podemos partilhar
o que tem sido a evolução deste combate no nosso país.
Desde logo, o papel crucial das organizações não governamentais, sobretudo
das organizações de mulheres. Foram estas ONG que colocaram o combate
à violência doméstica contra as mulheres na agenda política. Foram, e
são, as ONG parceiras imprescindíveis na concretização de vários instrumentos
de resposta às vítimas de violência doméstica.
Em 2000, aprovámos a lei que considera os maus tratos entre cônjuges crime
público. Hoje, em 2006, existem, no nosso país, 33 casas de abrigo para
mulheres vítimas de violência que, em 2005, acolheram 900 mulheres e filhos.
Está concluída a regulamentação dos 55 centros e gabinetes de atendimento
que existem por todo o País. Está a ser criada a rede nacional de núcleos
de atendimento a vítimas de violência doméstica, com uma forte intervenção
e articulação entre ONG’s, rede social, autarquias e governos civis. Começam
a ser desenhados os primeiros planos municipais de igualdade entre mulheres
e homens. Temos contado com um envolvimento fundamental e altamente empenhado
das forças de segurança, quer na criação de meios para o apoio às vítimas
quer na formação específica e contínua dos e das agentes. Estamos em fase
de conclusão do II Plano Nacional de Combate à Violência Doméstica.
No passado dia 25 de Novembro, assistimos ao lançamento de mais uma campanha
nacional de consciencialização de todos para o problema. E, no âmbito
da campanha da CIDM que assinalou o dia 25 de Novembro, realizou-se, em
Portugal, a primeira formação para a habilitação no tratamento dos agressores.
Não posso deixar de referir a adjudicação para a realização do estudo
que actualizará a radiografia da violência doméstica em Portugal, 10 anos
depois do primeiro estudo.
De igual modo, em sede de discussão da proposta do Governo para revisão
do Código Penal, teremos oportunidade de melhorar e aumentar as respostas
legais no combate à violência doméstica contra as mulheres.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quanto mais eficazes e activos
formos no combate à violência doméstica, mais casos serão denunciados
e conhecidos. A progressão dos números a que temos assistido, e julgo
que vamos continuar a assistir, deve-se aos resultados da concretização
das respostas legais e sociais às vítimas de violência doméstica. Quanto
mais apoio e segurança sentirem as vítimas de violência doméstica, mais
coragem e capacidade terão para denunciar os maus tratos de que são vítimas.
O nosso objectivo deve ser o de que todas as vítimas sintam que existe
ajuda, que todos, em especial os agressores, saibam que não há desculpa
para a violência. O nosso objectivo é o de que a sociedade portuguesa
e internacional assuma o combate à violência contra as mulheres como um
combate em que todos temos de assumir as nossas responsabilidades.
Prevenir, melhorar as respostas legais e sociais, estudar permanentemente
a evolução deste problema, formar os agentes envolvidos, aumentar a consciência
pública para a inadmissibilidade da violência doméstica contra as mulheres
é um combate sem tréguas e é um combate de todos nós.
Vozes do PS: — Muito bem!
A Oradora: — Construir a igualdade entre mulheres e homens em todas as
dimensões da vida é a resposta mais definitiva ao que está na base de
todas as formas de violência contra as mulheres. A construção dessa igualdade
é dos compromissos mais fortes do Partido Socialista.
É exactamente esse o compromisso que, hoje, renovamos nesta Assembleia
e perante o País.
Aplausos do PS, do PSD e do BE.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares, igualmente para uma intervenção.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:
A violência doméstica é uma de entre muitas violências a que as mulheres
estão sujeitas.
Hoje, assinalamos a adesão dos parlamentares portuguesas ao apelo do Conselho
da Europa. Parar com a violência doméstica sobre as mulheres é o desafio
que se coloca aos 46 Países-membros, através da acção integrada de todos,
Estado e sociedade.
Mas, para que este combate seja eficaz, necessário se torna que se conheçam
as causas e a caracterização deste fenómeno. A violência doméstica não
conhece classes sociais ou fronteiras, mas a verdade é que as mulheres
das classes sociais mais baixas são as mais atingidas e são as que menos
recursos têm para a sua própria protecção.
