Intervenção Parlamentar e Democracia e desafios e impactos da definição e execução do Orçamento do Estado
Introdução
A Assembleia da República (AR) desempenha um papel central e indispensável na definição e execução das prioridades e desafios consignados no Orçamento do Estado (OE). Este processo é fundamental, não apenas para a gestão financeira do país, mas também para garantir a transparência, a responsabilização e a democracia participativa. O OE é o documento que contém a definição das receitas e despesas previstas para o ano seguinte, o que permite prever como e onde os recursos públicos serão aplicados. A intervenção parlamentar é crucial para assegurar que as decisões relativas à alocação daqueles recursos refletem os efetivos interesses e necessidades da população.
Intervenção Parlamentar e Democracia
A intervenção da AR no processo orçamental é um exercício de democracia e responsabilidade, pois permite aos representantes da população, e por si eleitos, debater, ajustar e validar as propostas do Governo, garantindo assim que o OE reflete uma gama alargada de interesses e necessidades sociais.
Transparência e Prestação de Contas
A promoção da transparência é um dos principais benefícios da intervenção parlamentar. O debate público gerado e as audições realizadas, designadamente com especialistas, como o Tribunal de Contas (TdC), o Conselho Económico e Social (CES) e o Conselho de Finanças Públicas (CFP), permitem um escrutínio detalhado das propostas orçamentais apresentadas. Desta forma, são reveladas as suas implicações económicas e sociais, o que é essencial em termos de prestação de contas, pois, ao fornecerem uma visão técnica e independente sobre o Orçamento, permitem assegurar que as decisões financeiras são fundamentadas, justificadas e compreendidas pelos cidadãos.
Contudo, as audições com os Ministros são geralmente as mais divulgadas pela comunicação social porque, ao permitirem que os Deputados questionem os Ministros acerca das opções políticas, das prioridades orçamentais e da gestão dos recursos públicos, representam o momento em que a Assembleia da República exerce um escrutínio político direto sobre as decisões governamentais. Como resultado, é ampliada a noção de transparência fornecida pela avaliação técnica realizada pelos especialistas.
Por último, importa assinalar que a transparência é uma das principais ferramentas de defesa contra a corrupção e a má gestão e promove a confiança pública nas instituições.
Participação Cívica
A participação cívica promovida pela discussão do OE na Assembleia da República permite aos Deputados, enquanto representantes dos cidadãos, influenciar o Orçamento, o que transforma o processo orçamental num mecanismo de participação democrática. Por sua vez, esta participação é ampliada pelas audições públicas e pelos contributos apresentados pelos diversos setores da sociedade civil, que podem expressar as suas preocupações e sugestões. O diálogo entre os cidadãos e os seus representantes é indispensável a uma democracia saudável e funcional.
A Definição do Orçamento do Estado - Desafios
De entre os desafios que o processo de definição e execução do OE coloca, destacam-se a necessidade de conciliar diferentes interesses, por vezes divergentes, a gestão das limitações financeiras e a adaptação a contextos económicos em mudança.
Conciliação de interesses divergentes
A AR é composta por Deputados de diferentes partidos, cada qual com as suas próprias ideologias, prioridades e agendas políticas, pelo que a conciliação destes interesses, no sentido de chegar a consenso sobre o OE, é um grande desafio. As negociações e a assunção de compromissos são parte integrante deste processo, exigindo habilidades de diálogo e cooperação entre os diferentes grupos parlamentares. Esta diversidade de opiniões é uma fonte de complexidade para o processo orçamental, mas também uma das suas forças.
Limitações financeiras
A gestão das limitações e restrições orçamentais de natureza financeira constituí também um enorme desafio. O OE deve equilibrar as necessidades e aspirações da população com a realidade dos recursos financeiros disponíveis. A disciplina orçamental é crucial para evitar défices excessivos e para garantir a sustentabilidade financeira do Estado a longo prazo, equilíbrio geralmente difícil de alcançar, sobretudo em contextos de crise económica ou de elevada dívida pública. Nestes momentos, embora se possa considerar que a austeridade fiscal seja necessária para correção dos desvios, todos os envolvidos no processo sabem que pode gerar significativas tensões sociais e políticas.
