Durante os períodos da Monarquia Constitucional, 1.ª República e Estado Novo, assistir às reuniões plenárias nas galerias era praticamente a única forma de acompanhar os debates parlamentares e conhecer os representantes eleitos.
No caso das mulheres, só o papel de espetadoras lhes era permitido e as galerias eram o único local do Parlamento onde podiam ser admitidas, havendo mesmo uma galeria reservada para esse efeito. O Projeto de regimento das cortes portuguesas, apresentado em 1820, estabelecia mesmo que «não se admitirão mulheres na Sala das Sessões». De facto, levaria quase um século (1916) para que mulheres pudessem entrar nesta Sala, mas apenas para a limpar, porque só então foram contratadas como assalariadas de limpeza, e 115 anos para que finalmente três mulheres entrassem na Sala das Sessões como Deputadas.
No romance de Camilo Castelo Branco, “A Queda de um Anjo”, publicado em 1866, a presença de senhoras nas galerias é mencionada com frequência. No capítulo em que Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, Deputado, conhece Ifigénia, ela justifica a sua presença nas galerias porque como não tinha coisa que a distraísse de pensares melancólicos, foi ao Parlamento. Mais à frente, noutra sessão, é referido que as galerias estavam cheias:
«Entre as mais formosas, extremava-se a filha do desembargador Sarmento. A pedido de Calisto Elói, fora o abade de Estevães levar as entradas ao magistrado e oferecer-se a conduzir as senhoras à galeria.
(…)
Não direi que o renome de Calisto atraísse as damas ilustradas; era grande parte neste concurso femeal a esperança de rir. A nomeada do provinciano, bem que favorecida quanto a dotes intelectuais, cobrara fama de coisa extravagante e imprópria desta geração».
Na 1.ª República, a assistência às sessões era similar. Era necessário ter bilhete ou convite para assistir às reuniões e havia uma galeria destinada às senhoras. Por vezes a distribuição de bilhetes ou convites para assistência dos trabalhos parlamentares era objeto de queixas ou reclamações, tendo sucedido a 22 de março de 1916, a propósito de uma sessão do Senado da República, uma disputa entre o Senador Pais Abrantes, membro da Mesa, e o fiel do Palácio, Pedro Terenas, que chegou a diversos jornais. A questão, que gerou grande indignação por parte dos Senadores e levou à instauração de um processo disciplinar, resultou do facto de o fiel do Palácio ter enviado uma carta ao jornal, considerando que o Senador fizera falsas declarações a propósito da distribuição dos então designados bilhetes de acesso às galerias. Segundo o Senador, o que se passou foi o seguinte:
«Eu fui o segundo ou terceiro parlamentar que entrou na sala do Congresso no dia da sua última reunião e vi a galeria da Presidência já com algumas 60 senhoras, quando eu ainda não tinha um único bilhete para distribuir pelos Srs. Parlamentares. Os bilhetes não vieram todos à minha mão, porque sendo a lotação duns 400 lugares, eu não recebi mais que 200 bilhetes. O que é facto é que vários parlamentares vieram fazer-me reclamações pedindo-me bilhetes, que eu não tinha, para as senhoras de suas famílias. Eu declarei que não os podia dar porque não tinha os bilhetes e com razão me retorquiram: V. Exa não pode dar os bilhetes e já a galeria da Presidência está cheia de senhoras? Quem deu esses bilhetes?».
Da versão do fiel do Palácio e das consequências do processo disciplinar não reza o Diário das Sessões.
Da galeria reservada às senhoras vinham por vezes as reações mais ruidosas, como aconteceu na Sessão Extraordinária em homenagem aos Senhores Gago Coutinho e Sacadura Cabral, realizada a 7 de novembro de 1922. A sessão obedeceu a um cerimonial prévia e cuidadosamente preparado, a que não faltaram convites enviados pela Presidência, incluindo os destinados à «admissão para senhoras».
No rascunho do jornal oficial podemos ler a reação ao discurso do Comandante Sacadura Cabral que, contudo, não consta do jornal oficial:
«É um delírio: As senhoras, arrancando os crisântemos dos maciços das galerias atiraram com eles para a sala, as palmas não cessam e os vivas intensificam-se por muito tempo».
Mas se as galerias eram o único local onde a presença de mulheres era autorizada, o facto de estarem presentes era por vezes invocado para exigir o decoro dos trabalhos parlamentares. Num debate realizado a 2 de junho de 1924, na Câmara dos Deputados, o Deputado António Maia usa da palavra depois de um discurso proferido pelo Ministro da Guerra:
«Este decreto é ilegal, é uma provocação à 5.ª arma. Esse decreto atira à 5.ª arma com um punhado de…».
No Diário encontra-se a seguinte afirmação:
«A palavra que remata a frase, por não ter representação taquigráfica, deixou de ser incluída nas notas dos Sr. Taquígrafos».
Após vários apartes, o Presidente pede ao orador que retire a palavra.
O orador defende-se referindo que «Apesar de estarem senhoras na galeria, não acho que empregasse indevidamente essa palavra. Ela foi pronunciada por Cambronne e considerada por Vítor Hugo como uma das mais belas».
Mas termina por ceder e substitui a palavra que pronunciou pela palavra «lama».
No período do Estado Novo, a presença nas galerias da Assembleia Nacional, quer de homens, quer de mulheres, era mais reduzida e menos entusiástica. Certo é que nos períodos anteriores, mesmo sendo interdita a entrada na Sala das Sessões, a partir das galerias as mulheres acompanhavam os debates e, de quando em vez, faziam-se ouvir. E queremos crer que nem todas estavam presentes apenas para se distraírem de pensamentos melancólicos.
Ana Vargas e Marina Figueiredo (pesquisa)