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"NOVO VOCABULÁRIO FILOSÓFICO-DEMOCRÁTICO" (1831-1832)


Novo vocabulário filosófico-democrático para todos os que desejam entender a nova linguagem democrática : escripto em italiano e traduzido em portuguez. Lisboa : na Impressão Régia, 1831-1832. 2 tomos. Cota: 5/1831(1).

Editou-se em 13 fascículos, entre 1831 e 1832, totalizando dois tomos de 146 + 182 páginas. Com as guerras liberais no seu auge, opondo os constitucionalistas apoiantes de D. Pedro aos absolutistas apoiantes de D. Miguel, proliferavam em Portugal folhetos, panfletos, pasquins e obras de maior fôlego defendendo as ideias de uma e outra parte, marcadas por uma acentuada violência verbal.

Este Novo vocabulário deve ser considerado no grupo das publicações periódicas miguelistas, escrito “a favor da Sagrada Causa do Altar, e do Trono”, contra as ideias “revolucionárias maçonizantes”, na senda dos trabalhos da autoria do padre José Agostinho de Macedo (1761-1831), então recentemente falecido. Em subtítulo, afirma-se ter sido “escrito em italiano e traduzido em português”, tratando-se, de acordo com o prólogo, de obra impressa anonimamente, em Veneza, no ano 1799, mais tarde atribuída a Lorenzo Ignacio Thiulen (1746-1833), jesuíta sueco. Circulando já em edições em castelhano (Sevilha, em 1813; Zaragoza, Madrid e Valladolid, em 1823; Barcelona, sem data), o próprio Macedo terá expressado o seu apreço por este vocabulário, considerando-o “digno que ande nas mãos de todos os Portugueses; uns para que não se enganem, e outros para que se desenganem”. Na verdade, o trabalho de tradução (também ele mantido anónimo) resultou numa totalmente nova versão, ou adaptação, já que se, como afirma o tradutor, “seguimos em tudo a mesma forma do Autor; julgámos contudo conveniente juntar algumas Notas, as quais têm por fim, ou explanar mais a matéria, ou fazer algumas aplicações, do que o Autor diz da sua Itália, aos factos, que em o nosso Portugal se praticaram pela virtude dos mesmos Filósofos, que são os mesmos em toda a parte, e sempre falando a mesma já surrada linguagem”. Estas notas representam parte considerável da obra, e surgem como particularmente relevantes para a revisitação deste nosso período histórico.

De entre os vocábulos analisados, o autor distingue “Vocábulos novos” (num total de 10 termos, como “Pacto social – Termo jamais ouvido antes de Rousseau”, “Setembrizar – Um dos primeiros enfeites, e adornos da língua republicana. É de origem francesa, e significa matar inocentes, porém de um modo que horrorize até aos tigres”, “Organizar – Significa roubar por princípios, e dispor uma Nação para que seja saqueada com método”, “Jacobino – Vocábulo enérgico, que significa o mais esquisito dos termos, ateu, ladrão, libertino, traidor, cruel, rebelde, regicida, opressor, e revolucionário endiabrado” ou “Sans-culottes – É o mesmo que sem calções”. Nasceram com a Revolução, e de repente se viram ditos e feitos os mais excelentes patriotas, os mais insignes assassinos, e os mais famosos ladrões, incendiários, espiões e caluniadores. É coisa decidida entre eles, que todos devem habitar magníficos palácios, andar em coches, e mandar todos os outros com império, e autoridade”) e “Vocábulos que mudaram de sentido, de significação, de ideia” (num total de 114 termos, como “Liberdade”, “Igualdade”, “Felicidade”, “Democracia”, “Povo”, “Pátria” ou “Cidadão”), advertindo que “a língua republicana democrática está dividida em diferentes dialetos, a saber: o democrático moderado, o terrorístico, o jacobino, o semi-democrático, o libertino puro, o gonsístico, e quiçá muitos outros; por isso um só vocábulo tem muitas vezes diversas significações”.

As definições, não desprovidas de algum humor e uma boa dose de ironia, são por vezes complementadas com o que o autor designa “documentos autênticos”, que ajudam a precisar o significado dos termos, juntamente com proclamações populares em versão democrática e em língua vulgar, cartas entre democratas e monárquicos, ou mesmo pequenas novelas. A abordagem humorística, que enfatiza a violência da crítica, acontece também quando o autor ensaia a análise etimológica de alguns termos. Vejamos o exemplo de “Democracia”: “Tem-se tentado dar a versão em idioma antigo com o nome etimológico de pirataria; porém não o explica perfeitamente, porque também se pode dizer ateístocracia, e ladrocracia. Convertidos num estes três Vocábulos, formam o verdadeiro equivalente da democracia moderna. De sorte que em lugar de Democracia deveria dizer-se demoniocracia, ou antes governo de demónios.”

Ao longo da obra, os vocábulos não são apresentados na esperada ordenação alfabética, pelo que um índice no final do volume facilita a consulta.

O exemplar presente na coleção da Biblioteca Passos Manuel, adquirido como parte integrante da Biblioteca do Barão de S. Clemente, está disponível em cópia digital.

 

A Biblioteca Passos Manuel tem vindo a digitalizar títulos que se encontram em domínio público, quer provenientes da coleção da Biblioteca das Cortes, quer pertencentes a espólios à sua guarda. Os exemplares digitalizados ficam disponíveis em acesso público, universal e gratuito a partir do catálogo bibliográfico, do Registo Nacional de Objetos Digitais e da Europeana. Nesta secção destacam-se alguns desses títulos.