A origem do fenómeno da violência radica na existência de sociedades fundadas
em valores profundamente patriarcais que encaram a mulher como um ser
com menos direitos e com um papel secundarizado na sociedade, no ensino,
no exercício de cargos públicos, no trabalho, entre outros, facto que
ainda hoje vemos em muitas das discussões que estão no auge na nossa sociedade,
como a questão da interrupção voluntária da gravidez. Valores e tradições
que têm a sua génese na construção e na concepção económica que sustenta
a própria sociedade, o neoliberalismo que aprofunda quando não fomenta
as desigualdades sociais entre homens e mulheres para que, desta forma,
continue e se prossiga um caminho de redução de direitos de todos.
Mas a violência está também ligada a outros factores que são consequência
directa deste último: o desemprego, a precariedade laboral, a fome, a
miséria, a pobreza e outros factores psicossociais que determinam o domínio
pela força em função do sexo.
O Conselho da Europa revela que um quinto a um quarto das mulheres foram
vítimas de violência física pelo menos uma vez na sua vida adulta, e que
mais do que um décimo foram vítimas de violência sexual.
Estima-se, ainda, que cerca de 12% a 15% das mulheres mantiveram relações,
depois dos 16 anos, em que foram vítimas de violência doméstica. Muitas
continuarão a ser, hoje, vítimas de violência física e sexual com antigos
parceiros.
Estudos feitos revelam, ainda, que tem grande relevo a situação de dependência
económica em que vive a maioria das mulheres. Mais de 40% das mulheres
não auferem qualquer tipo de remuneração quando são vítimas de violência
física, enquanto apenas 10% das mulheres que auferem um salário e trabalham
fora de casa o são.
52,5% das mulheres portuguesas foram vítimas de actos de violência e 36,5%
foram-no repetidamente.
Os dados anualmente divulgados pelo Ministério da Administração Interna
confirmam o aumento sistemático das denúncias: 1080 queixas, em1999, contra
17 527, em 2003. Inicia-se o romper de silêncios, mas um caminho ainda
incipiente no romper do ciclo da violência.
Foi com um projecto de lei do PCP que se deu um passo significativo na
evolução do sistema jurídico português, alterando o quadro penal, ao considerar
como público o crime de violência doméstica, combatendo os medos e a ineficácia
de fazer depender o procedimento criminal da queixa da própria vítima.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Muito bem!
O Orador: — Mas colocam-se problemas ao nível das opções políticas no
combate a esta violência.
O programa que, hoje, aqui se discute tem como um dos seus corolários
a adopção, por parte dos Estados, de medidas jurídicas e políticas que
garantam a protecção e o apoio às vítimas.
Ora, sabendo que são precisamente as mulheres com mais baixos recursos
as principais vítimas, este Governo, esta política, à imagem dos seus
antecessores, não se coibiu de adoptar medidas que agravam a situação
socio-económica daqueles que menos podem e menos têm, atingindo com particular
gravidade as mulheres.
São tantos os exemplos desses agravamentos como as áreas que reclamam
a adopção de medidas de combate à violência e à discriminação. As insustentáveis
custas judiciais e a implementação de uma lei do apoio judiciário que
exclui a grande maioria dos cidadãos do sistema impedem um maior recurso
ao Direito e à justiça.
Quantas mulheres não dispõem do dinheiro necessário para o pagamento da
taxa de justiça e ficam, assim, excluídas, pela mão do PSD e do CDS, que
criaram as referidas medidas, e com a conivência do PS, que as mantém,
do apoio judiciário a que deviam ter direito?
As discriminações salariais atingem hoje a diferença de 25% nos salários
das mulheres e têm o seu reflexo também nas pensões, que representam cerca
de 60% das pensões dos homens. Esta situação é agravada pela inaceitável
reforma, que agora está a ser discutida em comissão, apresentada pelo
Governo para a segurança social.
E o desemprego, que atinge maioritariamente as mulheres, fragilizando-as
e votando-as a situações de maior dependência económica? E a retirada
de direitos no domínio da maternidade? E a manutenção de uma lei que pune
as mulheres quando se vêem forçadas a recorrer ao aborto, tratando-as
como criminosas? Tudo isto é desigualdade, violência sobre as mulheres
e causa de uma das mais graves violações dos direitos humanos. Todas estas
medidas são tão injustas quanto inaceitáveis.
