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As petições e os peticionários de hoje


Quem são os peticionários de hoje? E que apreciação fazem do exercício deste direito?

imagem de uma fila de pessoas na entrada principal do pálácio de São bento no 25 de abril de 2024

O Direito de petição é um dos mais antigos direitos de participação política, cujo surgimento em Portugal remonta à Revolução Liberal, em 1820. Mas a verdade é que pouco se sabe sobre os “sujeitos” deste direito. Quem são os peticionários de hoje? Qual a sua satisfação com o processo de apreciação das petições pelo Parlamento? E que apreciação fazem do exercício deste direito?

A vetustez do direito de petição como expressão de cidadania ativa

Falar de direitos de participação política é falar no poder que os indivíduos têm de participar ativamente nos processos decisórios do Estado. Assim, o direito de petição pode ser visto como o «direito fundamental comunicativo do povo plural relativamente aos seus representantes eleitos1».

«O direito de petição é um instituto muito antigo, mas também é um instrumento democrático muito moderno. Parecerá um paradoxo, mas não é, porque a primeira vez que há uma referência, que se conheça, ao direito de petição, foi no século XIII na Magna Carta e depois mais tarde, no século XVII, concretamente na “Petition of Right” onde aparece uma definição muito clara do direito de petição; no nosso direito constitucional, na nossa primeira Constituição, de 1822, essa referência também aparece claramente»2, 3.

No entanto, e conforme veremos, apesar de ser já um instrumento antigo de participação política, o tempo não parece diminuir a sua pertinência ou utilização na medida em que o número de petições apresentadas tem registado um aumento ao longo das várias legislaturas e, em particular, na última década. 



imagem de uma fila de pessoas na entrada principal do pálácio de São bento no 25 de abril de 2024

O retorno expectável do exercício do direito de petição

Talvez por ser um direito de fácil exercício o seu efeito prático é, tendencialmente, mais modesto na medida em que o único efeito verdadeiramente garantido é o direito a um procedimento legal, com a aplicação dos efeitos decorrentes da Lei do Exercício do Direito de Petição (LEDP), que variam consoante o número de assinaturas. 

Para além do procedimento, é ainda possível obter uma consequência que, embora dependa dos Deputados quanto à sua iniciativa, pode também implicar, quanto à sua execução, a intervenção de outras entidades. 

Os possíveis efeitos do direito de petição podem ser apresentados, resumidamente, do seguinte modo:

Efeitos Garantidos

  • Disponibilização da tramitação processual da petição no site da AR, bem como de toda a documentação relevante produzida
  • Publicação da petição no Diário da Assembleia da República (petições com mais de 1000 assinaturas);
  • Elaboração de uma nota de admissibilidade e de um relatório sobre a petição (petições com mais de 100 assinaturas);
  • Audição dos peticionários perante a comissão parlamentar (é obrigatória para petições com mais de 1000 assinaturas);
  • Debate da petição em comissão (petições com mais de 2500 e até 7500 assinaturas) ou em Plenário (petições com mais de 7500 assinaturas).


Efeitos Eventuais

  • Interpelação ao Governo (ou outras entidades) para que tome posição sobre a petição;
  •  Apresentação de iniciativas (legislativas ou de controlo do Executivo) relacionadas com o tema apresentado;
  •  Informação sobre meios alternativos de resolução da pretensão;
  •  Outras diligências conciliadoras, através das quais a Comissão convidará a entidade em causa a corrigir a situação ou reparar os efeitos que deram origem à petição.


As petições da XV Legislatura e os seus peticionários

A partir de 20184 passou a ser possível submeter petições através do site do Parlamento. No entanto, só a partir de julho de 2020 passou a ser feita uma avaliação da satisfação dos peticionários acerca do procedimento de apreciação das petições, através de um questionário5

Após 34 anos da entrada em vigor da LEDP, e 6 anos volvidos da implementação da plataforma das petições no Parlamento, foi elaborado um relatório com base nos resultados dos questionários remetidos aos peticionários na XV Legislatura. Assim, pela primeira vez, a Assembleia da República (AR) tem os dados necessários para perceber quem têm sido os “utilizadores” do direito de petição e qual a sua satisfação com o tratamento e com os resultados do processo de apreciação das petições.

De acordo com os dados recolhidos, foi possível obter as conclusões que se seguem:

- Na XV Legislatura (29/03/2022 a 25/03/2024) deram entrada na AR 300 petições, a maior parte das quais com menos de 100 subscritores. A estas somaram-se 74 petições transitadas da legislatura anterior6, o que significa que, durante este período foram submetidas em média 12,35 petições por mês, ao Parlamento. Este valor é o segundo mais alto desde 1976, apenas ultrapassado pelo valor da XIII Legislatura (2015-2019), em que se registou uma média de 13,64 petições por mês. Este é o facto que comprova que, apesar da sua notável idade, o direito de petição permanece, aos dias de hoje, mais atual do que alguma vez foi;

- Durante a 1.ª Sessão Legislativa (SL) da XV Legislatura, ou seja, entre 29/03/2022 e 14/09/2023, foram recolhidas 817 070 assinaturas, das quais 38 722, apenas cerca de 5%, foram recolhidas através da plataforma de submissão de petições do Parlamento;

- Quanto ao tempo de tramitação das petições, isto é, desde o momento da data de entrada na AR até ficarem concluídas, embora na 1.ª SL a média tenha sido de 102 dias, na 2.ª SL, entre 15/09/2023 e 23/03/2024, essa média baixou para 50 dias7,;

- Das petições tramitadas, 270 ficaram concluídas nessa legislatura (correspondente a 73%)8, tendo sido enviado um formulário de satisfação aos primeiros peticionários de cada uma dessas petições, que teve uma taxa de resposta de 53%. 

