" />

120 ANOS DA SALA DAS SESSÕES (1903-2023)


Apontamentos sobre alguns momentos da história da Sala das Sessões.

Em janeiro de 1903, foi inaugurada a atual Sala das Sessões da Assembleia da República.

Em 1895, um incêndio destruiu a primeira Câmara dos Deputados instalada há cerca de seis décadas no antigo Mosteiro de São Bento da Saúde. O arquiteto Miguel Ventura Terra foi o vencedor do concurso lançado para a reconstrução da Sala das Sessões e para a remodelação do edifício onde está instalado o Parlamento.


A Sala das Sessões em 1903, Álbum da Ordem dos Engenheiros, Arquivo Fotográfico da Assembleia da República (AF-AR).

Inaugurada há 120 anos, a Sala das Sessões atravessou os quatro períodos da história parlamentar, tendo sido palco, em 1908, da aclamação do último rei de Portugal, D. Manuel II, e, em 1911, da aprovação da Constituição republicana e da eleição do primeiro Presidente da República, Manuel de Arriaga.

O Golpe Militar de 28 de Maio de 1926 determinou o encerramento do Parlamento durante quase nove anos. A Sala das Sessões recebeu a primeira reunião da Assembleia Nacional em 1935, um Parlamento de partido único, subordinado à ideologia do regime e esvaziado de competências.

Após a Revolução de 25 de Abril de 1974, os trabalhos da Assembleia Constituinte tiveram início a 2 de junho de 1975, rodeados de um clima de euforia e esperança no novo ciclo político. Dez meses depois, na Sala das Sessões foi aprovada a Constituição, que instituiu a Assembleia da República como órgão de soberania.

Na primeira parte deste artigo, apresentaram-se alguns apontamentos sobre a história da Sala das Sessões no período final da Monarquia. A segunda parte foi dedicada ao período da I República.

PARTE 3 | ESTADO NOVO

Durante a ditadura militar, que se seguiu ao Golpe de 28 de Maio de 1926, o Parlamento manteve-se encerrado até 1935.

O projeto da Constituição do Estado Novo foi elaborado pelo Presidente do Conselho de Ministros, António de Oliveira Salazar, contando apenas com o apoio de uma pequena equipa. O projeto foi publicado nos jornais de 28 de maio de 1932 para efeitos de discussão e, novamente, com pequenas alterações, sob a forma de Decreto, a 21 de fevereiro de 1933. O texto foi depois submetido a plebiscito nacional, sendo o voto obrigatório e as abstenções consideradas como votos a favor.

A Constituição previa um Parlamento monocameral, apenas com a Câmara dos Deputados, – a Assembleia Nacional –, e instituía um órgão de consulta, em representação dos interesses locais e socioeconómicos – a Câmara Corporativa.

Em 1934, a Assembleia Nacional foi eleita por sufrágio direto dos cidadãos maiores de 21 anos ou emancipados, embora com um colégio eleitoral muito restrito: os analfabetos só podiam votar se pagassem impostos não inferiores a 100$00 e as mulheres no caso de possuírem curso especial, secundário ou superior. Todos os eleitos, incluindo as três primeiras mulheres Deputadas em Portugal, foram propostos pela União Nacional, organização política que se subordinava à orientação ideológica do regime.

A primeira reunião do Parlamento tem lugar no dia 10 de janeiro de 1935, procedendo-se à eleição da Comissão de Verificação de Poderes e à aprovação do seu parecer. De seguida, é eleita a Mesa, com José Alberto dos Reis a assumir a Presidência da Assembleia Nacional.


Aspeto da sala na Sessão Solene de abertura da Assembleia Nacional, vendo-se na primeira fila o Governo, 11 de janeiro de 1935, AF-AR.

No seu discurso, o Presidente deixa o mote do que seria a subordinação do Parlamento ao Governo:

“É dever nosso, minhas senhoras e meus senhores, dar satisfação ao País e ao Governo, corresponder ao que um e outro esperam de nós (…).

