No início de cada reunião plenária, o Presidente da Assembleia da República pede aos agentes de autoridade que abram as galerias ao público. É um ato simbólico de abertura aos cidadãos, tão antigo quanto a instituição parlamentar.
Atualmente, às galerias ainda acorrem muitos visitantes, em especial em dias em que se realizam debates com o Governo ou se debate o próximo Orçamento do Estado, mas assistir às reuniões parlamentares já não tem a mesma importância que antes.
Durante os períodos da monarquia constitucional, 1.ª República e Estado Novo, assistir às reuniões plenárias nas galerias era praticamente a única forma de acompanhar os debates parlamentares e conhecer os representantes eleitos, o que justifica a importância dada aos designados “espetadores” desde o início da nossa história parlamentar.
Na sessão preparatória das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, de 27 de janeiro de 1821, para verificação dos poderes dos eleitos, foram admitidos tantos espetadores quanto permitiu a capacidade das galerias para isso destinadas. Num elegante e improvisado discurso, assim adjetivado pelo Secretário interino que redigiu a ata, o Presidente agradeceu aos presentes pela boa ordem e devida veneração com que atendiam e escutavam o Congresso e exortou-os ao «respeitoso silêncio, acatamento com que sempre deveriam presenciar as Augustas Tarefas dos Deputados Representantes da Nação».
Nos primeiros meses da monarquia constitucional, apesar do projeto de Regimento determinar a interdição do aplauso ou de sinais de reprovação do que se passava na reunião, aconteceu por vezes Deputados mencionarem a glória dos aplausos dos espetadores após os seus discursos. Já outros pediam a suspensão da reunião por considerarem que os eleitos representavam três milhões de habitantes e não meia dúzia de pessoas que se encontravam nas galerias.
A questão dos espetadores era tão importante para os trabalhos parlamentares que, em agosto desse mesmo ano, o parecer da Comissão das Artes sobre a construção de uma sala das Cortes no colégio dos Nobres defendia que a sala devia ser capaz de conter cento e sessenta Deputados, com as respetivas tribunas, retretes e galerias para pelo menos 500 espetadores. Quanto ao local, também alertou que deveria ser dada preferência àquele que ficasse mais central e acessível, tanto aos Deputados como aos espetadores.
A 30 de maio de 1821, Xavier Monteiro defende que o Congresso se mude para outro local, porque é necessário arranjar mais espaço para os Deputados do ultramar, cuja vinda se aguardava, e para os espetadores. E pergunta: «Que são 300 pessoas para a população de Lisboa? É útil que possa vir mais gente».
Para entrar nas galerias era necessário ter uma senha ou convite, tendo o Deputado José Ferrão de Mendonça e Sousa proposto no ano seguinte, a 14 de janeiro de 1822, a «entrada livre de espectadores» nas galerias, suspendendo a impressão de senhas porque era muito dispendiosa. Contudo, esta proposta não foi posta em prática, nem sequer debatida.
Em 1826, no Regimento que é então aprovado, há um capítulo dedicado às galerias, com as regras relativas ao comportamento dos espetadores, designadamente o dever de permanecerem «mudos espetadores das discussões, votações e mais atos da Câmara». Estas regras eram afixadas à entrada das galerias para conhecimento e respeito por todos quantos ali se dirigiam para assistir aos trabalhos parlamentares.
A prática de afixar as regras e a impressão e distribuição de senhas, convites ou bilhetes manteve-se ao longo dos anos, até ao período do Estado Novo, inclusive.
Durante a 1.ª República, os ainda designados espetadores presentes nas galerias dificilmente respeitam a regra do silêncio e da não manifestação. O jornal oficial da Câmara dos Deputados fala em tumultos nas galerias, ovações e aplausos do público, havendo mesmo referência a um cidadão que é preso por ter intervindo no debate sobre matrícula nas faculdades de medicina.
No Estado Novo há uma quebra nas presenças nas galerias que é evidente desde o início dos trabalhos. Em 1938, na Assembleia Nacional, no final da I Legislatura, o Deputado Querubim Guimarães apresenta à Assembleia as suas saudações e cita a afirmação de Fialho de Almeida: «Gosto do Parlamento, como gosto de ir aos touros». E prossegue:
«Sem dúvida nenhuma que Fialho de Almeida, se vivesse hoje, (…) não teria já a mesma opinião. O Parlamento-tourada fez a sua época, passou em Portugal, embora em algumas outras nações, e de maiores responsabilidades no mundo, continue a ser um espetáculo, triste por vezes. Isto quer dizer que os tempos mudaram, felizmente. Menos interesse das galerias, nada das emoções de lutas políticas. Tudo decorre serenamente e só um interesse guia os trabalhos - o interesse de melhor servir a Nação».
Nos últimos anos da Assembleia Nacional, a presença de público nas galerias era a única forma de assegurar o testemunho dos debates aqui havidos, dado que chegavam a ser censurados antes da sua publicação em jornais. Como referia Sá Carneiro[1]:
«Não pode, pois, o público estar bem informado, pela Imprensa, do que na Assembleia se passa. Pela Televisão também não. (…) Da Rádio só alguns programas dão relevo ao que na Assembleia se passa. (…) Restam a assistência às sessões públicas e a leitura do respetivo diário, uma e outra restritas a um número de cidadãos. Além disso, para assistir às sessões, é indispensável um bilhete de acesso às galerias destinadas ao público, para o que é necessário indicar o nome de um Deputado que patrocine a entrada».
Depois do 25 de Abril, a Assembleia Constituinte aprovou um regimento no qual ainda se previa a possibilidade de os Deputados requererem senhas para as galerias. Caso os lugares não fossem preenchidos, seriam então livremente ocupados por quem pretendia assistir à sessão. Esta disposição é contestada em especial pelo Deputado Américo Duarte, da UDP (União Democrática Popular), a 17 de junho de 1975, que considera que com esta proposta se pretende «retirar ao povo a possibilidade de ver o que aqui se vai decidindo acerca do seu futuro».
50 anos volvidos, o público pode acompanhar os trabalhos parlamentares remotamente, através das emissões do Canal Parlamento ou do portal da Assembleia da República na internet, mas as galerias ainda se enchem de público para assistir em direto às reuniões plenárias, e, ocasionalmente, ainda é necessário recordar que não se podem manifestar e que devem abster-se de exibir sinais de aprovação ou rejeição.
E as reuniões plenárias só começam depois dos agentes da autoridade, a pedido do Presidente da Assembleia da República, abrirem as galerias para quem quiser assistir aos trabalhos parlamentares.
Ana Vargas
[1] In Ser ou não Ser Deputado, Arcádia 1973