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PATRIMÓNIO


BIBLIOTECA DAS CORTES

VITAL, Domingos Fezas [et al.] – A solução do problema político português. Lisboa : Tipografia Portuguesa, 1951. 73 p. Cota – NVP-188.

Por definição, a Constituição política é a lei fundamental de um país, que regula os direitos e garantias dos cidadãos e define a organização política do Estado. Daqui decorre que à mudança de regime corresponda a uma nova Constituição.

O constitucionalismo português surgiu do triunfo da monarquia liberal, em que se sucederam 3 textos constitucionais: a Constituição de 1822, a Carta Constitucional de 1826 e a Constituição de 1838. A implantação da República resultou na Constituição de 1911, que vigorou até ao derrube do regime. Em 1926, a Ditadura Militar iniciou um interregno de sete anos até ser promulgada a Constituição de 1933, que instituiu o Estado Novo Corporativo e vigorou até 1974. Na sequência da revolução do 25 de Abril, a Assembleia Constituinte, resultante das eleições de 1975, votou a Constituição de 1976 que vigora até hoje.

Um dos fatores fundamentais para a longevidade destes diplomas é a sua “plasticidade”, ou seja, a capacidade de assimilar mudanças formais ou informais no texto constitucional, o que nos direciona para o tema das revisões constitucionais no qual se insere o documento que hoje damos a conhecer.

Editada sob o título A solução do problema político português, esta pequena brochura tem como ponto de partida a entrevista dada por Domingos Fezas Vital, insigne Professor de Direito Constitucional ao jornal O Debate, na qual comenta a proposta de revisão constitucional de 1951.

Nascido em 1888, Fezas Vital licenciou-se em Direito na Universidade de Coimbra, onde iniciou a docência em 1915. Acabou por ser suspenso, em 1919, no âmbito de um processo de sindicância por suspeita de infidelidade ao regime republicano. Depois de alguns anos em que integrou o corpo de redação da Revista de Legislação e Jurisprudência, voltou ao ensino, chegando a reitor da Universidade de Coimbra em 1927-1930. Entre 1934 e 1946, foi procurador à Câmara Corporativa, sendo eleito seu 1.º Vice-Presidente (1935-1944) e Presidente (1944-1946). 

Antes disso, destacara-se na redação do projeto governamental que serviu de base à Constituição Política de 1933, em colaboração com Oliveira Salazar, Quirino de Jesus, Pedro Teotónio Pereira e Marcelo Caetano. A respeito deste diploma, diz-nos Jorge Miranda que «o projeto de Constituição é, no essencial, obra de Salazar, e antiparlamentarista como se proclamava, não convocou o regime uma assembleia constituinte para apreciar esse projeto ou, eventualmente, outros projetos que fossem apresentados. Simplesmente, o Governo publicou-o nos jornais diários em 1932 para efeito de discussão no país e, depois, refundiu-o e submeteu-o a "plebiscito nacional" em 1933. E, como continuavam as liberdades restringidas ou suspensas, tal não poderia deixar de se refletir num carácter muito limitado e pouco pluralista dessa discussão»1. Como tal, a Constituição de 1933 espelha o ideal político do Presidente do Conselho: no engrandecimento do Poder Executivo, no antiparlamentarismo, no antipluralismo, na restrição das liberdades, no intervencionismo estatal na sociedade e na economia e, no que pretende apresentar com o traço distintivo e original, no Corporativismo como base da organização social e política.

Pelo que fica dito, percebe-se que este académico tenha sido, na Câmara Corporativa, relator de sete pareceres sobre propostas ou projetos de alteração à Constituição apresentados na I Legislatura e sobre a proposta de revisão da Constituição e do Ato Colonial de 1945. 

