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Eleito em 1969, após a ascensão ao poder de Marcelo Caetano e a anunciada renovação política do regime do Estado Novo, Francisco Sá Carneiro integra a designada Ala Liberal da Assembleia Nacional 1.
Cerca de três anos depois, a 25 de janeiro de 1973, Sá Carneiro renuncia ao mandato de deputado. Na declaração de renúncia, recorda as condições que impôs para a candidatura a deputado: “que ela não implicava o compromisso de apoiar o governo e tinha essencialmente como fim pugnar pelas reformas políticas, sociais e económicas”, no respeito pelos direitos e liberdades fundamentais.
Sá Carneiro prossegue referindo a sistemática recusa da Assembleia Nacional em debater os projetos de lei por ele subscritos, como o último apresentado sobre a amnistia dos presos políticos. Na exposição de motivos desta iniciativa, o Deputado denuncia a ausência de liberdades públicas e do pluralismo democrático anunciado na campanha eleitoral de 1969. Considera que os “chamados crimes políticos são, na sua quase totalidade, artificiais” e que a sua repressão “é a expressão da intransigência de um poder ilimitado que não admite a livre expressão crítica ou a atuação contrária de quem dele diverge.” 2
Na apreciação do projeto de lei, a Comissão de Política e Administração Geral e Local começa por criticar a publicitação da iniciativa nos órgãos de comunicação social antes de ser dado o devido conhecimento à Comissão, conforme os termos regimentais. O parecer, aprovado por unanimidade, declara a iniciativa “como gravemente inconveniente.”
Para Sá Carneiro, a “sistemática declaração de inconveniência” dos seus projetos de lei levam-no a concluir que não pode continuar a desempenhar o cargo de deputado com dignidade, “por inexistência do mínimo de condições de atuação livre e útil”.
O anúncio desta declaração é feito na sessão de 31 de janeiro de 1973, pelo Presidente da Assembleia Nacional, Carlos Monteiro do Amaral Neto:
“É uma decisão que eu respeito tanto quanto deploro. Mas o facto de o Sr. Deputado não ter querido atender à minha diligência para que reconsiderasse sobre ela, obriga-me, nos termos regimentais, a submetê-la a VV. Exas. que, por votação em escrutínio secreto deverão decidir se a aceitam ou não.
Vou comunicar a cada um de VV. Exas. o teor da declaração de renúncia, para se poderem pronunciar com pleno conhecimento de causa, e depois de amanhã proceder-se-á à votação em escrutínio secreto sobre esta declaração de renúncia.”
Dois dias depois, o Deputado Pinto Machado questiona o Presidente da Assembleia Nacional sobre o facto de o parecer da Comissão e a declaração de Sá Carneiro não terem sido publicados no Diário das Sessões, defendendo que o país tem o direito de saber a razão da renúncia de um deputado.
O Presidente da Assembleia Nacional responde que, de acordo com o Regimento, não é obrigado a mandar publicar a declaração de renúncia ao mandato, entendendo que não se deve divulgar publicamente questões delicadas que podem envolver “graves melindres”.
Submetida à votação, a renúncia de Sá Carneiro é aprovada com 76 votos a favor e 9 contra.
Teresa Fonseca
[1] A Ala Liberal era constituída por um grupo de personalidades liberais que concorreram como independentes nas listas da Ação Nacional Popular, o partido único que sucedeu à União Nacional. José Pedro Pinto Leite, Francisco Pinto Balsemão, João Bosco Mota Amaral, João Pedro Miller Guerra, e Joaquim Magalhães Mota incluíam-se também neste grupo.
[2] Sobre Sá Carneiro e a questão dos presos políticos, ver também: https://www.parlamento.pt/Parlamento/Paginas/Regime-presos-politicos.aspx