As paredes das cidades cobrem-se de palavras de ordem, siglas e símbolos partidários
A Revolução de 25 de Abril de 1974, conduzida pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), pôs termo ao regime ditatorial do Estado Novo e abriu caminho para a democratização do país e para a consagração de direitos como a liberdade de expressão e a liberdade de associação.
O programa do MFA determinava, entre outras medidas, a abolição da censura e do exame prévio, a liberdade de formação de associações políticas, «possíveis embriões de futuros partidos políticos», e a eleição por sufrágio direto e universal de uma Assembleia Constituinte, no prazo máximo de um ano.
A manifestação da diversidade ideológica, em contraste com o “pensamento único” imposto pelo Estado Novo, refletiu-se no surgimento de associações e partidos de diferentes quadrantes políticos, assim como na propaganda espalhada na paisagem urbana. Os muros e as paredes dos edifícios surgiram forrados com imagens e palavras de ordem e, mais tarde, com cartazes partidários.
As paredes das cidades cobrem-se de palavras de ordem, siglas e símbolos partidários.
Conquistada a liberdade de expressão, as caricaturas políticas publicadas nas revistas e jornais portugueses mostravam essa nova realidade, com os temas dos partidos e da propaganda política a ganharem grande protagonismo.
No período de 1974-1975, o humor político está presente nos jornais nacionais, como o Diário de Lisboa, o Diário Popular, a República, o Jornal de Notícias, O Século, o Diário de Notícias, A Capital ou o Expresso, nas publicações humorísticas, como a Gaiola Aberta, o Sempre Fixe, Os Ridículos, O Coiso, o Chaimite ou o Olho Vivo, mas apresenta-se também no jornal A Bola, com João Martins a satirizar a política através de metáforas desportivas. Muitos autores se destacam neste período, como João Abel Manta, Augusto Cid, António, Sam, Carlos Barradas, Viegas, Miranda, José de Lemos, José Vilhena, Vitor Péon ou Pedro Massano, entre outros.
Nesta «hora primeira», utilizando a expressão do Presidente da Assembleia Constituinte na abertura do primeiro Parlamento eleito livremente, o sentimento era de esperança na conquista da democracia e de uma sociedade livre e justa. Este sentimento está espelhado nas caricaturas publicadas imediatamente após a Revolução.
Exemplo disso é a caricatura publicada no jornal República, em julho de 1974, que ilustra o momento de alegria e alento que o pluralismo partidário trouxe a um país que até aí o desconhecia.
A Revolução de 25 de Abril derrubou o regime de partido único e permitiu a legalização e a criação de forças políticas de todos os espectros ideológicos.
Já antes, João Abel Manta publicara a ilustração “Não deixar murchar a flor”, em que um cravo, símbolo da Revolução de 1974, é regado pelos partidos políticos do pós-25 de Abril. Mas deixa também um alerta: as forças reacionárias, identificadas com a cruz suástica, sobrevoam o cravo e têm de ser combatidas.
A mudança conduziu também a uma compreensível dificuldade na apreensão da mensagem política e dos símbolos partidários. Perplexidade justificável, considerando a elevada taxa de analfabetismo no país e os quase 50 anos de subjugação a um regime autoritário de partido único.
Várias são as caricaturas que representam o «embaraço da escolha» provocado pela explosão de forças políticas no período revolucionário e pelo aparecimento de um novo léxico com referências à esquerda, à direita, ao centro, ao comunismo, ao fascismo. As imagens exploram o contraste com a anterior realidade de partido único, mostrando «que não há fome que não dê em fartura». Mais de um ano após o 25 de Abril, uma ilustração publicada no jornal Os Ridículos continua a explorar esse tema, associando de forma aleatória as siglas e os símbolos partidários.
As diferentes ideias políticas defendidas pelos partidos, assim como os símbolos partidários, geram uma compreensível confusão.
As inscrições políticas nas paredes são amplamente satirizadas pelas caricaturas de imprensa do período pós-25 de Abril. Ideias como a de que Lisboa é uma cidade interessante para se ler, de que as crianças aprendem a ler nas ruas ou de que não vale a pena limpar os escritos porque os cartazes eleitorais vão cobri-los são transmitidas nas ilustrações humorísticas.
Os cartazes de campanha eleitoral cobrem as paredes das cidades portuguesas, contrastando com a ausência de pluralidade política do período da ditadura.
Em 1975, com a aproximação das eleições para a Constituinte, o tema da colagem dos cartazes ganhou maior destaque. A campanha eleitoral arrancou a 2 de abril com uma “guerra de cartazes”. Dezenas de milhares de militantes dos doze partidos políticos concorrentes disputavam o espaço nas paredes dos edifícios para colar cartazes. Também os panfletos de propaganda partidária cobriam as ruas. Nas caricaturas de imprensa, abundavam as referências a este tema, sobretudo com a representação de igrejas, casas e mesmo pessoas cobertas de cartazes, mas também com imagens de pessoas a debater junto às paredes onde se encontra informação política.
Partidos e propaganda política são dois temas que dominam as caricaturas do período pós-25 de Abril. Na verdade, a história deste período, desde a Revolução até à aprovação da Constituição e aos trabalhos da primeira Assembleia da República, pode ser narrada através da leitura das caricaturas publicadas na imprensa.
A exposição “PREC – Parlamento Revisto em Caricatura: o Parlamento na Caricatura de Imprensa (1974-1976)”, patente na Casa do Parlamento – Centro Interpretativo, procura contar essa história.
Grupo de trabalho dedicado à caricatura de imprensa sobre o Parlamento (Catarina Magalhães, Elisabete Silva, João Carlos Oliveira, Marina Figueiredo, Rita Martins, Teresa Fonseca e Victor Pires da Silva)