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PATRIMÓNIO


BIBLIOTECA DAS CORTES

VICTORINO, António Barroso Pereira – A amnistia e os funcionários separados : discurso proferido na sessão da Câmara dos Deputados em 14 de abril de 1916.
Lisboa : Imprensa Nacional, 1916. 15 p. Cota: 80/16

António Barroso Pereira Victorino nasceu em Viseu, em 1878. Filho de proprietários rurais da região, estudou Direito na Universidade de Coimbra, onde se diplomou em 1902. Assumido republicano ainda antes da implantação do regime, foi um intenso propagandista dos ideais da República, quer em colaborações na imprensa escrita (escreveu nos jornais A Beira e n’A Voz da oficina), quer em conferências e comícios, tendo sido membro do Centro Federal Republicano de Viseu. Veio a falecer em Lisboa, em 13 de dezembro de 1951.

A ocupação de cargos públicos aconteceu logo na sequência da implantação da República, com a sua nomeação para Presidente da Comissão Municipal Administrativa do concelho de Viseu. No ano seguinte, em 28 de maio de 1911, conseguia a sua eleição para Deputado da Assembleia Nacional Constituinte, sendo reeleito para a Câmara dos Deputados na I e II Legislaturas (1911-1917).

Em 14 de abril de 1916 viria a proferir na Câmara dos Deputados aquele que seria o seu discurso mais fraturante, depois impresso em edição comercial, dando origem à publicação que hoje destacamos da nossa coleção e que se pode ler em suporte digital. Nela, o autor questiona a justiça, a legitimidade e até a constitucionalidade da amnistia concedida aos ministros da Ditadura, face à responsabilidade política que os mesmos assumiram na vigência do Governo de Pimenta de Castro.

O período é conturbado e a evolução política é complexa, pelo que merece a pena determo-nos brevemente na cronologia dos factos.

A I Guerra Mundial gerou o primeiro conflito aberto no seio do regime republicano. Mais do que apoiar formalmente uma das partes, estava em causa assumir ou não uma postura beligerante ativa. Com uma República jovem e a carecer, ainda, de se afirmar e legitimar internacionalmente, ainda mais quando estava em causa a manutenção da integridade dos espaços coloniais africanos cobiçados por outras potências, efetivou-se a entrada de Portugal na Grande Guerra, ao lado dos Aliados.

Mas a instabilidade política e social levou o então Presidente da República, Manuel de Arriaga, a provocar a demissão do Governo (presidido por Victor Hugo de Azevedo Coutinho, inteiramente constituído por elementos do Partido Democrático e apoiado por maioria parlamentar) e a convidar o seu amigo pessoal, o general Joaquim Pimenta de Castro, a organizar um novo Ministério. O objetivo imediato era pacificar o País e preparar as eleições para a constituição do novo Parlamento.

Pimenta de Castro congregava o apoio de praticamente todas as correntes de oposição ao Partido Democrático, que assumira até então um papel de preponderância política e governativa, constituindo-se em seu redor uma espécie de aliança negativa de Evolucionistas, Unionistas e Monárquicos, apoiados por forças sociais que iam do Exército à Igreja, passando pelo operariado.

O pedido do Presidente Arriaga foi formalizado por carta, num tom desesperado: «[…] estamos perdidos. Isto não são frases; isto é uma inevitável realidade! Careço de ti e de forma que sem ti poderá caducar para sempre o remédio a dar-se ao grande mal. Em duas palavras: preciso de um governo extra-partidário, com o acordo, se não de todos os partidos (e talvez se consiga), ao menos por quasi unanimidade […]. Desse governo serás o presidente e ministro do interior […]. Por tudo, pois, te peço que, neste momento tão angustioso para mim e tão grave para a Nação, não te esquives; não venhas com evasivas. Peço-te, em nome da República e da Pátria, que não me abandones»[1].

Pimenta de Castro entregou sete das nove pastas ministeriais a oficiais do Exército. Empossado em 25 de janeiro de 1915, o novo Governo não tardou a desferir a maior afronta e o ataque decisivo ao Estado de direito democrático, quando impediu, no dia 4 de março, a reunião do Parlamento. O Palácio do Congresso foi cercado de elementos policiais e do Exército, vedando a entrada dos parlamentares. Entrava-se formalmente em Ditadura, que duraria 109 dias. Viria a ser derrubada pelo movimento militar de 14 de maio de 1915, que voltaria a colocar o Partido Democrático no poder.