Embora fosse um destacado apoiante do Estado Novo, era um assumido defensor dos ideais monárquicos (desde as incursões monárquicas de Paiva Couceiro, que apoiou ativamente), o que o levou, em 1946, a renunciar a todos os cargos oficiais que exercia para assumir as funções de lugar-tenente de D. Duarte Nuno de Bragança, pretendente ao trono de Portugal.

Oliveira Salazar já o havia afirmado no prefácio à 4.ª edição dos seus discursos: «a Constituição de 1933 representa um estádio de evolução, mas não a solução definitiva». E a «plasticidade» da Constituição foi demonstrada em nove leis de revisão, que Jorge Miranda organiza em cinco momentos ou épocas: 1935-19382 ; 19453 ; 19514 ; 19595 ; e 19716 .

Em 1951, Fezas Vital estava afastado da política ativa e é com essa liberdade, e na condição de reconhecido constitucionalista, que acede ao pedido de entrevista do jornal O Debate. A entrevista viria a ser publicada na edição de 29 de março de 1951, com o autor a criticar a proposta governamental de revisão constitucional, apresentada na sessão de 18 de janeiro da Assembleia Nacional, e que viria a ser promulgada no dia 11 de junho seguinte. 

Para o autor, existia em Portugal um «problema político» que, no essencial, continuava sem solução nesta proposta, que apenas trazia alterações «de pormenor e, consequentemente, de interesse secundário», «sem influência decisiva na vida e futuro do País». Em alternativa ao que reputa de «paliativos», defende que «só nas Instituições Tradicionais, devidamente adaptadas aos tempos de hoje, [se] encontrará “solução definitiva”» para a crise política nacional. Ou seja, só o Poder Real poderia garantir a «realização plena dos Princípios por que os nacionalistas esclarecidos se estão batendo» porque «os regimes políticos assentes no prestígio de certos Homens, que não no valor intrínseco das Instituições neles encarnadas ou por eles representadas, não conseguem sobreviver à morte, natural ou política, desses Homens». «Só o Rei», conclui, «é capaz de, com a Sua independência e a Sua continuidade, histórica e dinástica, harmonizar, com permanência, “a autoridade necessária e as necessárias e legítimas liberdades”»; só a instituição monárquica pode dar a necessária garantia de uma «autoridade em absoluto “independente” de quaisquer interesses particulares, individuais e coletivos», pilar fundamental do estado corporativo. Quando o que estava em causa era defender a mudança de regime, eram tidas por manifestamente insuficientes as alterações propostas, designadamente no tocante à figura do Chefe de Estado, que o entrevistado resume a «não se exigir, como preceitua o art. 72.º, § 2.º, que a eleição do Presidente da República se faça por sufrágio direto dos cidadãos eleitores» e a «atribuir-se ao Conselho de Estado a apreciação da idoneidade política dos candidatos, isto é, competência para verificar se oferecem garantias de respeito e fidelidade aos princípios fundamentais da ordem pública e social consignados na Constituição».

Completam este volume os discursos pronunciados na Assembleia Nacional, no decurso do mês de abril de 1951, por um conjunto de Deputados. Vejamos de quem se trata: o escritor, jornalista e historiador Caetano Beirão (1892-1968), oriundo do Integralismo Lusitano e dirigente da Ação Realista Portuguesa; o advogado Paulo Cancela de Abreu (1885-1974), monárquico assumido, presidente da Assembleia-geral das Juventudes Monárquicas Conservadoras e dirigente da Causa Monárquica; o escritor João Ameal (pseudónimo de João Francisco de Sande Barbosa de Azevedo e Bourbon Aires de Campos, 1902-1982), monárquico, integralista e defensor convicto do absolutismo; o veterinário, monárquico, António Jacinto Ferreira (1906-1995), Presidente da Junta Diretiva da Causa Monárquica e diretor do jornal O Debate; os médicos, monárquicos, Américo Cortês Pinto (1896-1979) e Augusto César Cerqueira Gomes (1897-1976); e o professor Carlos Alberto Lopes Moreira (1898-?).

