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Este artigo apresenta uma síntese das aberturas do Parlamento nos quatro momentos inaugurais dos períodos da Monarquia Constitucional, 1.ª República, Estado Novo e Democracia.
O início das assembleias constituintes foram momentos solenes e festivos, mas também de esperança das populações que acolhiam a elaboração de uma Constituição como uma oportunidade de ver os seus problemas resolvidos. Apenas a Assembleia Nacional de 1935 não teve poderes constituintes, uma vez que a Constituição de 1933, elaborada pelo Presidente do Conselho de Ministros, António de Oliveira Salazar, foi plebiscitada.
Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa | 1821
A Revolução de 1820 esteve na origem do primeiro Parlamento português, as Cortes Constituintes, tendo como missão primordial a elaboração de uma Constituição.
As eleições em Portugal Continental (1) para a formação das Cortes Constituintes, denominadas Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, realizaram-se em dezembro de 1820 e os trabalhos do primeiro Parlamento português decorreram entre 24 de janeiro de 1821 e 4 de novembro de 1822.
A Livraria do Convento das Necessidades foi o local escolhido para acolher as Cortes Constituintes.
Esta assembleia constituinte, embora com a incumbência primeira de elaborar uma Constituição, designou desde logo um novo governo, a Regência, substituindo a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, que tinha dirigido o país desde o triunfo da Revolução. Legislou igualmente de forma soberana sobre os mais variados assuntos de natureza política, económica e social e impôs ao Rei D. João VI o seu regresso do Brasil – onde se havia refugiado com a corte após as invasões francesas - para prestar juramento das Bases da Constituição.
Instituiu-se, assim, o primeiro sistema de governo parlamentar controlado por uma assembleia que viria a aprovar, em 23 de setembro, a Constituição de 1822.
Após a sessão preparatória de 24 de janeiro para verificação dos mandatos dos Deputados, a sessão inaugural das Cortes Constituintes teve lugar dois dias depois, pelas 14h30, na Livraria do Convento das Necessidades, conforme descrito na ata da reunião:
“Aos 26 dias do mês de janeiro de 1821, nesta Cidade de Lisboa, Paço e Sala das Cortes, reunidos os Senhores Deputados, cujos Diplomas e Poderes tinham sido verificados e havidos por legais na Sessão Preparatória do dia 24; e, achando-se presente em seus respetivos lugares a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, e a Preparatória das Cortes, abriu-se a Sessão pelas duas horas e meia da tarde”.
O Presidente do Governo, Conde de Sampaio, dirigiu-se aos 74 Deputados presentes:
“Ilustres Representantes da Nação Portuguesa: Chegou por fim o dia venturoso que os Portugueses tão ansiosamente desejavam, e que vai a coroar seus ardentes votos, e suas lisonjeiras esperanças; dia para sempre glorioso e memorável, que fará a mais brilhante época na História da Monarquia (…) Em vossas mãos, Senhores, está ao presente a sorte desta Magnânima Nação, a felicidade da nossa cara e comum Pátria. O ilustrado zelo e patriotismo dos Portugueses a confiou à vossa virtude e sabedoria: eles não se acharão enganados em sua escolha, nem serão iludidos em suas esperanças".
Nesta sessão, foi eleito Presidente das Cortes o Arcebispo da Baía e Vice-Presidente Manuel Fernandes Tomás. Foi ainda aprovado o Decreto para que a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino continuasse no exercício de suas funções, até à nomeação e inauguração da nova Regência.
A 23 de setembro de 1822, foi aprovada a primeira Constituição portuguesa.
A Constituição tem um curto proémio, no qual as Cortes afirmam a sua íntima convicção de que as desgraças públicas, que “tanto têm oprimido e ainda oprimem [a Nação Portuguesa], tiveram a sua origem no desprezo dos direitos do cidadão e no esquecimento das leis fundamentais da Monarquia; e havendo outrossim considerado que somente pelo restabelecimento destas leis, ampliadas e reformadas, pode conseguir-se a prosperidade da mesma Nação e precaver-se que ela não torne a cair no abismo, de que a salvou a heroica virtude de seus filhos (…)”.
