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Apontamentos sobre alguns momentos da história da Sala das Sessões.
Em janeiro de 1903, foi inaugurada a atual Sala das Sessões da Assembleia da República.
Em 1895, um incêndio destruíra a primeira Câmara dos Deputados instalada há cerca de seis décadas no antigo Mosteiro de São Bento da Saúde. O arquiteto Miguel Ventura Terra foi o vencedor do concurso lançado para a reconstrução da Sala das Sessões e para a remodelação do edifício onde está instalado o Parlamento.
Inaugurada há 120 anos, a Sala das Sessões atravessou os quatro períodos da história parlamentar, tendo sido palco, em 1908, da aclamação do último rei de Portugal, D. Manuel II, e, em 1911, da aprovação da Constituição republicana e da eleição do primeiro Presidente da República, Manuel de Arriaga.
O Golpe Militar de 28 de Maio de 1926 determinou o encerramento do Parlamento durante quase nove anos. A Sala das Sessões recebeu a primeira reunião da Assembleia Nacional em 1935, um Parlamento de partido único, subordinado à ideologia do regime e esvaziado de competências.
Após a Revolução de 25 de Abril de 1974, os trabalhos da Assembleia Constituinte tiveram início a 2 de junho de 1975, rodeados de um clima de euforia e esperança no novo ciclo político. Dez meses depois, na Sala das Sessões foi aprovada a Constituição, que instituiu a Assembleia da República como órgão de soberania.
Na primeira parte deste artigo, apresentaram-se alguns apontamentos sobre a história da Sala das Sessões no período final da Monarquia. Esta segunda parte é dedicada ao período da I República.
PARTE 2 | I REPÚBLICA
Após a Revolução de 5 de Outubro de 1910, o Governo Provisório, presidido por Teófilo Braga, procurou de imediato erradicar os símbolos e as organizações monárquicas e reduzir a influência da Igreja Católica na sociedade portuguesa.
No dia 28 de maio de 1911, realizaram-se eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, que viria a aprovar a primeira Constituição republicana.
A reunião inaugural do primeiro Parlamento republicano tem lugar no dia 19 de junho de 1911, sob a Presidência de Anselmo Braamcamp Freire, que seria formalmente eleito no dia seguinte. À exceção de um Deputado eleito pelo Partido Socialista, todos os parlamentares da Assembleia Nacional Constituinte integram o Partido Republicano.
Ao contrário do que sucedera em 1903, a abertura da Assembleia é saudada efusivamente por uma multidão que se manifesta junto ao edifício e por representantes de mais de duzentas câmaras municipais do país, que se deslocam a Lisboa para assistir à proclamação da República e para saudar os membros da Assembleia Nacional Constituinte.
Na Sala das Sessões, os símbolos monárquicos foram retirados. No lugar antes ocupado pelo rei, encontra-se um busto da República de enormes dimensões que, em 1916, seria substituído pela estátua da República, ainda hoje presente naquele espaço.
A Constituição é aprovada no dia 21 de agosto de 1911, consagrando uma organização política, em que o Congresso da República, composto por duas câmaras (Câmara dos Deputados e Senado), tem a supremacia legislativa.
O primeiro Presidente da República, Manuel de Arriaga, é eleito pela Assembleia Nacional Constituinte na sessão de 24 de agosto de 1911.
As questões sociais e laborais e o tema da separação do Estado e das Igrejas marcam os debates parlamentares da I República, mas a instabilidade do regime é provocada também pelas cisões dentro do Partido Republicano e pela participação de Portugal na Grande Guerra (1914-1918).
No dia 9 de março de 1916, a Alemanha declara guerra a Portugal na sequência da apreensão, a pedido do Governo britânico, de navios alemães e austríacos que se encontravam em portos portugueses.
Até então, Portugal mantivera-se formalmente neutro na guerra mundial, apesar do envio de forças militares para África, desde 1914, para defesa das colónias contra a ameaça alemã.
A declaração de guerra é lida e debatida na sessão de 10 de março do Congresso da República:
“O Governo Português apoiou desde o começo da guerra os inimigos do Império Alemão por atos contrários à neutralidade.