A unanimidade de todos os autores na defesa do regime monárquico, em sede de discussão da proposta de revisão constitucional de 1951, faz desta pequena brochura um interessante testemunho de uma corrente de opinião, que se mantinha viva, que perspetivava o regresso à Monarquia como garante do sucesso da «Revolução Nacional»; e de como o apoio inicial dado por monárquicos e integralistas ao Estado Novo, e a sua presença em grande número em cargos políticos e governamentais, permitiu, até meados do século XX, manter em aberto a questão do regime. 

O biénio de 1950-1951 é considerado pelos historiadores como a última tentativa de restauração monárquica, em torno da figura de Dom Duarte Nuno de Bragança como pretendente ao trono. O primeiro sinal foi dado ainda em 1948, no manifesto de Francisco Manso Preto Cruz, que desafiava Dom Duarte a liderar um movimento armado que obrigasse o Governo a fazer um referendo a respeito da forma de regime. Apreendida a obra e multada a oficina tipográfica, novo manifesto (da autoria de Alberto de Monsaraz, Hipólito Raposo, José Pequito Rebelo e Luís de Almeida Braga, todos oriundos do Integralismo Lusitano), intitulado Portugal restaurado pela Monarquia, era publicado, em 1950, na revista Cidade Nova, então dirigida pelos também monárquicos Henrique Barrilaro Ruas e Gonçalo Ribeiro Telles.

A morte do Marechal Óscar Carmona, em 18 de abril de 1951, coincidindo com a discussão na Assembleia Nacional da proposta de revisão constitucional, acentuou no seio da União Nacional a divisão entre os que defendiam uma solução de continuidade e os que apelavam à restauração da Monarquia. Ouvidas as partes, o regime acabou por recomendar o general Craveiro Lopes para Presidente da República, que seria eleito em 21 de julho de 1951.

Ainda assim, no III Congresso da União Nacional, que teve lugar em Coimbra em novembro desse ano, foram apresentadas teses em defesa da transição para a Monarquia. No seu discurso, Salazar comenta-as sumariamente, afirmando que «a Monarquia não é um regime, é apenas uma instituição. Como tal, pode coexistir com os regimes mais diversos e de muito diferentes estruturas e ideologias. E sendo assim, ela não pode ser só por si a garantia de estabilidade de um regime determinado senão quando é o lógico coroamento das demais instituições do Estado e se apresenta como uma solução tão natural e apta, que não é discutida na consciência geral». E retira a discussão em torno do regime da agenda política com um «concluo, como quem aconselha: estudemos tudo, mas não nos dividamos em nada». Secundado por Marcelo Caetano, que no seu discurso ao mesmo Congresso declarou «morta, porque ultrapassada, a discussão sobre a Monarquia em Portugal».


 João Carlos Oliveira

Fica disponível em https://catalogobib.parlamento.pt:82/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=122035&img=3564.

Biblioteca Passos Manuel tem vindo a digitalizar títulos que se encontram em domínio público, quer provenientes da coleção da Biblioteca das Cortes, quer pertencentes a espólios à sua guarda. Os exemplares digitalizados ficam disponíveis em acesso público, universal e gratuito a partir do catálogo bibliográfico, do Registo Nacional de Objetos Digitais e da Europeana. Nesta secção destacam-se alguns desses títulos.



[1] As três constituições portuguesas em República». Revista do Ministério Público. Rio de Janeiro : MPRJ, N.º 50 (out./dez 2013) , p. 67. Pode ser lido em https://catalogobib.parlamento.pt:82/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=145446&img=33193 .

[2] Leis n.º 1885, de 23 de março de 1935; N.º 1910, de 23 de maio de 1935; N.º 1945, de 21 de dezembro de 1936; N.º 1963, de 18 de dezembro de 1937; e N.º 1966, de 23 de abril de 1938.

[3] Lei n.º 2009, de 17 de setembro de 1945.