Contextos económicos em mutação
A economia é dinâmica e sujeita a rápidas mudanças, que podem afetar as previsões e os planos estabelecidos no OE, pelo que a Assembleia da República deve estar preparada para promover o ajustamento do Orçamento em resposta às realidades económicas que o exijam, tais como recessões, crises financeiras ou mudanças nas políticas internacionais. Esta flexibilidade é determinante para a resiliência económica de Portugal. Além disso, as incertezas globais, como as flutuações nos mercados financeiros, as crises geopolíticas e as mudanças climáticas, colocam desafios adicionais à gestão orçamental.
A Execução do Orçamento do Estado - Impactos
Depois da aprovação do OE, é fundamental que a sua execução, uma responsabilidade do Governo, seja um processo acompanhado e monitorizado pela AR, na medida em que a eficácia com que o Orçamento é implementado por parte do Executivo governamental tem um impacto direto na vida dos cidadãos e na economia do país.
Monitorização e avaliação
As comissões parlamentares têm o papel de acompanhar a implementação das políticas orçamentais, solicitando informações e esclarecimentos ao Governo quando necessário. A avaliação periódica da execução orçamental e a monitorização permanente e contínua da ação do Governo por parte da Assembleia da República, garantem que este está a seguir as diretrizes aprovadas em OE, e permitem intervenções de ajustamento rápidas, caso se identifiquem desvios ou áreas passíveis de melhoria.
Impacto socioeconómico
A forma como a execução do OE é conduzida pelo Governo tem impactos sociais e económicos profundos. As políticas de despesa pública, como investimentos em saúde, educação, infraestruturas e segurança social, são fundamentais ao bem-estar dos cidadãos e ao desenvolvimento do país. A intervenção parlamentar, de carácter regulador, visa assegurar a execução eficaz do OE, garantindo que essas políticas são implementadas de acordo com as prioridades estabelecidas. Esta intervenção parlamentar contribui assim para uma distribuição equitativa dos recursos, para a redução das desigualdades sociais, para a promoção da inclusão e para o fomento do crescimento económico sustentável.
A Intervenção Parlamentar - Casos
A importância da intervenção da AR no processo orçamental pode ser ilustrada por exemplos históricos, que demonstram como o Parlamento pode influenciar significativamente a definição e execução do OE e os seus impactos.
O Orçamento de 2014 e a austeridade
Um exemplo relevante é o do OE de 2014, durante o período de austeridade imposto pelo programa de ajustamento económico e financeiro. A Assembleia da República enfrentou o desafio de aprovar um Orçamento que incluía medidas de contenção da despesa pública e privada, bem como aumentos de impostos, num contexto de forte oposição social e política. Aqui, destacou-se a enorme dificuldade de equilibrar as exigências de sustentabilidade financeira com a necessidade de proteger os mais vulneráveis, mantendo a coesão social.
O Orçamento de 2020 e a resposta à pandemia
O OE de 2020 é outro notável exemplo. Este Orçamento teve de ser rapidamente ajustado para responder à emergência nacional e global da pandemia de COVID-19. Neste contexto, a AR aprovou várias medidas extraordinárias, incluindo apoios às empresas e aos trabalhadores, o reforço do sistema de saúde e o aumento das despesas de apoio social. Desta forma, o Parlamento demonstrou a capacidade de responder eficazmente a crises imprevistas e promover o ajustamento do Orçamento às necessidades urgentes do país.
Conclusão
A intervenção da Assembleia da República na definição e execução do Orçamento do Estado é, em si mesma, um pilar da democracia portuguesa, na medida em que se constitui como garante de que o Orçamento reflete as necessidades e prioridades partilhadas pela população, ao promover a transparência e a prestação de contas, ao enfrentar os desafios da gestão financeira pública e adaptação económica a contextos mutáveis e ao assegurar que as decisões financeiras são tomadas de forma transparente, responsável e inclusiva.
Por intermédio do debate democrático e da monitorização rigorosa, o Parlamento assegura que as políticas orçamentais contribuem para o desenvolvimento sustentável e o bem-estar dos cidadãos.
A intervenção parlamentar no OE é uma expressão concreta da soberania popular e um mecanismo essencial para a governação responsável e eficaz de Portugal. O equilíbrio entre as necessidades de gestão rigorosa e disciplinada dos recursos públicos e a proteção dos interesses e direitos dos cidadãos é a essência de uma democracia saudável e plural.
Artur Filipe Lima