Assim, no entender do PCP, aderir a este programa de combate à violência
doméstica sobre as mulheres significará, necessariamente, defender e pugnar
pela tomada de medidas, por parte dos parlamentares e do Governo, que
contemplem a afectação de recursos humanos e financeiros adequados à criação
de uma rede pública de âmbito nacional de apoio às vítimas, à realização
de campanhas de sensibilização e consciencialização e, também, à adopção
de políticas de combate ao desemprego feminino, às discriminações salariais,
à promoção da igualdade e da universalidade do acesso à justiça, à saúde,
ao ensino e à segurança social.
A responsabilização séria do Estado na garantia de apoio às vítimas e
na promoção da melhoria das condições sociais de todos os portugueses,
combatendo as discriminações a que as mulheres estão sujeitas, é o único
caminho verdadeiramente seguro e viável para uma vitória neste combate
à violência sobre as mulheres, que é um combate que a todos deve empenhar.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, para uma intervenção.
A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:
Em boa hora tomou a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa a iniciativa
de apresentar, para aprovação, uma série de elementos para uma declaração
solene, por ocasião da jornada de acção dos parlamentos, instando-os a
unirem-se para combater a violência doméstica contra as mulheres.
A realidade da violência infligida contra o famoso «segundo sexo» é tão
antiga quanto a humanidade e, na verdade, nunca tanto se discutiu. Nunca
tanto se estudou este fenómeno de contornos tão amplos e tão complexos,
que, no entanto, continua silencioso e silenciado.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!
A Oradora: — É certo que, quando fazemos uma simples busca no Google,
introduzindo os termos «violência» e «doméstica», nos aparecem, em menos
de um segundo, 16 milhões de registos só em língua inglesa e cerca de
2 milhões de registos em português — entre associações, guias de ajuda,
notícias, linhas SOS, indicadores, estudos e estatísticas, depoimentos
pessoais, mas também homenagens, muitas homenagens a mulheres que morreram
em consequência de actos de violência praticada por pessoas que constituem
o seu núcleo mais íntimo, na maioria dos casos os próprios maridos, mas
também namorados, ex-maridos, unidos de facto e, até, filhos.
Segundo o Conselho da Europa, a violência contra as mulheres no espaço
doméstico é a maior causa de morte e invalidez entre as mulheres dos 16
aos 44 anos. Estima-se que, na Europa, uma em cada cinco mulheres é vítima,
pelo menos uma vez na vida, de agressões no espaço doméstico. E não estamos,
sequer, a falar da mutilação genital feminina, uma prática bárbara praticada
por certas culturas subdesenvolvidas, nem dos cerca de 60 milhões de bebés
do sexo feminino que não chegam a nascer por via de abortos por selecção
sexual, nem dos casamentos forçados ou do apedrejamento até à morte por
adultério.
Estamos a falar de situações que ocorrem no espaço de democracia e liberdade
que tanto prezamos, que é a Europa. Estamos a falar de actos que vão da
subtileza do isolamento da mulher dos seus familiares e amigos ou do controlo
dos seus movimentos, até às agressões físicas de forma continuada e de
violência extrema.
A violência doméstica acontece todos os dias, provavelmente na porta ao
lado e não sabemos ou não queremos saber.
Como disse, a violência doméstica é silenciosa e silenciada, e tantas
vezes invisível. É silenciosa, porque as culturas teimam em não condenar
devidamente, pois, afinal, «entre marido e mulher ninguém mete a colher».
Na ausência deste estigma social, esconde-se o abusador, o agressor. E
é tão fácil, no recato do lar conjugal, silenciar uma mulher que perdeu
a auto-estima ou que teme pela sua vida e pela vida dos seus filhos…!
Afinal, a sociedade não estigmatizará mais uma mulher que deixou o marido
e não valorizará muito mais uma mulher que é condescendente, submissa,
que perdoa e mantém a família unida, apesar de tudo?
A violência doméstica é também silenciosa, porque muitas vítimas não têm
a percepção de que o são. Afinal, o que são algumas explosões de fúria
do pobre marido que está cansado, irritado ou bebeu demais? É uma violência
tantas vezes invisível… E os insultos constantes, o rebaixamento permanente?
«Mas depois ele arrepende-se», dirá a mulher. Ele pede 1000 vezes desculpa,
diz que a adora, promete não repetir… e ela acredita, até à vez seguinte.