[4] Lei n.º 2048, de 11 de junho de 1951.

[5] Lei n.º 2100, de 29 de agosto de 1959.

[6] Lei n.º 3/71, de 16 de agosto de 1971.



PEÇA DO MÊS | SALGUEIRO MAIA


Salgueiro Maia
25 de Abril de 1974
Eduardo Gageiro (1935)
Fotografia | Tinta de impressão sobre papel fotográfico
96,5 x 130,5 cm
Inv.º MAR 1963

Foi há 50 anos “o dia inicial inteiro e limpo...".

No dia 25 de Abril de 1974, o 2.º Esquadrão do Regimento de Cavalaria 7, força fiel à ditadura comandado pelo tenente-coronel Ferrand d’Almeida, faz o percurso pela Avenida Ribeira das Naus, tentando alcançar o Terreiro do Paço para assegurar a defesa dos ministros que aí se encontram. O capitão Salgueiro Maia, que comanda as forças da Escola Prática de Cavalaria que ocuparam o Terreiro do Paço, dirige-se ao tenente-coronel Ferrand d’Almeida e comunica-lhe que ou adere ao movimento revoltoso ou será detido. Este, declarando não conhecer o Movimento, afirma que «devido às circunstâncias não me resta outra alternativa senão render-me», entregando a arma e ficando sob detenção.

No regresso ao Terreiro do Paço, acompanhado pelo alferes Maia de Loureiro, o Capitão Salgueiro Maia é captado pela lente de Eduardo Gageiro, resultando na imagem que aqui apresentamos como homenagem aos Militares de Abril, nos 50 anos da Revolução, e que pertence ao acervo museológico da Assembleia da República (adquirida em 2000). 

Sobre esta fotografia, Salgueiro Maia afirmou: «Há uma fotografia do Eduardo Gageiro, julgo que até serviu de capa para um disco, em que eu venho a morder o lábio. E venho a morder um lábio para não chorar. É que o 25 de Abril venceu-se ali.» (entrevista conduzida por Fernando Assis Pacheco, publicada no Jornal Ilustrado, suplemento de O Jornal, n.º 688, de 29 de abril de 1988).

Eduardo Gageiro nasceu em Sacavém a 16 de fevereiro de 1935. Aos 12 anos publicou no Diário de Notícias a sua primeira fotografia e em 1957 iniciou-se profissionalmente como fotojornalista no Diário Ilustrado. Na sua vida de fotógrafo, além do Diário Ilustrado, trabalhou para o Século Ilustrado, Eva, Almanaque, Match Magazine, revista Sábado (editor), Associated Press (Portugal), Companhia Nacional de Bailado, Assembleia da República e Presidência da República. A sua colaboração passou ainda pela Deustche Gramophone (Alemanha), Yamaha (Japão) e Cartier. É membro de honra do Fotokluba Riga (ex-URSS), Fotoclube Natron (ex-Jugoslávia) Osterreichisdhe Fur Photographie, O.G.Ph Viena (Áustria) Gold Year de Honra (Novi Sad, ex-Jugoslávia) e Excellence F.I.A.P. Fédération International de l’Art Photographique (Berna, Suiça). No II Congresso Internacional de Repórteres Fotográficos, realizado em São Paulo, Brasil, em 1966, foi nomeado vice-presidente. Recebeu as seguintes distinções: Mestre Fotógrafo Honorário da Associação de Fotógrafos Profissionais (2009), Cavaleiro da Ordem de Leopoldo II (Bélgica) e em 2004 foi distinguido com o Grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique, pelo presidente Jorge Sampaio.

Ao longo da sua carreira profissional Eduardo Gageiro acumulou prémios e galardões nacionais e internacionais. No seu currículo conta com dezenas de exposições individuais e coletivas, realizadas em Portugal e em diversos países (notas biográficas consultadas no site http://www.eduardogageiro.com/ ).

Joaquim Soares