" />
Os deputados eleitos no final de 1820 juraram[1] não apenas fazer a Constituição Política, mas também as reformas e melhoramentos que julgavam necessários. Tratando-se do primeiro Parlamento composto por deputados eleitos, foi necessário começar por organizar os trabalhos, aprovar o Regimento, deliberar sobre as comissões e respetiva composição, determinar os vencimentos e despesas devidas aos deputados e oficiais da Corte e conhecer o estado do país.
Podemos imaginar a vontade, o empenho e até a pressa de reformar o país destes deputados, eleitos na sequência da Revolução de 1820, cujos discursos são reproduzidos em quase todos os periódicos[2] e que recebem diariamente correspondência de cidadãos, felicitando-os ou apresentando propostas ou requerimentos.
O Relatório do estado público de Portugal, de Fernandes Tomás, lido na sessão do dia 5 de fevereiro de 1821, que de alguma forma marca o início dos trabalhos parlamentares, refere, no capítulo relativo ao Governo, o seguinte:
“Senhores! As leis judiciárias, as administrativas, e numa palavra todas merecem a mais circunspecta e sisuda reforma. Sendo tantas, que é impossível sabê-las, ou ao menos ter notícia delas…[3]
Não é por isso de surpreender que nessa mesma sessão, antes, portanto, da aprovação das Bases da Constituição, tenham sido apresentados diversos projetos de lei sobre estas matérias, designadamente sobre a liberdade de imprensa, a abolição dos tributos vis, a abertura de prisões (amnistia aos presos), a abolição do Tribunal de Inquisição e a limitação do poder da Polícia.
O projeto de abolição do Tribunal de Inquisição é apresentado pelo Deputado Francisco Simões Margiochi que propõe a sua extinção no Reino de Portugal, quase 300 anos depois da sua introdução, como já acontecera nos outros domínios portugueses. Em consequência da extinção, propõe que os seus arquivos sejam remetidos à Sala dos Manuscritos da Biblioteca Pública de Lisboa e que os seus empregados conservem metade dos seus ordenados.
No dia 31 de março de 1821[4], dia em que é votado e aprovado este projeto de lei, a redação do preâmbulo, que justificava a extinção devido à multiplicidade de tribunais, suscita aceso debate, tendo o Deputado Fernandes Tomás referido o seguinte:
“Não se declare antes razão nenhuma: essa é ofensiva ao decoro, e luzes do século e sentimentos desta Assembleia. Seria ridículo que no Mundo se dissesse que se tinha extinguido a Inquisição porque não se podia sustentar, extingue-se porque não deve existir num país em que há homens livres.”
O texto aprovado tem poucas alterações relativamente ao projeto de lei inicialmente apresentado, sendo que no preâmbulo se refere apenas que é extinta porque a sua existência era contrária ao sistema constitucional, remetendo-se para diploma posterior a fixação dos vencimentos[5].
[1] “Juro cumprir fielmente, em execução dos Poderes que me foram dados, as obrigações de Deputado nas Cortes Extraordinárias que vão a fazer a Constituição Politica da Monarquia Portuguesa, e as reformas e melhoramentos, que se julgarem necessários para bem e prosperidade da Nação, mantida a Religião Católica Apostólica Romana, mantido o Trono do Senhor D. João VI, Rei do Reino Unido de Portugal, Brasil, e Algarves, conservada a Dinastia da Sereníssima Casa de Bragança.”
O juramento foi preparado por uma Comissão composta pelos Deputados Manuel Fernandes Tomás, José Ferreira Borges e Francisco Soares Franco e foi unanimemente aprovado na sessão preparatória, realizada a 24 de janeiro de 1821.
[2] “O processo de formação do primeiro movimento liberal: a revolução de 1820”, Isabel Nobre Vargues, In História de Portugal, direção de José Mattoso, 5.º volume.
[3] O Relatório encerra da seguinte forma: “Quando um Governo, Senhores, trata os interesses dos povos pelo modo que tendes ouvido, e que desgraçadamente é muito verdadeiro, fazendo, ou consentindo que se façam males tão grandes, ninguém poderá deixar de confessar que ele é um Governo mau: e em tal caso seria bem admirável, que houvesse ainda quem se lembrasse de disputar à Nação o direito de escolher, ou de fazer outro melhor."
[4] Foi publicada no jornal oficial de 5 de abril de 1821.
[5] Esta questão é debatida no dia 18 de junho de 1821, defendendo o Deputado Ferreira Borges que se “conservem os ordenados, mas não com o título de inquisidores, porque esse nome deve ser riscado dos Dicionários”. Os vencimentos, mesmo depois de fixados, são mencionados em vários debates, até pela injustiça relativa que representam relativamente a outros serviços extintos apesar de compatíveis com o “estado atual das coisas”.