Ela nem pensará que é apenas mais uma vítima do crime de violência doméstica.
Afinal, não deixou marcas visíveis, não teve necessidade de ser suturada
nem, sequer, tem uma nódoa negra…
Estas agressões são silenciadas, porque, apesar dos enormes avanços na
criação de condições legais e logísticas para que as mulheres se protejam,
ainda existe um enorme grau de relutância em assumirem que são vítimas,
em fazerem valer os seus direitos. Refira-se, aliás, que 75% dos homicídios
ocorrem depois de as vítimas partirem ou de tentarem afastar-se do agressor.
Apesar disso, e graças a acções de campanha em associações várias, de
que se destaca a APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima), a violência
doméstica encontra-se entre os crimes mais registados a par do furto,
do atropelamento e fuga, da falsificação de documentos e das ofensas à
integridade física. Mas este crime fica invisível face à imensidão de
notícias dos outros e as armas utilizadas são tão variadas — vão das peças
de mobiliário à palavra.
A violência doméstica é silenciada, Sr.as e Srs. Deputados, porque é encarada
como um assunto de mulheres e não como um problema de direitos humanos,
como o problema civilizacional que é.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Muito bem!
A Oradora: — Nesse sentido, quero saudar não só a Assembleia Parlamentar
do Conselho da Europa como o Sr. Presidente da Assembleia da República
por ter garantido todas as condições para que, neste Parlamento, se possam
desenvolver as iniciativas necessárias para lutar contra este problema,
e também o Sr. Deputado Mendes Bota não só pela intervenção tão eficaz
e pertinente mas pela condição que tem assumido de coordenador desta matéria.
A violência doméstica só se torna, de facto, visível pontualmente, em
certas efemérides dedicadas a uma suposta minoria frágil, como, por exemplo,
no Dia da Mulher, no entanto não há desabamento de terra que não seja
amplamente noticiado em todos os telejornais…!
A violência doméstica contra as mulheres é o único sofrimento que afecta
tanto mulheres jovens como idosas, mulheres solteiras como casadas, que
trespassa todos os estratos sociais, todos os graus de educação e de formação
académica, que vai da tensão psicológica ao homicídio, que atravessa todas
as fronteiras do planeta e mata mais mulheres do que qualquer pandemia
conhecida. Só em Portugal morreram, no ano passado, pelo menos 37 mulheres,
como consequência da violência doméstica.
Martin Luther King disse que «as nossas vidas começam a acabar no dia
em que ficamos silenciosos perante coisas que importam» e esse silêncio
tem sido intolerável. Preocupemo-nos, Sr.as e Srs. Deputados! É a nossa
Civilização que está em causa! É a igualdade de direitos que todos supostamente
prezamos e que tanto se proclama que está em causa! Temos o dever de denunciar,
de acusar os que abusam e agridem verbal ou fisicamente as mulheres, os
que as perseguem, os que as isolam e as controlam, os que lhes retiram
a capacidade de decisão, a auto-estima, as culpabilizam até pelo crime
que praticam. Temos o dever de protegê-las, de apoiá-las e de unir esforços
para salvaguardá-las e esclarecê-las perante este terrível crime.
Assim, em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, dou as boas-vindas a este
programa de combate à violência doméstica a nível europeu e à criação
do grupo de trabalho, hoje de manhã, em sede da 1.ª Comissão. Esperemos
que este grupo de trabalho e as demais iniciativas sirvam para desmistificar
tantos atavismos sociais e culturais a que até agora temos assistido.
Aplausos do CDS-PP, do PS, do PSD e do BE.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados:
Todos os dias, em todo o mundo, morrem mulheres por causas associadas
à violência que a discriminação de género promove.
A violência de género exige das sociedades modernas e democráticas uma
acção rápida, eficaz e contundente.
Questão antiga, tão antiga como a humanidade, tem tido nos últimos anos
avanços significativos na sua compreensão, no seu estudo mas, sobretudo,
no patamar em que passou a ter lugar e a ser tratada.
Hoje, a violência contra as mulheres é um problema político, um problema
de cidadania e um problema de direitos.
Por isso, saudamos a iniciativa do Conselho da Europa de realizar uma
campanha de luta contra a violência sobre as mulheres, na qual está incluída
esta sessão parlamentar.
