Quem são os peticionários de hoje? E que apreciação fazem do exercício deste direito?
O Direito de petição é um dos mais antigos direitos de participação política, cujo surgimento em Portugal remonta à Revolução Liberal, em 1820. Mas a verdade é que pouco se sabe sobre os “sujeitos” deste direito. Quem são os peticionários de hoje? Qual a sua satisfação com o processo de apreciação das petições pelo Parlamento? E que apreciação fazem do exercício deste direito?
A vetustez do direito de petição como expressão de cidadania ativa
Falar de direitos de participação política é falar no poder que os indivíduos têm de participar ativamente nos processos decisórios do Estado. Assim, o direito de petição pode ser visto como o «direito fundamental comunicativo do povo plural relativamente aos seus representantes eleitos1».
«O direito de petição é um instituto muito antigo, mas também é um instrumento democrático muito moderno. Parecerá um paradoxo, mas não é, porque a primeira vez que há uma referência, que se conheça, ao direito de petição, foi no século XIII na Magna Carta e depois mais tarde, no século XVII, concretamente na “Petition of Right” onde aparece uma definição muito clara do direito de petição; no nosso direito constitucional, na nossa primeira Constituição, de 1822, essa referência também aparece claramente»2, 3.
No entanto, e conforme veremos, apesar de ser já um instrumento antigo de participação política, o tempo não parece diminuir a sua pertinência ou utilização na medida em que o número de petições apresentadas tem registado um aumento ao longo das várias legislaturas e, em particular, na última década.
O retorno expectável do exercício do direito de petição
Talvez por ser um direito de fácil exercício o seu efeito prático é, tendencialmente, mais modesto na medida em que o único efeito verdadeiramente garantido é o direito a um procedimento legal, com a aplicação dos efeitos decorrentes da Lei do Exercício do Direito de Petição (LEDP), que variam consoante o número de assinaturas.
Para além do procedimento, é ainda possível obter uma consequência que, embora dependa dos Deputados quanto à sua iniciativa, pode também implicar, quanto à sua execução, a intervenção de outras entidades.
Os possíveis efeitos do direito de petição podem ser apresentados, resumidamente, do seguinte modo:
Efeitos Garantidos
Efeitos Eventuais
As petições da XV Legislatura e os seus peticionários
A partir de 20184 passou a ser possível submeter petições através do site do Parlamento. No entanto, só a partir de julho de 2020 passou a ser feita uma avaliação da satisfação dos peticionários acerca do procedimento de apreciação das petições, através de um questionário5.
Após 34 anos da entrada em vigor da LEDP, e 6 anos volvidos da implementação da plataforma das petições no Parlamento, foi elaborado um relatório com base nos resultados dos questionários remetidos aos peticionários na XV Legislatura. Assim, pela primeira vez, a Assembleia da República (AR) tem os dados necessários para perceber quem têm sido os “utilizadores” do direito de petição e qual a sua satisfação com o tratamento e com os resultados do processo de apreciação das petições.
De acordo com os dados recolhidos, foi possível obter as conclusões que se seguem:
- Na XV Legislatura (29/03/2022 a 25/03/2024) deram entrada na AR 300 petições, a maior parte das quais com menos de 100 subscritores. A estas somaram-se 74 petições transitadas da legislatura anterior6, o que significa que, durante este período foram submetidas em média 12,35 petições por mês, ao Parlamento. Este valor é o segundo mais alto desde 1976, apenas ultrapassado pelo valor da XIII Legislatura (2015-2019), em que se registou uma média de 13,64 petições por mês. Este é o facto que comprova que, apesar da sua notável idade, o direito de petição permanece, aos dias de hoje, mais atual do que alguma vez foi;
- Durante a 1.ª Sessão Legislativa (SL) da XV Legislatura, ou seja, entre 29/03/2022 e 14/09/2023, foram recolhidas 817 070 assinaturas, das quais 38 722, apenas cerca de 5%, foram recolhidas através da plataforma de submissão de petições do Parlamento;
- Quanto ao tempo de tramitação das petições, isto é, desde o momento da data de entrada na AR até ficarem concluídas, embora na 1.ª SL a média tenha sido de 102 dias, na 2.ª SL, entre 15/09/2023 e 23/03/2024, essa média baixou para 50 dias7,;
- Das petições tramitadas, 270 ficaram concluídas nessa legislatura (correspondente a 73%)8, tendo sido enviado um formulário de satisfação aos primeiros peticionários de cada uma dessas petições, que teve uma taxa de resposta de 53%.
- Quem são os peticionários de hoje?
O perfil da maior parte dos peticionários é o seguinte:
- Qual a real satisfação dos peticionários com o processo de apreciação das petições?