No primeiro texto constitucional português ficaram consagrados os princípios ligados aos ideais liberais da época: representação, separação de poderes, igualdade jurídica e respeito pelos direitos pessoais.
Na sequência da Revolta da Vilafrancada, em maio de 1823, liderada por D. Miguel, e da nomeação de um novo Governo, D. João VI dissolveu as Cortes e revogou a Constituição.
A Constituição de 1822 vigorou menos de um ano, entre 23 de setembro de 1822 e 3 de junho de 1823. Na sequência da Revolução de Setembro, em 1836, teria uma curta e quase simbólica segunda vigência, de 10 de setembro de 1836 a 4 de abril de 1838, data do juramento da Constituição de 1838.
Assembleia Nacional Constituinte | 1911
Após a Revolução de 5 de Outubro de 1910, foi constituído um Governo Provisório, até à aprovação da nova Constituição. Presidido por Teófilo Braga, procurou de imediato erradicar os símbolos e as organizações monárquicas e reduzir a influência da Igreja Católica na sociedade portuguesa.
No dia 28 de maio de 1911, realizaram-se eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, que viria a aprovar a primeira Constituição republicana.
A lei eleitoral determinava que apenas os cidadãos alfabetizados e os chefes de família maiores de 21 anos poderiam votar.
Aproveitando o facto de a lei não especificar que apenas os cidadãos do sexo masculino tinham capacidade eleitoral, Carolina Beatriz Ângelo, médica, republicana, sufragista e chefe de família foi a primeira mulher a votar em Portugal.
À exceção de um Deputado eleito pelo Partido Socialista, todos os parlamentares da Assembleia Nacional Constituinte integravam o Partido Republicano.
Após a sessão de verificação de poderes, a reunião inaugural do primeiro Parlamento republicano teve lugar no dia 19 de junho de 1911, sob a Presidência de Anselmo Braamcamp Freire, que seria formalmente eleito no dia seguinte.
Na Sala dos Passos Perdidos encontravam-se os representantes de mais de duzentas câmaras municipais do país, que tinham vindo expressamente a Lisboa para assistir à proclamação da República e para saudar os membros da Assembleia Nacional Constituinte. O Parlamento permitiu o seu ingresso nos dois lados da Câmara.
De seguida, foi aprovado o primeiro decreto da Assembleia Constituinte, abolindo a Monarquia e instituindo a República:
“A Assembleia Nacional Constituinte, confirmando o ato de emancipação realizado pelo povo e pelas forças militares de terra e mar, e reunida para definir e exercer a consciente soberania, tendo em vista manter a integridade de Portugal, consolidar a paz e a confiança na justiça, e o bem-estar e progresso do Povo Português - proclama e decreta:
1.° Fica para sempre abolida a monarquia e banida a dinastia de Bragança.
2.° A forma de Governo de Portugal é a de República Democrática.
3.° São declarados beneméritos da Pátria todos aqueles que para depor a monarquia heroicamente combateram até conquistar a vitória, consagrando-se para todo o sempre, com piedoso reconhecimento, a memória dos que morreram na mesma gloriosa empresa.”
Logo de seguida foram aprovados dois símbolos republicanos: a Bandeira Nacional e o Hino Nacional “A Portuguesa”.
Dentro da Sala das Sessões, ouviram-se “vivas à República, às nações estrangeiras, a Portugal independente, à Pátria livre”. De seguida, a República foi proclamada na varanda do Palácio dos Cortes perante uma multidão que saudava o novo regime.
A Constituição foi aprovada no dia 21 de agosto de 1911, consagrando uma organização política, em que o Congresso da República, composto por duas câmaras (Câmara dos Deputados e Senado), tinha a supremacia legislativa.
