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No âmbito das comemorações do bicentenário do constitucionalismo em Portugal apresentamos o retrato de Manuel Fernandes Tomás, da autoria de Silva Oeirense (1797-1868).
Manuel Fernandes Tomás surge retratado a meio corpo, sentado a uma mesa, a três quartos para a esquerda, olhando em frente. Na mão direita segura uma pena, com a qual escreve numa folha de papel onde se lê: “22 de Janeiro de 1818/ Memórias/ Para a Regeneração Política de Portugal”. Na mão esquerda segura um livro entreaberto, com o título Direito Natural. Na parte inferior da litografia a inscrição: MANOEL FERNANDES THOMAZ./ DESEMBARGADOR E NATURAL DA FIGUEIRA./ Da Junta Provisional do Supremo Governo do Reino/ Primeiro Membro da Associação q preparou e produzio em resultado/ o dia 24 de Agosto de 1820./ (Diário do Governo Nº 196 anno de 1821, Sessão de Cortes de 18 de Agosto de 1821.)” Consta ainda a identificação do autor: “ F. A. Silva Oeirensis ad vivum delineavit anno 1820 et Sculpsit anno 1822.”
A presente litografia integra uma coleção de retratos que Silva Oeirense considerou ser o seu contributo “para eternizar aqueles Varões Ilustres de um modo mais vantajoso, que o de qualquer historiador; pois que sendo possível a este descrever o homem moral, o não pode fazer todavia por sua descrição, quando pretende copiar-lhes as físicas feições, como as destes Regeneradores foram copiadas”.
Manuel Fernandes Tomás (Figueira da Foz, 31.07.1771 – Lisboa, 19.11.1822) é considerado “o ideólogo” da Revolução Liberal e um dos principais obreiros do constitucionalismo e do liberalismo. Bacharel em Cânones aos 20 anos, advogado e jurisconsulto, exerceu funções de síndico e procurador fiscal no município da Figueira da Foz (1792) e vereador neste município (1795-1798). Na magistratura foi juiz de fora em Arganil (1801), superintendente das Alfândegas e dos Tabacos nas comarcas de Aveiro, Coimbra e Leiria (1805), provedor da comarca de Coimbra (1809), intendente dos víveres no quartel-general de Beresford (1810) e desembargador na Comarca do Porto (cargo que exerceu a partir de 1817 apesar de nomeado em 1812). Autor de diversos estudos sobre Direito e Administração Pública, é de salientar o Repertório Geral ou Índice Alphabetico das Leis Extravagantes, publicadas depois das Ordenações, comprehendendo tambem algumas anteriores, que se achão em observancia (1815, 2 volumes).
Maçon, iniciado em loja e data desconhecidas, com o nome simbólico de Valério Publícola, integrou o quadro da loja Patriotismo, em Lisboa, onde exerceu o cargo de Venerável. Influenciado pelas ideias do Iluminismo, da Revolução Francesa e pela Enciclopédia de Diderot, Fernandes Tomás foi um dos fundadores do Sinédrio (1818) que, com sucesso, no Porto levou a efeito um pronunciamento militar, a Revolução Liberal de 24 de Agosto de 1820, dando início ao fim do absolutismo em Portugal e à instauração de uma monarquia constitucional. Integrou a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, presidida pelo brigadeiro Pinto da Fonseca, e redigiu o Manifesto aos Portugueses, um documento de divulgação dos objetivos do movimento – a convocação de Cortes e a aprovação de uma Constituição. Já em Lisboa, integrou a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino.
Eleito deputado pela Beira, destacou-se como um dos mais importantes e ativos tribunos nas Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, com especial relevo para a elaboração das Bases da Constituição da Monarquia Portuguesa, texto sobre o qual D. João VI jurou, e para o articulado da Constituição Política da Monarquia Portuguesa. Vice-presidente durante a presidência de Frei Vicente da Soledade, a 26 de fevereiro de 1821 é eleito presidente das Cortes Constituintes, cargo que exerceu até 26 de março do mesmo ano.
Da sua intensa atividade parlamentar, destaca-se a apresentação do Relatório acerca do Estado Público de Portugal (Sessão de 5 de fevereiro de 1821) e a participação no debate do projeto para a abolição da Inquisição: “Não se declare antes razão nenhuma: essa é ofensiva ao decoro e luzes do Século e sentimentos desta Assembleia. Seria ridículo que no Mundo se dissesse que se tinha extinguido a Inquisição porque não se podia sustentar, extingue-se porque não deve existir num País em que há homens livres.” (Sessão de 31 de março de 1821).
Faleceu em Lisboa, a 19 de novembro de 1822, duas semanas após a aprovação do texto constitucional. Os seus restos mortais repousam sob o monumento erigido em sua homenagem na cidade da Figueira da Foz. Almeida Garrett, na oração fúnebre dedicada ao “Patriarca da Regeneração”, afirmou: “… E quem choramos nós: quem lamentam os Portugueses? um Cidadão extremado, um homem único; um benemérito da pátria; um libertador de um povo escravo: Manuel Fernandes Tomás. Que nome, Senhores, que nome nos fastos da liberdade! Que pregão às idades futuras! Que brado às gerações que hão de vir! Este nome será só por si a história de muitos séculos; este nome encerra em compêndio milhões de males arredados de um grande povo: bem incontáveis acarretados sobre ele.”
No centenário da Constituição, Veloso Salgado executou um óleo sobre tela, para a luneta da Sala das Sessões, na qual recriou uma sessão das Cortes Constituintes, dando especial destaque a Manuel Fernandes Tomás que, considerando as suas qualidades, surge em primeiro plano no papel de orador.