Quando se assiste a uma sessão plenária, além dos Deputados e Membros do Governo, vê-se uma mesa pequena, no centro da Sala, com duas pessoas que estão geralmente a escrever e vão sendo substituídas com regularidade.
Porque existem algumas dúvidas em relação a quem somos e o que fazemos, achámos interessante contribuir para esse esclarecimento. Para isso, usámos as perguntas que mais vezes ouvimos e as respostas que vamos repetindo para desmistificar/esclarecer/divulgar o nosso trabalho.
Comecemos…
- Somos funcionários parlamentares e fazemos parte da equipa responsável pela produção da I Série do Diário da Assembleia da República, que corresponde ao relato do que ocorre nas sessões plenárias.
- Na Sala estão sempre um redator e um revisor, sentados de frente para os Deputados.
Então, enquanto estão na Sala, transcrevem tudo o que está a ser dito? São taquígrafos? Estenógrafos?
- Não! As sessões plenárias são gravadas por um sistema que automaticamente faz a segmentação em períodos de 15 minutos, exatamente o tempo de debate que cabe a cada redator transcrever. É um trabalho complexo: cada 15 minutos de gravação resultam, em média, em 3 a 5 horas de trabalho, dependendo do que tiver ocorrido nesse período.
- Na Sala, temos como missão tomar nota de todos os apartes, aplausos, protestos, incidentes que ocorram e dos nomes dos oradores (o que exige um bom exercício de memória visual e auditiva!).
- Quando as reuniões são longas, como nos debates do Orçamento do Estado, o redator, de acordo com a escala de serviço, pode voltar ao Plenário as vezes que forem necessárias: 2, 3, 4… (Fazem-se autênticas maratonas!)
- Depois de sair da Sala, começa a verdadeira aventura: o redator dá início ao processo de transcrição. Enquanto durar a sessão, a equipa da I Série está a trabalhar para que a primeira versão do Diário, ainda sem revisão final, esteja disponível o mais rapidamente possível.
Mas transcrever o que foi dito é fácil, não é? E não pode ser feito por um sistema automático de conversão de voz em texto?
- Definitivamente, não! O registo oral e o registo escrito têm características muito diferentes. Claro que ninguém fala com vírgulas e pontos finais e raramente se consegue falar sem hesitar ou reformular qualquer coisa… Por outro lado, um texto escrito, para ser inteligível, deve ser devidamente estruturado e obedecer a regras gramaticais.
- Um sistema automático não é capaz de filtrar estas diferenças nem de identificar jogos de palavras, ambiguidades semânticas, multiplicidades de sentidos (em que o discurso político é muito rico!), pelo que a intervenção humana é indispensável.
- No nosso trabalho, respeitamos sempre, em primeiro lugar, o conteúdo do que é dito por cada orador, nunca deixando de corrigir problemas de natureza gramatical e de eliminar marcas próprias da oralidade, nomeadamente hesitações, bengalas linguísticas, repetições não intencionais, etc.
E o que fazem quando não se percebe o que o orador diz?
- Boa pergunta! Nesse caso, pedimos a um colega para ouvir e tentamos decifrar em conjunto o que o orador disse (trabalho de equipa é fundamental!). Se, mesmo assim, não conseguirmos, procuramos esclarecimentos junto do Deputado em causa, o que não acontece muitas vezes.
Então, reformulam o que é dito pelos Deputados?
- Não! Tornamos as intervenções dos Deputados em textos mais organizados linguisticamente, facilitando a sua leitura, com o mínimo de intervenção possível e procurando sempre ser fiéis ao que se passou. (É um equilíbrio difícil de alcançar!)
- O que podemos fazer está condicionado, obviamente, pelo facto de o texto não ser de quem o transcreve. Quem transcreve é, digamos assim, o intermediário entre a palavra dita e a palavra escrita e as mudanças que podem ser feitas são poucas, uma vez que o nosso foco está na manutenção do que o orador disse no momento da sua intervenção.
- A pontuação é a nossa melhor amiga, mas (cuidado!) pode ser a mais traiçoeira: uma frase mal pontuada pode desvirtuar o sentido daquilo que foi dito pelo orador.
- Ah, e também confirmamos as citações, desdobramos siglas, completamos informação relativa a iniciativas legislativas, adicionamos figuras regimentais que justificam intervenções, procurando dar coerência ao produto final…
Afinal, é muito mais complexo do que parece. E são todos especialistas em língua portuguesa?
- Não. A nossa formação de base é variada e vai desde a Linguística à Engenharia, passando pela Psicologia e pelo Direito, por exemplo.
- Claro que o conhecimento das regras da língua é muito importante para fazer bem este trabalho, mas não é tudo. Saber o que se passa no mundo, estar bem informado, perceber o que está na ordem do dia e procurar aprofundar conhecimentos nas mais diversas áreas é fundamental.
- Não é possível transcrever um discurso sendo fiel e rigoroso sem ter um conhecimento mínimo da matéria discutida. Por isso, passamos algum tempo a pesquisar e a aprender a gíria usada para que a transcrição seja produto de um trabalho consciente e informado.
- A verdade é que podemos ocupar-nos de uma intervenção sobre questões de finanças, num momento, e, no seguinte, já podemos estar a trabalhar sobre procriação medicamente assistida ou sobre a necessidade de controlar o uso de plásticos no dia a dia.
Existe um editor?
- Neste momento, não, mas é um objetivo da Divisão.
- A produção do Diário passa por vários níveis de revisão/edição. A primeira é feita pelo redator logo quando procede à transcrição. Depois, o texto passa para as mãos do revisor/coordenador.
- Cada revisor/coordenador está na Sala das Sessões durante mais tempo e é o responsável pela produção do sumário, que fica disponível assim que termina a sessão, e pela compilação dos textos produzidos pelos redatores que o acompanharam na sessão (1 hora = 4 redatores!).
- Com este nível de revisão, pretende-se alcançar uma homogeneidade e coerência que só com a visão do todo se consegue. No final, a equipa do secretariado compila todas as partes revistas e apronta o Diário para ser publicado. Antes, porém, ainda se faz uma revisão do sumário para garantir que nada falha.
Os oradores podem fazer a revisão das suas intervenções?
- Cada orador pode pedir para rever a sua intervenção, mas não lhe é permitido alterar o conteúdo. A revisão será estilística e não mais do que isso e deve respeitar o prazo máximo de 48 horas.
Resumindo, quais são as características para ser um bom redator?
- Ter bons conhecimentos de língua portuguesa
- Estar atento à atualidade política, económica e social, de âmbito nacional e internacional
- Ter olho (e ouvido) para o detalhe
- Valorizar o trabalho em equipa
- Ser resistente
Atualmente, devido à situação epidemiológica, apenas um revisor está presente na Sala das Sessões.