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CONSTITUINTE 40 ANOS

“A História, juiz implacável, dirá um dia se fomos ou não capazes de desempenhar cabalmente a missão que o eleitorado nos atribuiu, nessa grande e inesquecível jornada cívica que foi o 25 de Abril de 1975.”

Henrique de Barros, 2 de junho de 1975
"A Luta", 7 de janeiro de 1976.
Aspeto das bancadas e das galerias durante uma sessão da Assembleia Constituinte. Fotografia de Novo Ribeiro, IAN/TT.
Henrique de Barros discursa na sessão inaugural da Assembleia Constituinte, 2 de junho de 1975. Fotografia de Inácio Ludgero.
Em 2 junho de 1975, iniciam-se os trabalhos da Assembleia Constituinte, na sequência das eleições realizadas a 25 de abril do mesmo ano.

Dez meses depois, a 2 de abril de 1976, é aprovada a Constituição. No discurso de encerramento, Henrique de Barros, Presidente da Constituinte, resume os trabalhos realizados.

“Efetuaram-se 132 sessões plenárias, ocupando quase 500 horas, e 327 sessões das 13 comissões especiais que se constituíram, ocupando um total aproximado de 1000 horas.

Das sessões plenárias, 108 foram dedicadas ao trabalho propriamente constituinte, discutindo e votando o articulado que as comissões iam sucessivamente elaborando e propondo.

As restantes 23 sessões foram ocupadas do modo seguinte:

1 sessão solene inaugural;

2 sessões para verificação de poderes;

1 sessão para eleger a Mesa e nomear uma comissão incumbida de elaborar uma proposta de Regimento interno;

7 sessões para discussão e aprovação deste Regimento;

1 sessão para designar uma comissão incumbida de preparar uma proposta de sistematização da Constituição;

1 sessão para apresentação do "parecer" daquela comissão;

9 sessões para discussão simultânea do referido "parecer" e dos projetos de Constituição elaborados e propostos por cada um dos seis Partidos representados na Assembleia, a última das quais aprovou a proposta de sistematização e designou as comissões especiais;

1 sessão de encerramento, cuja parte final está agora a decorrer.

Das 500 horas ocupadas pelas sessões plenárias, destinaram-se 90 às 23 sessões acima ditadas, 280 à discussão e votação da Constituição e consagraram-se as restantes aos chamados "períodos antes da ordem do dia", durante os quais se procedia à leitura de uma correspondência, que foi sempre copiosa e por vezes interessante, os Deputados formulavam "requerimentos", dirigidos aos diversos departamentos ministeriais, e procediam, não raro acaloradamente, em especial quando solicitados por outros a prestar esclarecimentos, à exposição das mais variadas questões de política geral relacionadas com as conjunturas que sucessivamente iam sendo atravessadas e tantas vezes foram complexas, difíceis, confusas, emocionantes e até ameaçadoras.

Ao passo que as sessões plenárias, como determinava o Regimento, decorreram sempre à luz crua do dia, bem à vista de todos quantos as quisessem observar, com toda a desejável publicidade oral e escrita, as reuniões das comissões, cada qual formada por 11 e 12 Deputados, realizaram-se, como é normal, à porta fechada.

Foi assim assegurado ao público toda a oportunidade para ver a Assembleia a funcionar, em plenário, com as suas virtudes e os seus defeitos, os seus acertos e os seus erros, os seus êxitos e os seus insucessos, e consequentemente ficou tal público habilitado, sempre que tiver sido esse o seu desejo, a formular o seu juízo e ditar a sua sentença.

Mas não pôde, esse mesmo público, observar o trabalho demorado, tranquilo e paciente das 13 comissões que, afincadamente, durante cerca de 1000 horas, funcionaram num ambiente que se caracterizou sempre pela lealdade e a franqueza, num clima de relações humanas de mútuo respeito e recíproca cordialidade.

Foram, afinal, é necessário que se diga, as comissões especiais, e em particular a Comissão de Redação, as verdadeiras redatoras do articulado constitucional, em reuniões de trabalho que muitas vezes se prolongaram pela noite dentro. (…)”

Sessão de encerramento da Assembleia Constituinte, 2 de abril de 1976


SESSÃO INAUGURAL – 2 DE JUNHO DE 1975

“É tarefa para génios gizar uma Constituição revolucionária, tão avançada que não seja ultrapassada, tão adequada que não seja flanqueada, tão inspirada que seja redentora, tão justa que seja digna dos trabalhadores de Portugal.”
Francisco Costa Gomes

Às 16 horas e 12 minutos do dia 2 de junho de 1975, o Presidente Interino da Assembleia Constituinte, Henrique de Barros, declara aberta a sessão inaugural do primeiro Parlamento português eleito por sufrágio universal.

O Presidente da República, Francisco Costa Gomes, usa da palavra, referindo a Plataforma Constitucional MFA-Partidos como um “contributo revolucionário para a nova Constituição”.

O acordo, assinado em 11 de abril de 1975, previa a participação nos trabalhos da Constituinte do Movimento que derrubara a ditadura em 25 de Abril de 1974, assim como a sua manutenção na vida política do país por um período de três a cinco anos.

“(…) A lei fundamental de um país, quando adequada, é, certamente, a mais importante obra que se pode realizar para um povo.

Nenhuma outra é suscetível de tanta influência nos destinos de uma sociedade.

Uma Constituição que se respeite pode retrogradar ou fazer avançar decénios a marcha ascensional do povo a que se destine.