(…)
Além disso, foram enviadas expedições à África e dito então abertamente que estas eram dirigidas contra a Alemanha.
(…)
Por último, a 23 de Fevereiro de 1916, fundada num decreto do mesmo dia, sem que antes tivesse havido negociações, seguiu-se a apreensão dos navios alemães, sendo estes ocupados militarmente e as tripulações mandadas sair de bordo.
(…)
Por este procedimento o Governo Português deu a conhecer que se considera como vassalo da Inglaterra, que subordina todas as outras considerações aos interesses e desejos ingleses.
Finalmente a apreensão dos navios realizou-se sob formas em que deve ver-se uma intencional provocação à Alemanha. A bandeira alemã foi arriada dos navios alemães e em seu lugar foi posta a bandeira portuguesa com a flâmula de guerra. O navio almirante salvou por esta ocasião.
O Governo Imperial vê-se forçado a tirar as necessárias consequências do procedimento do Governo Português. Considera-se de agora em diante como achando-se em estado de guerra com o Governo Português.”
Na sessão de 16 de março, o Parlamento reúne unanimidade para a formação de um governo de unidade nacional para responder à conjuntura da guerra.
Cinco dias mais tarde, forma-se o Governo de União Sagrada, projetado como uma coligação nacional, mas que seria constituído apenas por dois partidos políticos – o Partido Democrático, de Afonso Costa, e o Partido Republicano Evolucionista, de António José de Almeida –, com o apoio do Partido Republicano Unionista, de Brito Camacho.
Em dezembro de 1917, um movimento revolucionário coloca Sidónio Pais no poder, afastando as forças que apoiam o Governo chefiado por Afonso Costa, e abre caminho à República Nova, de pendor presidencialista, autoritário, antipartidário e antiparlamentar.
Os debates são marcados não só pela tensão entre republicanos e monárquicos, mas também pelas divisões que se acentuam no seio do Partido Nacional Republicano, nomeadamente, no que diz respeito à questão do regime presidencialista.
A instabilidade política, com sucessivas remodelações ministeriais, os protestos do movimento operário e dos partidos republicanos na oposição, o recurso à censura e o fortalecimento da repressão policial, a participação de Portugal na Grande Guerra e a crise económica e social são alguns dos fatores que contribuem para o declínio do sidonismo, que tem o seu desfecho com o assassinato do Chefe de Estado em dezembro de 1918.
O regresso da República Velha não impede a instabilidade política e social dos anos finais do regime, que chega ao fim com o Golpe Militar de 28 de Maio de 1926.
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Durante a I República, nos anos 20 do século XX, são completadas as decorações previstas para a Sala das Sessões no projeto de Ventura Terra.
Na parede da Presidência, por cima da estátua da República, destaca-se agora uma luneta pintada por Veloso Salgado, representando as Cortes Constituintes de 1821, o primeiro Parlamento português, reunidas na Livraria do Convento das Necessidades, em Lisboa. A luneta é emoldurada por brasões, pintados por Benvindo Ceia, com as armas dos distritos e das antigas províncias ultramarinas por onde os deputados eram eleitos.
Em torno da claraboia, no teto, figuram três pinturas de Alves Cardoso, que representam alegorias à Ciência, às Artes e à Indústria; à Pátria, à Paz e à Fortuna; ao Comércio e à Agricultura.
Também a primeira galeria da Sala das Sessões exibe agora seis estátuas alusivas à Constituição, à Lei, à Jurisprudência, à Eloquência, à Justiça e à Diplomacia.
A terceira parte deste artigo será dedicada à Sala das Sessões no período do Estado Novo.
Teresa Fonseca
Fontes e bibliografia:
100 anos de Parlamento, Lisboa, Assembleia da República, 2003.
Arquiteto Miguel Ventura Terra (1866-1919), Lisboa, Assembleia da República, 2009.
Arquivo Fotográfico da Assembleia da República
Biblioteca Nacional de Portugal
Imagens e apontamentos | Sala das Sessões
O início dos trabalhos no Parlamento: 1821 | 1911 | 1935 | 1975
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