O Presidente da República era eleito pelo Congresso para um mandato de quatro anos e tinha funções representativas, não tendo qualquer autoridade sobre o Congresso da República.
O primeiro Presidente da República, Manuel de Arriaga, foi eleito pela Assembleia Nacional Constituinte na sessão de 24 de agosto de 1911.
Apesar de consagrar direitos e garantias individuais, a Constituição republicana não instituiu o sufrágio universal, pois não conferia direito de voto às mulheres, aos analfabetos e, em parte, aos militares.
A Constituição de 1911 vigorou na prática até ao Golpe de 28 de Maio de 1926, que determinou a dissolução do Parlamento e instituiu uma ditadura militar.
O primeiro texto constitucional teve várias alterações e esteve suspenso durante a ditadura de Pimenta de Castro, em 1915, e no período do sidonismo.
Assembleia Nacional | 1935
Após o Golpe Militar de 28 de Maio de 1926, não foi eleita uma assembleia constituinte para elaborar e aprovar o texto constitucional e o Parlamento manteve-se encerrado até 1935.
O projeto de Constituição foi elaborado pelo Presidente do Conselho de Ministros, António de Oliveira Salazar, contando apenas com o apoio de uma pequena equipa. O projeto foi publicado nos jornais de 28 de maio de 1932 para efeitos de discussão e, novamente, com pequenas alterações, sob a forma de Decreto, a 21 de fevereiro de 1933. O texto foi depois submetido a plebiscito nacional, sendo que o voto era obrigatório e as abstenções foram consideradas como votos a favor.
A Constituição previa um Parlamento monocameral – a Assembleia Nacional -, instituindo ainda a Câmara Corporativa como órgão de consulta, em representação dos interesses locais e socioeconómicos.
Em 1934, a Assembleia Nacional foi eleita por sufrágio direto dos cidadãos maiores de 21 anos ou emancipados, embora com um colégio eleitoral muito restrito. Os analfabetos só podiam votar se pagassem impostos não inferiores a 100$00 e as mulheres no caso de possuírem curso especial, secundário ou superior.
Os eleitos, incluindo as três primeiras mulheres Deputadas em Portugal, foram propostos pela União Nacional, organização política que se subordinava à orientação ideológica do regime.
A primeira reunião do Parlamento teve lugar no dia 10 de janeiro de 1935, tendo-se procedido à eleição da Comissão de Verificação de Poderes e à aprovação do seu parecer. De seguida, foi eleita a Mesa, com José Alberto dos Reis a assumir a Presidência da Assembleia Nacional.
No seu discurso, deixava o mote do que seria a subordinação do Parlamento ao Governo:
“É dever nosso, minhas senhoras e meus senhores, dar satisfação ao País e ao Governo, corresponder ao que um e outro esperam de nós (…).
Vamos trabalhar, meus senhores, numa casa onde se desencadearam por vezes tempestades e conflitos, onde soprou o vento, numa ou outra conjuntura, agreste e áspero da paixão partidária. A casa é a mesma, mas é necessário que o espírito e a mentalidade sejam outros. (…)
Uma assembleia que tem a designação de Assembleia Nacional e que foi eleita sob o signo da União Nacional não pode deixar de fazer, evidentemente, obra nacional. Recordemos as palavras modelares do Chefe do Governo: "tudo pela Nação e nada contra a Nação". Seja esse o nosso lema.”
No dia 11 de janeiro, realiza-se a sessão inaugural, com a presença do Presidente da República, António Óscar de Fragoso Carmona, e do Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar.
O Presidente da Assembleia Nacional, José Alberto dos Reis, leu a mensagem que o Chefe do Estado dirigiu ao Parlamento, onde é feito o elogio da Ditadura Nacional e se pede à Assembleia Nacional “o reconhecimento do esforço patriótico da Ditadura e o concurso que a ela e à Câmara Corporativa será solicitado para se avançar na estrada que delineou.”