No caso específico da Constituição Portuguesa, a preparar por esta ilustre Assembleia, introduziu-se um elemento original, o acordo MFA-Partidos.

Muito se tem dito e escrito sobre a existência deste acordo prévio, o qual se tornou imprescindível, por duas razões essenciais:

Primeiro, porque ao redigir a Constituição se correria o referido risco de fazer retrogradar decénios o impulso socializante em que avança a nossa sociedade; nem as classes desfavorecidas, nem o MFA, nem os partidos interessados nesse avanço estariam dispostos a correr tal risco.

A segunda razão poderá também pesar a especialistas de direito constitucional, mas é politicamente transparente.

Queremos que a nossa revolução progrida para um socialismo pluripartidário, em simbiose fecunda entre as vias revolucionária e eleitoral.

Pois as condições pactuais são o contributo revolucionário para a nova Constituição; assim se obteve o efeito tranquilizador que permitiu que fossem às urnas muitos votantes, que, de outra forma, considerariam prematuras as eleições; assim provou o MFA e os partidos subscritores do pacto a sua capacidade de serem garantes do avanço contínuo para o socialismo original que desejam as classes mais sacrificadas do povo português.

Este acordo constitucional é, pois, um esquema de segurança e um contributo revolucionário, um fecundo padrão que marca a originalidade da revolução socialista portuguesa.

Srs. Deputados, nós e o futuro, a revolução e a história, julgaremos impiedosamente a vossa capacidade de construir a obra grandiosa e difícil de um esquema constitucional capaz de gerir o período transitório desta revolução original em marcha rápida para o socialismo.

Se a existência do acordo MFA-Partidos vos fornece uma base inicial indiscutível, a necessidade de sintonia estrutural com essa base torna mais complexo o esforço gigantesco de legislar, simultaneamente, com imaginação e senso, flexibilidade e solidez, ousadia e prudência.

É tarefa para génios gizar uma Constituição revolucionária, tão avançada que não seja ultrapassada, tão adequada que não seja flanqueada, tão inspirada que seja redentora, tão justa que seja digna dos trabalhadores de Portugal. (…)”

Henrique de Barros encerra a sessão:

“As Constituições valem na medida em que não forem efémeras em que servirem de quadro à vida política nacional durante um período de tempo relativamente longo, em que demonstrarem capacidade para suportar o embate, sempre rude, da experiência, da realidade viva.

Este é o desejo que formulo, o anseio que exprimo, nesta hora primeira, incerta como são todas as horas primeiras: o de que saibamos ser dignos de nós próprios dotando a nossa Pátria com uma Constituição que, na sua essência, consiga resistir à prova do tempo!”

Eram 16 horas e 35 minutos.

Diário da Assembleia Constituinte, n.º 1, 2 de junho de 1975


Trabalhos da Assembleia Constituinte em junho de 1975

Dia 4
Aprovação do relatório da Comissão de Verificação de Poderes confirmando o mandato dos Deputados eleitos em 25 de Abril de 1975 (3/5-6-74/24)
Dia 5
Eleição da Mesa da Assembleia Constituinte (4/6-6-75/46)
Presidente: Henrique Teixeira Queirós de Barros (PS);
Vice-Presidentes: Vasco da Gama Fernandes (PS), Francisco Pinto Balsemão (PPD) e José Tavares Magro (PCP);
Secretários: António Arnaut (PS), Carlos Coelho de Sousa (PPD) e José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP);
Vice-Secretários: Alfredo Fernando Carvalho (PS) e Sebastião Dias Marques (PPD).
Dia 23
Aprovação do Regimento da Assembleia Constituinte.

No período antes da ordem do dia da sessão de 24, a independência de Moçambique, no dia seguinte, é assinalada, através da leitura de um telegrama enviado pelo Presidente da Assembleia da República ao Presidente de Moçambique:

“Ao Presidente Samora Machel.
Como Presidente da Assembleia Constituinte, e certo de interpretar os seus sentimentos e os do Povo Português, que livremente a elegeu, saúdo por vosso intermédio o povo de Moçambique, nesta hora em que a vossa pátria se constitui em nação independente, vindo, assim, enriquecer o património cultural de toda a Humanidade.

Queremos reafirmar-vos a solidariedade sempre manifestada pelas forças antifascistas de Portugal à luta libertadora do Povo Moçambicano.

Queremos agradecer-vos a contribuição que a vossa luta representou para a própria libertação do Povo Português.

E queremos dizer-vos que nós, Portugueses, nos sentimos hoje mais livres com o acesso da grande Nação moçambicana à independência e à liberdade.

Hora histórica para Moçambique, esta data é também uma hora histórica para Portugal, porque, se concretiza, por um lado, a vitória definitiva da luta de libertação do Povo Moçambicano, marca, por outro lado, a vitória das forças democráticas de Portugal e o reencontro de Portugal consigo mesmo.

Temos a convicção profunda de que os nossos povos poderão estabelecer relações exemplares, dando uma válida contribuição à democratização das relações internacionais e à luta dos povos do Mundo contra todas as formas de exploração e discriminação, pela liberdade, pela paz e pela independência nacional.

Desejando ao Povo de Moçambique os maiores sucessos nesta nova fase da sua revolução, asseguramos que podereis sempre contar com a fraterna solidariedade do Povo Português.”

A Assembleia aplaudiu vibrantemente de pé.

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