A violência e a discriminação com base no género exigem dos Estados e
também da União Europeia uma abordagem política que remeta os países para
uma acção global que ultrapasse as barreiras linguísticas, culturais e,
até, religiosas.
Esta sessão que hoje realizamos não pode ser meramente simbólica ou apenas
um sinal de concertação. Um dia dos Parlamentos do Conselho da Europa
dedicado à violência doméstica, que, como sabemos, atinge directa e maioritariamente
as mulheres de todas as idades, independentemente do seu estatuto social,
nível educacional ou económico, é importante, mas tem de ter consequências
políticas.
É, como vemos e sabemos, um problema europeu que exige dos e das Deputadas
uma acção que tem de deixar marcas e reptos de civilidade e compromisso
político. O tema é político — repito, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas!
Durante décadas, organizações e movimentos sociais, principalmente movimentos
feministas e de direitos humanos, trabalharam para retirar a discriminação
e a violência contra as mulheres e crianças, do mundo privado das famílias
e por dar voz e rosto às vítimas, ao colocar esta barbárie na esfera pública.
O nosso reconhecimento pelo seu trabalho, pelo seu papel, pela sua persistência
em colocar na agenda política um tema incómodo no tempo em que ninguém
falava de violência contra as mulheres é incontornável e nunca é de mais
salientar.
Portugal chegou tarde ao combate à violência doméstica. Há mais de 30
anos que já se trabalhava nesta área em muitos países do mundo e particularmente
da Europa, quando as primeiras experiências tiveram início no nosso país.
Mas chegámos!
O ano 2000 foi particularmente importante, quando esta Assembleia decidiu,
por unanimidade e por agendamento do Bloco de Esquerda, que a violência
contra as mulheres era um crime público. Foi um impulso decisivo!
Hoje, existem leis, serviços, apoios, mecanismos e planos de acção, mas
a articulação precisa de ser mais eficaz e mais célere.
Não nos podemos dar por satisfeitos. Ainda estamos longe de ganhar este
combate civilizacional.
A denúncia é o único caminho que permite uma sentença condenatória, mas
é também ela que nos exige medidas de protecção eficazes, que resolvam
o medo, a desvantagem económica, a dependência afectiva e a demora dos
processos.
É de direitos humanos que falamos e muito de direitos humanos das pessoas
com menor visibilidade, inclusive nos Orçamentos do Estado, embora protagonizem
crimes que fazem notícia: as pessoas que são mulheres e crianças.
No entanto, muitas mulheres e crianças não discutem a violência e a discriminação.
Pelo contrário: sofrem em silêncio por não terem ninguém em quem confiar,
porque lhes está vedado o espaço público ou porque as suas palavras são
cultural e afectivamente desvalorizadas.
Que esta sessão parlamentar seja também o assumir do compromisso público
e político da Assembleia da República em manter este tema na sua agenda;
que seja o compromisso de assumir o seu papel legislativo e fiscalizador;
que signifique que chamamos a nós, enquanto representantes eleitos pelo
povo português, a obrigação de aperfeiçoar a legislação, acompanhar e
fiscalizar o desenvolvimento dos planos nacionais e o compromisso de que,
aqui, as vítimas têm voz.
O homicídio conjugal assume uma particular importância no contexto da
violência doméstica, no nosso país. Morreram 37 mulheres durante este
ano; 37 mulheres assassinadas pelos seus maridos ou companheiros. Muitas
agressões não resultaram em morte, mas podiam ter resultado, tal foi a
sua brutalidade.
Esta é a imagem mais cruel, mas arrasta, na sua sombra, inúmeras consequências,
e bem profundas, na vida de milhares de pessoas, com reflexos a nível
social, na saúde, nos estudos, a nível profissional e económico.
O combate à violência não é da exclusiva responsabilidade das vítimas;
é tarefa de todos, das mulheres e, cada vez mais, também dos homens. É,
sobretudo, um desígnio da democracia.
Aplausos do BE, do PS, do PSD e do CDS-PP.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do
Governo, Srs. Deputados: As mulheres são muito maioritariamente vítimas
da violência doméstica.