A Assembleia Nacional reuniria pela última vez, sem quórum, na manhã de 25 de Abril de 1974, data do derrube do Estado Novo pelo Movimento das Forças Armadas.
Assembleia Constituinte | 1975-1976
A Revolução de 25 de Abril de 1974 marcou o início da vida democrática em Portugal. O golpe militar conduzido pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) pôs termo ao regime autoritário do Estado Novo, abrindo caminho para a resolução do problema da guerra colonial e para a democratização e o desenvolvimento do país.
O período pós-revolucionário caracterizou-se por um clima de tensão e instabilidade políticas que se traduziu na constituição de seis governos provisórios entre maio de 1974 e julho de 1976.
Após vários adiamentos, o Pacto MFA/Partidos, pelo qual os partidos políticos se comprometiam a respeitar no texto constitucional o poder do MFA na condução da vida política portuguesa, viabilizou a realização das eleições para a Assembleia Constituinte no dia 25 de abril de 1975.
O Partido Socialista (PS) obteve a vitória com a eleição de 116 Deputados, seguido do Partido Popular Democrático (PPD) com 81 Deputados, do Partido Comunista Português (PCP) com 30 Deputados, do Partido do Centro Democrático e Social (CDS) com 16 Deputados, do Movimento Democrático Português (MDP-CDE) com 5 Deputados, da União Democrática Popular (UDP) com 1 Deputado, e da Associação de Defesa dos Interesses de Macau (ADIM) também com 1 Deputado.
A 2 de junho de 1975, o Presidente Interino da Assembleia Constituinte, Henrique de Barros, declarou aberta a sessão inaugural do primeiro Parlamento português eleito por sufrágio livre e universal.
O Presidente da República, Francisco Costa Gomes, usou da palavra, referindo a Plataforma Constitucional MFA-Partidos como um "contributo revolucionário para a nova Constituição".
Henrique de Barros, que seria eleito Presidente da Assembleia Constituinte no dia 5 de junho, encerrou a sessão:
"As Constituições valem na medida em que não forem efémeras em que servirem de quadro à vida política nacional durante um período de tempo relativamente longo, em que demonstrarem capacidade para suportar o embate, sempre rude, da experiência, da realidade viva.
Este é o desejo que formulo, o anseio que exprimo, nesta hora primeira, incerta como são todas as horas primeiras: o de que saibamos ser dignos de nós próprios dotando a nossa Pátria com uma Constituição que, na sua essência, consiga resistir à prova do tempo!"
A 2 de abril de 1976, a Assembleia Constituinte aprovou a Constituição da República Portuguesa, com os votos contra de apenas um partido político, o CDS.
O espírito revolucionário da época refletiu-se no texto constitucional, que apontava como objetivos do Estado a transição para o socialismo, o exercício do poder pelas classes trabalhadoras e a apropriação coletiva dos principais meios de produção.
A Constituição de 1976 consagrou direitos e deveres fundamentais como o princípio da igualdade, a liberdade de imprensa, a liberdade religiosa, direitos laborais, sociais e culturais, instituiu como órgãos de soberania o Presidente da República, o Conselho da Revolução, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais, integrou as autarquias locais e as regiões administrativas na organização política do Estado e instituiu as regiões autónomas dos Açores e da Madeira.
Na sequência das eleições legislativas, realizadas no dia 25 de abril de 1976, a mesma data em que entrou em vigor a Constituição, a Assembleia da República iniciou os seus trabalhos em 3 de junho de 1976.
Assinalava-se também o começo de um novo ciclo, que prosseguiria com a eleição do Presidente da República (27 de junho), a formação do I Governo Constitucional (23 de julho) e as eleições autárquicas (12 de dezembro).
A Constituição seria objeto de sete revisões constitucionais em 1982, 1989, 1992, 1997, 2001, 2004 e 2005.