Quanto às expectativas iniciais, os peticionários consideravam que a sua petição teria um tratamento justo, sendo as suas preocupações ouvidas pelo Parlamento, com acolhimento da pretensão. Deste facto é possível concluir que os peticionários, ao exercerem o seu direito, fazem-no convictos de que há sempre um efeito eventual, com o acolhimento da pretensão demostrada. Assinale-se que, pese embora os peticionários anseiem um acolhimento pleno da sua pretensão, o direito a expor uma situação e a apresentar uma pretensão (essência do direito de petição) não pode ser confundido com o direito à resolução ou acolhimento da pretensão. Este será, possivelmente, o ponto mais sensível deste direito que, se for mal compreendido, poderá causar frustração a quem o exerce.
Relativamente ao processo de apreciação da petição, a maioria dos peticionários:
«Apesar de a lei determinar que o não cumprimento da obrigação de resposta por parte de titulares de cargos públicos constitui crime de desobediência, as comissões não têm vindo a propor que seja dada notícia dos factos ao procurador-geral da República, para ser promovido o procedimento criminal respetivo. Importa realçar que este é um poder das comissões (e não dos peticionários) no âmbito do exame e instrução da petição»10. Deste modo, importará continuar a sensibilizar todos os envolvidos para a necessidade de responsabilização e de cooperação nesta área.
- E os resultados da apreciação das petições vão ao encontro do pretendido?
A maioria dos peticionários (79%) considerou que este instrumento de participação política aproxima os cidadãos do Parlamento, dando-lhes uma voz mais forte (76%), embora, no fim do processo, nem sempre a petição tenha cumprido o seu objetivo inicial (a satisfação da pretensão não é garantida no exercício deste direito, recorde-se).
O Parlamento ao analisar, pela primeira vez e de forma sistematizada, os resultados obtidos na sequência da implementação dos questionários aos peticionários deu o primeiro passo para perceber, por um lado, quem são os “sujeitos” do direito de petição e, por outro, o que pode ser aperfeiçoado neste processo.
De todo o modo, podemos concluir que o carácter cada vez mais regular do exercício do direito de petição – que tem uma estreita ligação aos direitos e garantias dos cidadãos – e a diversidade de matérias sobre as quais as petições versam continuam a traduzir, de forma segura, a importância que estas têm como elo entre os cidadãos e o Parlamento.
Rita Nobre
Referências bibliográficas:
[1] Gomes Canotilho no discurso de abertura do Colóquio Parlamentar, de 1995, sobre o direito de petição, cfr. O Direito de Petição: Colóquio Parlamentar, Comissão de Petições, Assembleia da República, 1995, p. 17.
[2] Cfr. Luís Pais de Sousa, Vice-Presidente da Assembleia da República, in O Direito de Petição (Idem), 1995, p. 11.
[3] Em Portugal, o artigo 14.º das Bases da Constituição de 1822, aprovadas a 9 de março de 1821, dispunha que «todo o cidadão poderá apresentar por escrito às Cortes e ao Poder Executivo reclamações, queixas, ou petições, que deverão ser examinadas». Atualmente, o direito de petição encontra-se consagrado no artigo 52.º da Constituição da República Portuguesa.
[4] Na sequência das conclusões do Grupo de Trabalho para o Parlamento Digital (2016-2018).
[5] Embora, inicialmente, o envio dos questionários fosse feito por via postal, a partir de novembro de 2021 os questionários passaram a ser enviados, exclusivamente, via online.
[6] Contrariamente ao que sucede com as iniciativas legislativas (artigo 121.º do Regimento da AR), as petições não caducam com o termo de legislaturas, transitando entre elas quando o seu processo de apreciação se encontra pendente, independentemente da fase em que a petição se encontre.
[7] Nesta contabilização, não foram descontados os períodos de suspensão do funcionamento da Assembleia da República nem aqueles em que não foram convocadas reuniões plenárias por período superior a uma semana.
[8] Foram concluídas 201 petições da XV e 69 petições da XIV Legislatura (as quais tinham transitado para a XV Legislatura).
[9] A respeito do local de residência dos primeiros peticionários, Lisboa foi o distrito de residência com maior incidência (58 pessoas), seguido por Setúbal (17 pessoas) e Porto (14 pessoas). Inversamente, os distritos que apresentaram menos petições foram os de Bragança, Évora, Faro, Guarda e Viana do Castelo, com apenas 1 petição. Nenhum dos peticionários disse residir em Vila Real ou Portalegre.
[10] FERNANDES, Teresa; TIBÚRCIO, Tiago, “Raio-X da participação dos cidadãos no Parlamento”, in Como funciona o Parlamento, Assembleia da República - Divisão de Edições, 2019, p.319.