Um dia, por uma razão, se calhar já previsível ou não, um estalo ou um
valente empurrão é infligido sobre a mulher, no calor da discussão. Do
estalo, que deixou a mulher boquiaberta, não leva tempo a que o agressor,
entre as infinitas desculpas pedidas e as promessas de que nunca mais
voltará a acontecer, perceba que o poder da violência deu algum resultado,
nem que seja para a sua auto-estima. Daí ao recurso regular à violência
é um passo.
Na cabeça da mulher a turbulência e o medo nem deixam pensar. E, quando
há filhos, a primeira preocupação será esconder essa situação, fazer tudo
para que nunca se apercebam. Esconder o medo, esconder o pavor, fingir
que nada aconteceu, jurar, até para si própria, que nunca mais deixará
que algo parecido lhe aconteça. E, quando percebe que o acto isolado que
lhe matou a dignidade passa a acto recorrente, o tempo até actuar será
tão diferente quanto o depósito de força que tiver para ver arrastar a
sua dignidade pelo chão.
Infelizmente, muitas mulheres no nosso país poderão encontrar uma parte
da sua história neste curtíssimo relato.
Quantas vezes as espera a fuga, enquanto é tempo, e quantas vezes encontram
nessa fuga a falta de escolhas e o abismo, para mais se viverem financeiramente
dependentes dos maridos. E é tantas vezes a essa dependência financeira
que se liga o suportar da situação até ao limite dos internamentos hospitalares
e, às vezes, até à própria morte.
E são as mulheres as maiores vítimas do desemprego, as maiores vítimas
do trabalho a tempo parcial involuntário, as mais dependentes financeiramente,
o que as levará a ser vítimas por mais tempo, quando falamos de casos
de agressão.
A primeira nota que Os Verdes querem deixar, neste debate, é que demoramos
muito, em Portugal, a tratar dados de diagnóstico da situação.
O diagnóstico mais completo, que foi feito há cerca de 10 anos atrás,
dava conta de uma realidade dramática: uma em cada três mulheres é vítima
de violência doméstica continuada no nosso país. Entretanto, um relatório
produzido em 2003 pela Associação de Apoio à Vítima dava conta de que,
em Portugal, não existe recolha e cruzamento de informação sistematizada
de dados que permitam analisar estruturalmente a evolução do crime de
violência doméstica, relacionando vítimas, agressores, apoio disponível
e a sua eficácia.
Outra questão prende-se com a aferição da eficácia da legislação publicada
e da concretização dos planos estabelecidos. E, nesta matéria, há que
reconhecer que temos andado um pouco a «passo de caracol», perante uma
realidade que se quer ver eficazmente invertida.
Da Lei n.º 107/99, que estabelece a rede pública de casas de apoio a mulheres
vítimas de violência e que fixou a responsabilidade do Estado de assegurar,
no mínimo, uma casa de apoio em cada distrito e em cada região autónoma,
sendo que nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto seriam, no mínimo,
duas, temos uma realidade que nos indica que 50% do território nacional
nem tão pouco está coberto por núcleos de atendimento para as vítimas.
Para além disso, as casas-abrigo em Portugal têm uma capacidade de acolhimento
de vítimas que não chega às 580 camas, o que, comparado com o número de
queixas de violência doméstica (perto de 18 000 por ano) e com a realidade
que não formaliza a queixa, mas procura o apoio necessário, demonstra
que é uma resposta muito precária. E é preocupante ver declarações de
responsáveis pela implementação do Plano Nacional Contra a Violência Doméstica,
que consideram que a existência de uma casa-abrigo por distrito nem é
relevante, porque para as vítimas até será mais benéfico sair do distrito
para estar bem longe do agressor. A legitimação da fuga para a vítima
é desculpabilizadora da lentidão das respostas das autoridades envolvidas
e não traça um bom caminho.
Sabe-se que as queixas registadas de violência doméstica têm vindo a crescer
anualmente — das 11 162, em 2000, passou-se para as 17 811, em 2005. Múltiplos
factores poderão explicar este acréscimo, mas uma coisa todos sabemos:
as queixas apresentadas representam apenas uma pontinha do novelo que
enreda a realidade da violência no nosso país.