Um mês mais tarde, no dia 16 de junho de 1915, eram publicadas em Diário do Governo as Leis n.º 319, 320 e 321, que determinavam as sanções a aplicar aos responsáveis governativos e apoiantes da Ditadura deposta, impondo a separação definitiva do serviço efetivo a «todos aqueles funcionários que não dão uma completa garantia da sua adesão à República e à Constituição». Abrangia neste grupo «todos os indivíduos que faziam parte do Governo transato, à data de 14 de maio do presente ano». A Lei n.º 319 determinava, ainda, que aqueles a quem fosse ou viesse a ser aplicada a medida, mas que ainda assim não devessem ser exonerados, deveriam ver os seus vencimentos reduzidos a 80%; os restantes, deveriam ser «demitidos nos termos e com as formalidades do regulamento disciplinar dos funcionários civis, se persistirem na sua hostilidade contra a República ou a Constituição». A Lei n.º 320 consagrava ainda que «os funcionários separados do serviço nos termos desta lei ou demitidos por hostilidade à República ou à Constituição, não mais poderão exercer cargos remunerados, quer do Estado, quer dos Corpos Administrativos, perdem o direito à reforma ou aposentação e ficam privados do exercício dos direitos políticos por 10 anos». Ficava previsto o direito de recurso destas decisões, sem efeito suspensivo, «para o Conselho de Ministros, no prazo de dez dias; e do Conselho de Ministros só pode recorrer-se para o Parlamento nos termos da Constituição».

Reposto o regular funcionamento do Parlamento, a questão dos envolvidos na Ditadura de Pimenta de Castro volta ao debate político, desta feita para discussão com caráter de urgência de uma proposta ministerial de amnistia. Na sessão n.º 73, de 14 de abril de 1916, estava em funções o Ministério da União Sagrada e em reação à declaração de guerra feita pela Alemanha, a prioridade nacional era levar a cabo uma política de pacificação e de reconciliação nacional.

A amnistia englobava, entre outras categorias, «os indivíduos processados por crimes de responsabilidade praticados no exercício das funções do Poder Executivo desde 25 de janeiro a 14 de maio de 1915». Já quanto aos «funcionários separados», determinava-se que «continuam fora do serviço até ulterior resolução do Poder Legislativo, mas com os seus vencimentos de categoria e sem prejuízo da aposentação ou reforma» e com novo prazo para apresentação e apreciação de recursos.

A reação de Pereira Victorino não se fez esperar e, interpelando o Presidente da Mesa, solicitou que «obsequiosamente seja lida de novo a parte da proposta de lei que se refere aos funcionários separados do serviço pelas leis de 16 de junho». Lida a passagem, o Deputado requereu a discussão conjunta da proposta com o seu parecer (n.º 294) sobre a reintegração dos funcionários; foi secundado pelo Deputado Alberto de Moura Pinto, que requereu a discussão conjunta com o projeto lei de que era signatário, sobre as leis de separação de funcionários, que aguardava apreciação desde dezembro de 1915. Submetidos os requerimentos a votação, ambos foram recusados. Pereira Victorino não desistiu, lançando mão do último recurso previsto no regimento: a apresentação à Mesa de uma moção de ordem.

A questão de base colocada por Victorino era a seguinte: por que razão «o Governo se resolve a favorecer a situação dos ministros da Ditadura, quando deixa sob a contingência dos recursos, que já eram das Leis de 16 de junho, os restantes funcionários separados?». Como tal, para o Deputado, estes últimos surgiam como «desfavorecidos em confronto com esses que foram os chefes do funcionalismo durante a Ditadura»: «Pois como pode ser que o Governo nos venha propor uma melhoria de situação para aqueles que foram os ditadores por excelência, para aqueles funcionários cuja separação faz parte integrante das próprias leis, fórmulas concretizadoras da Revolução de 14 de Maio, e só hesite na generosidade que se estenda aos que menos responsabilidades tiveram?». Por outras palavras, como podia a mera execução de ordens e orientações ser mais penalizada do que a responsabilidade governativa de quem deliberava, impunha e delegava essa execução?

Posta à votação, a moção de Pereira Victorino foi rejeitada.