Vamos trabalhar, meus senhores, numa casa onde se desencadearam por vezes tempestades e conflitos, onde soprou o vento, numa ou outra conjuntura, agreste e áspero da paixão partidária. A casa é a mesma, mas é necessário que o espírito e a mentalidade sejam outros. (…)

Uma assembleia que tem a designação de Assembleia Nacional e que foi eleita sob o signo da União Nacional não pode deixar de fazer, evidentemente, obra nacional. Recordemos as palavras modelares do Chefe do Governo: "tudo pela Nação e nada contra a Nação". Seja esse o nosso lema.”


A Sala das Sessões em 1937, já sem a bancada do Governo, AF-AR.




No dia 25 de julho de 1965, o colégio eleitoral, constituído por 585 pessoas, reúne na Sala das Sessões da Assembleia Nacional para a reeleição de Américo Tomás para Presidente da República, único candidato que se apresentou ao sufrágio, AF-AR.

No dia 11 de janeiro, realiza-se a sessão inaugural, com a presença do Presidente da República, António Óscar de Fragoso Carmona, e do Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar.

O Presidente da Assembleia Nacional, José Alberto dos Reis, lê a mensagem que o Chefe do Estado dirigiu ao Parlamento, onde é feito o elogio da Ditadura Nacional e se pede à Assembleia Nacional “o reconhecimento do esforço patriótico da Ditadura e o concurso que a ela e à Câmara Corporativa será solicitado para se avançar na estrada que delineou.”

As sucessivas revisões constitucionais confirmam o pendor antiparlamentarista do regime, esvaziando os poderes e as competências de fiscalização da Assembleia Nacional, que se mantém sempre subordinada à política governativa. A retirada da bancada do Governo da Sala das Sessões torna evidente a ausência do Governo do escrutínio parlamentar.

Após o afastamento de António de Oliveira Salazar, em 1968, é anunciada pelo novo Chefe do Governo, Marcelo Caetano, uma renovação política dentro do regime. Nesse âmbito, são convidadas personalidades liberais para se candidatarem às eleições legislativas de 1969, pelas listas do partido único.

Esse grupo de Deputados, que ficaria conhecido por Ala Liberal, provoca alguns debates acesos na Assembleia Nacional, questionando a política ultramarina, a ausência de liberdade de expressão e a violação dos direitos humanos.


Episódio da BD “Fora da lei”, em que Francisco Sá Carneiro, Deputado da Ala Liberal, denuncia a atuação da Direção-Geral de Segurança como atentatória dos direitos humanos.

No debate sobre a lei de imprensa, em 1971, Miller Guerra da Ala Liberal insurge-se contra a censura e a falta de confronto de ideias, que conduzem ao atraso cultural e à estagnação de mentalidades e instituições:

“Fizeram-nos, e fazem-nos, muita falta os confrontos com modos diferentes de viver e considerar o mundo; a discussão nascida da heterogeneidade das ideias; a livre oposição às ideologias oficiais; a variedade das opiniões, das crenças e dos gostos. O que hoje se denomina pluralismo combateu-se como se fosse um adversário corruptor dia paz pública, dos valores tradicionais, da unidade. Porém, a unidade verdadeira, sólida, incontestável, provém da diversidade de pensamento e de atitudes e não da monotonia das concordâncias.”

No início de 1973, Miller Guerra acaba por renunciar ao mandato, “desesperançado que a [sua] voz seja ouvida” contra “os abusos da censura prévia” de um regime que considera “autocrático e reacionário”.

No dia 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas põe fim ao regime ditatorial do Estado Novo e à Assembleia Nacional.

A quarta e última parte deste artigo será dedicada ao período da Democracia.

Teresa Fonseca


Fontes e bibliografia:

100 anos de Parlamento, Lisboa, Assembleia da República, 2003.

Arquiteto Miguel Ventura Terra (1866-1919), Lisboa, Assembleia da República, 2009.

Arquivo Fotográfico da Assembleia da República

Biblioteca Nacional de Portugal

Debates parlamentares

Imagens e apontamentos | Sala das Sessões

O início dos trabalhos no Parlamento: 1821 | 1911 | 1935 | 1975

Parlamento.pt

Visita virtual à Assembleia da República

Imagem da capa | Domitila de Carvalho, António Almeida Pinto da Mota, Maria Cândida Parreira, Maria Guardiola na Sala da Assembleia Nacional, 10 de janeiro de 1935, AR-AF.