Outra matéria para a qual o II Plano Nacional Contra a Violência Doméstica
se direccionava ficou muito longe da implementação de uma estratégia de
acção: o envolvimento dos planos curriculares na educação para os afectos,
para a igualdade e para a rejeição da violência. São estratégias de prevenção,
de resultados não imediatos, mas que, no imediato, também podem ter como
objectivo a consciencialização das crianças e dos jovens sobre o que se
passa em muitas das suas próprias casas, como procurar apoio e como abominar
a lógica da agressão, incutir até nas nossas crianças que a violência
é a maior manifestação de fraqueza.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Estado pode
estar dotado dos mais completos planos de combate à violência doméstica,
mas se esses planos não forem dotados dos adequados meios financeiros
à sua concretização, se não forem alvo de avaliação sistemática, integrada
e rigorosa quanto à eficácia da sua concretização e se não forem integrados
em políticas de promoção da qualidade de vida e de bem-estar das populações,
o combate à violência doméstica, quer numa perspectiva de prevenção quer
numa perspectiva de apoio, traduzir-se-á em pouco mais do que umas boas
páginas de Diário da República e muito pouco na vida concreta das famílias.
Esta adesão, que Portugal hoje estabelece, à proposta do Conselho da Europa,
de união dos parlamentares em torno do objectivo de luta contra a violência
doméstica é um passo significativo, na perspectiva de Os Verdes, também
para assumir mais responsabilidade de acompanhamento desta matéria, aqui,
pela Assembleia da República.
Aplausos de Os Verdes, do PCP e do BE.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.
O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Jorge
Lacão): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro dos Assuntos
Parlamentares: Permitam-me que comece por saudar a iniciativa que subjaz
a «Os Parlamentos unidos para combater a violência doméstica contra as
mulheres», no contexto da campanha promovida pelo Conselho da Europa,
à qual o Governo, junto da Assembleia da República, vivamente se associa.
As várias acções e medidas para combater a violência — e, em particular,
a violência doméstica —, que visam alertar consciências e apontar caminhos
de acção, nunca serão demais.
O Estado condena a violência doméstica em todas as suas ocorrências, independentemente
do tipo de relação familiar que lhe está subjacente, independentemente
de esta ser presente ou passada, independentemente de o acto violento
ser praticado em casa ou em espaço público, de se repetir ou de acontecer
uma única vez, independentemente de se concretizar em violência física,
psicológica, sexual ou que comporte privações da liberdade. E, ao efectivar
a condenação nestes termos, estabelecendo consequências penais conformes,
deve ainda ser particularmente rigoroso com as situações de violência
que sejam praticadas em frente a menores.
Todas estas preocupações, como se sabe, foram vertidas no novo tipo penal
da violência doméstica, consagrado na proposta de lei de revisão do Código
Penal, já presente nesta Assembleia.
Não posso deixar de salientar, no que toca ao proposto crime de violência
doméstica, que este abrange os maus-tratos praticados quer contra cônjuges
e ex-cônjuges quer contra pessoas que tenham ou tenham tido uma relação
análoga à dos cônjuges, mesmo que sem coabitação. Em todos estes casos,
se pode falar, com propriedade, em situações similares de violência doméstica.
A violência doméstica constitui uma forma de violência de género. Pense-se,
por exemplo, no problema do tráfico de pessoas ou nas situações de mutilação
genital feminina. Relativamente a esta última, ficou expressamente consagrada
no crime de ofensa à integridade física grave a relevância da ofensa,
quando esta seja de molde a tirar ou a afectar a capacidade de fruição
sexual, dando um sinal evidente de punição agravada das situações de mutilação
genital.
Por sua vez, o novo tipo penal proposto do tráfico de pessoas está pensado
de modo abrangente, permitindo a punição de todos os intervenientes na
cadeia criminosa e dando relevância ao tráfico, quer ele seja internacional
quer tenha lugar somente dentro das fronteiras nacionais. Como todos sabemos,
as vítimas de tráfico são, na grande maioria, mulheres e crianças para
fins de exploração sexual. O combate ao tráfico é, por isso, também, um
combate contra a violência de género e um combate pela igual dignidade
entre homens e mulheres.
Para que se esteja perante tal tipo de crime, passará a bastar que a vítima
se encontre numa situação de vulnerabilidade. Para além disso, prevê-se
também que, quem, sendo sabedor da situação de vítima de tráfico, recorrer
aos serviços sexuais dessa pessoa, seja susceptível de punição. E este
é um sinal claro de responsabilização socialmente alargada pelos valores
do respeito pela dignidade da pessoa humana, em particular pela dignidade
das mulheres quando limitadas na sua capacidade de decidir e de agir.