Já a proposta de lei foi aprovada em ambas as câmaras – dos Deputados e Senado – e publicada no Diário do Governo no dia seguinte. Ainda assim, na Câmara dos Deputados, a proposta esteve longe de obter a unanimidade, sendo as discordâncias manifestadas em declarações de voto: o Deputado Costa Júnior declarou, em seu nome e no do Partido Socialista, que não a podia votar «porque os socialistas não admitem, nem podem admitir, meias amnistias. Ou se dá uma amnistia ampla, ou não se dá cousa alguma». Já em torno do histórico Unionista Brito Camacho, um grupo de Deputados declarou que, embora considerassem que «à amnistia proposta faltam as essenciais características, não podendo, por isso, ter alcance como ato político, não o tendo como ato de generosidade», as atuais circunstâncias nacionais impeliam-nos a dar-lhe o seu voto, não deixando porém de esclarecer que deixavam «ao Governo inteira e exclusiva responsabilidade das consequências morais e materiais que da aprovação de tal proposta hajam de resultar». Já a maioria Democrática, «conhecendo e apreciando bem as atuais circunstâncias políticas do país e cônscia das suas responsabilidades, aprova a proposta de lei porque reconhece que ela corresponde às necessidades de momento».

João Carlos Oliveira

A Biblioteca Passos Manuel tem vindo a digitalizar títulos que se encontram em domínio público, quer provenientes da coleção da Biblioteca das Cortes, quer pertencentes a espólios à sua guarda. Os exemplares digitalizados ficam disponíveis em acesso público, universal e gratuito a partir do catálogo bibliográfico, do Registo Nacional de Objetos Digitais e da Europeana. Nesta secção destacam-se alguns desses títulos.

[1] Castro, Pimenta de – O dictador e a afrontosa dictadura. Weimar : Wagner g. Humbold, 1915, pp. 9-12.




PEÇA DO MÊS | LABIRINTO
Fotografia da tapeçaria da Vieira da Silva


Labirinto
Maria Helena Vieira da Silva (Lisboa, 1908 – Paris, 1992)
1997
Tapeçaria em lã | Manufatura Tapeçarias de Portalegre
Alt. 150 x Larg. 120 cm
Inv. MAR 1729

Por ocasião da exposição A Nós a Liberdade, de Maria Helena Vieira da Silva, promovida pela Assembleia da República no âmbito das Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, este mês damos a conhecer a tapeçaria “Labirinto”, que integra a referida exposição.

Trata-se de uma tapeçaria em ponto de nó fino - denominado ponto de Portalegre - executada em 1997 sobre a gravura L’une et l’autre (1959), que integrou um conjunto de 25 gravuras a buril que ilustraram o livro de poesia de René Char, L’Inclémence Lointaine (1961), com a chancela de Pierre Berès. Na peça, a reprodução da assinatura da artista e o monograma da Manufactura Tapeçarias de Portalegre estão apresentadas no canto inferior direito.

A história desta tapeçaria remonta à longa e profunda amizade que Vieira da Silva e o casal Arpad Szenes mantiveram com René Char, um poeta que inicialmente esteve ligado ao movimento surrealista francês, proporcionando-lhe a publicação de vários livros em co-autoria com Ralentir Travaux, André Breton, Antonin Artaud e Paul Eluard, entre outros. René Char publica o livro de poesia L’Inclémance Lointaine, com uma tiragem única de 130 exemplares, para o qual Maria Helena Vieira da Silva produz o conjunto de 25 gravuras a buril, datadas de 1959.

Em 1960, tem início a colaboração de Vieira da Silva com a Manufactura Tapeçarias de Portalegre (MTP), com a execução do cartão Mouraria. Ainda durante esta década a MTP dá início à execução de tapeçarias a partir da obra da artista.

Para Eduardo Lourenço, «a pintura de Vieira da Silva é um ‘fazer’ e um ‘desfazer’, um tecer e destecer perpétuos, como se cumprisse um voto de incoercível fidelidade, de devoção a um só senhor, essa realidade espacial, visível, tão fabulosamente real e visível que para a aprisionar nas malhas de uma teia é necessário tecê-la às avessas, compor a presença com a ausência, o visível com o invisível, fiar de dia na estriga da noite»[2].

Em 1998, esta obra foi incorporada no acervo museológico da Assembleia da República por aquisição à MTP.

A exposição “A Nós a Liberdade” está patente no Salão Nobre do Palácio de São Bento, até 26 de julho, com entrada livre: ​visitas guiadas (mediante marcação) e visitas livres.

Marcações e outras informações: 213919574 | 213919625 | reservas.nosaliberdade@ar.parlamento.pt

Capa do livro de René Char

desenho da capa René Char -Vieira da Silva

Joaquim Soares


[2] Lourenço, Eduardo, Itinerário de Vieira da Silva ou da Poesia como Espaço, O Espelho Imaginário. Pintura não Pintura, Lisboa, INCM, 1996, p. 28.