- Quem são os peticionários de hoje?

O perfil da maior parte dos peticionários é o seguinte:

- Qual a real satisfação dos peticionários com o processo de apreciação das petições?

Quanto às expectativas iniciais, os peticionários consideravam que a sua petição teria um tratamento justo, sendo as suas preocupações ouvidas pelo Parlamento, com acolhimento da pretensão. Deste facto é possível concluir que os peticionários, ao exercerem o seu direito, fazem-no convictos de que há sempre um efeito eventual, com o acolhimento da pretensão demostrada. Assinale-se que, pese embora os peticionários anseiem um acolhimento pleno da sua pretensão, o direito a expor uma situação e a apresentar uma pretensão (essência do direito de petição) não pode ser confundido com o direito à resolução ou acolhimento da pretensão. Este será, possivelmente, o ponto mais sensível deste direito que, se for mal compreendido, poderá causar frustração a quem o exerce.

Relativamente ao processo de apreciação da petição, a maioria dos peticionários:

gráfico com resultados da pergunta 'está satisfeito com o resultado da petição?'

«Apesar de a lei determinar que o não cumprimento da obrigação de resposta por parte de titulares de cargos públicos constitui crime de desobediência, as comissões não têm vindo a propor que seja dada notícia dos factos ao procurador-geral da República, para ser promovido o procedimento criminal respetivo. Importa realçar que este é um poder das comissões (e não dos peticionários) no âmbito do exame e instrução da petição»10. Deste modo, importará continuar a sensibilizar todos os envolvidos para a necessidade de responsabilização e de cooperação nesta área. 

- E os resultados da apreciação das petições vão ao encontro do pretendido?

A maioria dos peticionários (79%) considerou que este instrumento de participação política aproxima os cidadãos do Parlamento, dando-lhes uma voz mais forte (76%), embora, no fim do processo, nem sempre a petição tenha cumprido o seu objetivo inicial (a satisfação da pretensão não é garantida no exercício deste direito, recorde-se).

a petição foi devidamente considerada' e 'cumpriu o objetivo?'

O Parlamento ao analisar, pela primeira vez e de forma sistematizada, os resultados obtidos na sequência da implementação dos questionários aos peticionários deu o primeiro passo para perceber, por um lado, quem são os “sujeitos” do direito de petição e, por outro, o que pode ser aperfeiçoado neste processo.

De todo o modo, podemos concluir que o carácter cada vez mais regular do exercício do direito de petição – que tem uma estreita ligação aos direitos e garantias dos cidadãos – e a diversidade de matérias sobre as quais as petições versam continuam a traduzir, de forma segura, a importância que estas têm como elo entre os cidadãos e o Parlamento.



Rita Nobre

Referências bibliográficas:


[1] Gomes Canotilho no discurso de abertura do Colóquio Parlamentar, de 1995, sobre o direito de petição, cfr. O Direito de Petição: Colóquio Parlamentar, Comissão de Petições, Assembleia da República, 1995, p. 17.

[2] Cfr. Luís Pais de Sousa, Vice-Presidente da Assembleia da República, in O Direito de Petição (Idem), 1995, p. 11.

[3] Em Portugal, o artigo 14.º das Bases da Constituição de 1822, aprovadas a 9 de março de 1821, dispunha que «todo o cidadão poderá apresentar por escrito às Cortes e ao Poder Executivo reclamações, queixas, ou petições, que deverão ser examinadas». Atualmente, o direito de petição encontra-se consagrado no artigo 52.º da Constituição da República Portuguesa.

[4] Na sequência das conclusões do Grupo de Trabalho para o Parlamento Digital (2016-2018).

[5] Embora, inicialmente, o envio dos questionários fosse feito por via postal, a partir de novembro de 2021 os questionários passaram a ser enviados, exclusivamente, via online.

[6] Contrariamente  ao que sucede com as iniciativas legislativas (artigo 121.º do Regimento da AR), as petições não caducam com o termo de legislaturas, transitando entre elas quando o seu processo de  apreciação se encontra pendente, independentemente da fase em que a petição se encontre.

[7] Nesta contabilização, não foram descontados os períodos de suspensão do funcionamento da Assembleia da República nem aqueles em que não foram convocadas reuniões plenárias por período superior a uma semana.

[8] Foram concluídas 201 petições da XV e 69 petições da XIV Legislatura (as quais tinham transitado para a XV Legislatura).

[9] A respeito do local de residência dos primeiros peticionários, Lisboa foi o distrito de residência com maior incidência (58 pessoas), seguido por Setúbal (17 pessoas) e Porto (14 pessoas). Inversamente, os distritos que apresentaram menos petições foram os de Bragança, Évora, Faro, Guarda e Viana do Castelo, com apenas 1 petição. Nenhum dos peticionários disse residir em Vila Real ou Portalegre.

[10] FERNANDES, Teresa; TIBÚRCIO, Tiago, “Raio-X da participação dos cidadãos no Parlamento”, in Como funciona o Parlamento, Assembleia da República - Divisão de Edições, 2019, p.319.