Voltando à violência doméstica, queria agora salientar medidas que decorrem
de preocupações de protecção das vítimas e de prevenção de ocorrências
futuras.
A já referida revisão do Código Penal faz menção à possibilidade da fiscalização,
por meios técnicos de controlo à distância, do cumprimento da pena acessória
de proibição do contacto com a vítima ou de medidas de coacção que obriguem
ao afastamento do agressor da residência ou do local de trabalho. Ao concretizar-se
um sistema de vigilância electrónica, relativamente aos agressores, tornar-se-ão
mais efectivas todas as medidas probatórias ou punitivas que tiverem em
vista esse afastamento, reforçando as condições de segurança das vítimas.
É que o acolhimento em estruturas, como as casas de abrigo, sendo muitas
vezes necessário, tem a desvantagem de provocar uma dupla vitimização:
é a mulher, vítima de uma situação de violência, que é depois duplamente
vitimizada no desenraizamento social e, quantas vezes, no próprio desenraizamento
profissional, com todas as consequências dramáticas que isso envolve.
Por outro lado, a fim de erradicar definitivamente um sentimento de impunidade
relativamente aos agressores, estão a ser pensados programas de tratamento,
cujo objectivo é responsabilizá-los através de uma reeducação para a cidadania
consciente, para que possam adoptar novas atitudes relacionais. Tratar
o agressor é combater o problema sob a perspectiva essencial da prevenção
de ocorrências futuras.
Mas é a vítima de violência doméstica que continua a merecer-nos uma atenção
muito particular. Estamos, por isso, a trabalhar no aperfeiçoamento das
casas de abrigo, estruturas de acolhimento temporário destas vítimas e
dos seus filhos. Começámos por elaborar o diploma que regula as condições
de organização, funcionamento e fiscalização das casas de abrigo (o Decreto
Regulamentar n.º 1/2006), que permite garantir a prestação de um serviço
público uniforme e de qualidade. Na sequência desta regulamentação, foi
nomeada uma comissão de avaliação que já elaborou um relatório de diagnóstico
e de avaliação das condições de funcionamento das 34 casas de abrigo actualmente
existentes no País.
Os resultados desse relatório foram, na globalidade, positivos e permitiram
detectar quais as estruturas que disporão do ano de 2007 para se adaptarem
às exigências legais de qualidade. O aperfeiçoamento das casas de abrigo
far-se-á, assim, individualmente e também na perspectiva do alargamento
da rede, no sentido de permitir uma cobertura geográfica mais adequada
de todo o País.
No apoio às vítimas, o atendimento é também determinante. Saliento o trabalho
decisivo que tem vindo a ser desenvolvido pelas forças de segurança, já
com 142 salas de atendimento a vítimas de crimes na PSP e 249 postos de
atendimento na GNR. Os agentes dedicados a esta área têm vindo a receber
formação específica. Para além disso, está em aplicação o auto de notícia
padrão e, quando se justifique, o questionário de avaliação do risco,
documentos elaborados no âmbito da Estrutura de Missão contra a Violência
Doméstica (EMCVD).
Outro aspecto do atendimento às vítimas de violência doméstica diz respeito
à exigência de boa articulação com as estruturas de atendimento.
O Sr. Presidente: — Sr. Secretário de Estado, queira concluir.
O Orador: — Terminarei, Sr. Presidente, chamando a atenção para a importância
de também aqui criar uma rede nacional de atendimento às vítimas de violência,
igualmente com cobertura no País e com assento nos governos civis.
Todas estas medidas, em articulação com a campanha nacional actualmente
em curso, promovida pela EMCVD, inscrevem-se também na finalização do
II Plano Nacional Contra a Violência Doméstica e já na preparação do III
Plano Nacional Contra a Violência Doméstica.
Como nesta Assembleia se viu, compreendemos que todos vamos estar juntos
numa causa comum: a causa da defesa da dignidade da pessoa humana.
Aplausos do PS.
(Excerto do Diario da Assembleia da República, I Série, Nº. 25, de 9 de Dezembro de 2006)