dez_15
"O Comércio do Porto", 17 de dezembro de 1975.
"Expresso", 27 de dezembro de 1975.
Debate sobre a Organização do Poder Político

O debate sobre a Organização do Poder Político, dominado pela questão da revisão do Pacto MFA-Partidos, nomeadamente no papel das forças armadas no texto constitucional a aprovar, decorreu nas sessões de 2, 3, 4, 5, 9 a 10 de dezembro. Nesta última reunião, foi aprovada uma proposta do PS de suspensão da votação deste título da Constituição:


“Considerando:

1. Que até agora o debate na generalidade sobre o parecer da 5.ª Comissão evidenciou a desadaptação das disposições da Plataforma de Acordo Constitucional ao curso democrático da Revolução entretanto readquirido;
2. As declarações já produzidas por alguns Conselheiros da Revolução sobre a conveniência de rever a referida Plataforma de Acordo Constitucional.

O Grupo Parlamentar do PS propõe:

1) Que o debate sobre o parecer da 5.ª Comissão seja suspenso sem votação e o texto do parecer baixe de nova à Comissão;
2) Que se encetem diligências junto do Conselho da Revolução para tomar conhecimento da sua posição oficial sobre a eventual revisão da Plataforma de Acordo Constitucional;
3) Que, no caso de o Conselho da Revolução decidir rever a Plataforma de Acordo Constitucional, se encetem imediatamente as negociações com os partidos, tomando em conta, para esse efeito, as intervenções produzidas nesta Assembleia, devendo entretanto prosseguir os trabalhos constituintes com o debate e votação dos pareceres sobre os títulos seguintes.”

A proposta é aprovada com os votos contra do PCP que, através de Vital Moreira, declara:

“Entendemos que, sem prejuízo de renegociação de aspetos da Plataforma, ela continua a conter a ideia de intervenção atuante de um movimento militar progressista, que continuamos a achar útil e imprescindível ao curso revolucionário.

Entendemos também que na discussão aqui tida é desde logo prejudicada pelo facto de um dos outros interessados, dos principais interessados, não ter participado, o MFA, para além do facto de também não terem participado outros partidos que assinaram a Plataforma e aqui não representados, e que nem por isso se pode dizer que não estejam interessados também na Plataforma.

Entendemos também que não se provou, ao contrário do que dizem os considerandos da proposta, a desadaptação no essencial da Plataforma ao curso do processo revolucionário, nem existe, que saibamos, qualquer iniciativa oficial ou oficiosa do Conselho da Revolução, órgão supremo do MFA, no sentido de promover a revisão da Plataforma.

Entendemos, finalmente, que a própria Plataforma e o próprio texto da 5.ª Comissão têm meios que permitiriam a todo o tempo renegociar os aspetos que consideramos eventualmente renegociáveis da Plataforma e, portanto, que nada prejudicaria o facto de imediatamente passarmos à votação e à discussão na generalidade do texto da 5.ª Comissão.”

Momentos antes, Sophia de Mello Breyner (PS) defendia a revisão da Plataforma e a separação do poder político e do poder militar:

“Vivemos num mundo onde a violência existe e por isso todos os povos precisam de um exército; para defender as suas fronteiras e para defender as suas leis; para que as fronteiras que um povo definiu e criou ao longo da sua existência não possam ser destruídas; para que as leis que um povo livremente escolheu não possam ser destruídas. E é por isso que um verdadeiro exército é sempre um exército para a liberdade.

Mas, exatamente porque tem uma tarefa específica, o exército tem sempre uma competência específica. Não compete ao exército fazer a política, mas sim defender a liberdade da vida política.

Mas o exército inverte a sua tarefa e destrói-se a si próprio quando de qualquer modo se transforma em órgão de soberania.

Um exército que governa ou se transforme numa nova forma de aristocracia, ou se transforma em ditadura militar ou se destrói a si próprio.

Vimos, nos meses que acabámos de viver, como a intervenção política dos militares arrasta o exército para a sua desagregação. Vimos assembleias de regimentos onde militares votaram o fuzilamento de outros militares. Vimos como a disciplina - sem a qual um exército se transforma em bando armado – se desagrega quando o poder político se confunde com o poder militar.

Não queremos regressar atrás na história. Não queremos um exército dividido em fações e assediado por todos aqueles que o procuram conquistar para a intriga do poder. E não queremos um exército que sobrepondo-se às fações se transforme numa nova ditadura.
Queremos ser regidos por leis e não queremos ser regidos por regimentos.

Queremos um exército que garanta a construção da democracia e não um exército que se autodestrói ou destrói a democracia.

Porque numa sociedade moderna o poder militar e o poder político são de natureza diferente e a confusão entre um e outro é, por sua natureza, ambígua. Daí em grande parte a instabilidade exaustiva e destrutiva que se apoderou da Revolução.

Parece-me por isso evidente que devemos meditar sobre os acontecimentos destes últimos meses. Devemos aprender a lição do erro. Sair do fascismo não foi fácil. E sob a verbosa carapaça de teorias temos vivido às apalpadelas à procura do exato contorno do real. Os perigos que o pacto traz consigo tornaram-se cada vez mais evidentes.

Por isso creio que o pacto deve ser reequacionado e reformulado. Entre a data em que o pacto foi assinado e a momento que estamos a viver passaram-se crises gravíssimas que nos devem servir de lição.”

Propostas dos partidos sobre a revisão da Plataforma.

A segunda Plataforma de Acordo Constitucional seria assinada em 26 de  fevereiro de 1976, suprimindo a Assembleia do MFA como órgão de soberania e restringindo as competências do Conselho da Revolução. Determinava ainda a eleição do Presidente da República por sufrágio direto e universal, em oposição ao previsto no primeiro acordo, em que a eleição era feita por um colégio eleitoral constituído pela Assembleia do MFA e a Assembleia Legislativa.

As últimas sessões de 1975 são dedicadas à matéria relativa aos tribunais (11, 12, 16, 17, 18 e 19 de dezembro). Em 6 de janeiro de 1976, este título da Constituição é votado na especialidade.
Mais informações em: www.parlamento.pt
ISSN 2183-5349 | Copyright © 2014 Assembleia da República. Todos os direitos reservados.