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JORRAM LÁGRIMAS DE SANGUE NA ALMA DOLORIDA DA PÁTRIA


De 17 para 18 de dezembro de 1961, soldados da União Indiana, apoiados pela aviação e por uma esquadra naval, atacam os territórios de Goa, Damão e Diu. No dia seguinte, as tropas portuguesas, em número muito inferior às tropas indianas, rendem-se e os militares portugueses são feitos prisioneiros.

A 4 de janeiro de 1962, o Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar, apresenta uma comunicação à Assembleia Nacional. Começa por informar que «com as emoções das últimas semanas sobreveio-me um acidente que me tirou a voz ou, pelo menos, não me deixou a voz suficiente para uma leitura de certa extensão. Não devendo ser adiada a comunicação que o Governo deve aos portugueses sobre a invasão e ocupação de Goa pela União Indiana, não me pareceu haver outra solução que não fosse comparecer aqui, entregar na Mesa a minha exposição e pedir ao Sr. Presidente da Assembleia Nacional o obséquio de proceder à sua leitura».

A comunicação começa por referir que «a Nação tem pleno direito de saber como e porque se encontra despojada do Estado Português da índia. Goa, portuguesa há 450 anos e agora ocupada pela União Indiana, representa um dos maiores desastres da nossa história e golpe muito fundo na vida moral da Nação».


O Presidente da Assembleia lendo o discurso do Presidente do Conselho sobre a ocupação de Goa, Damão e Diu

Se nesta comunicação e nas intervenções feitas nas sessões seguintes foi atacada a União Indiana, não menos foram a ONU e os nossos aliados tradicionais.

António de Oliveira Salazar, cuja comunicação é, nesta parte, pontuada por risos dos Deputados, chega a perguntar «como fomos ali parar» e afirma que se não formos o primeiro país a abandonar as Nações Unidas, estaremos certamente entre os primeiros.

A sessão plenária de 5 de janeiro de 1962 é integralmente dedicada a esta questão, tendo o Deputado Soares da Fonseca, depois de reputar de notável a comunicação ouvida na véspera, deixado o «testemunho de profunda admiração pela penetrante argúcia e sólida cultura [do Presidente do Conselho] e viva inteligência» e declarado que «jorram lágrimas de sangue na alma dolorida da Pátria». 

A intervenção que faz é também fortemente crítica quanto à atuação das Nações Unidas:

«Deveria o próprio Mundo em geral, congregado na torre babélica da ONU, se a esta não faltasse, desde a sua infeliz nascença, aquele suplemento de alma de cuja carência lhe advirá morte precoce, corar de vergonha diante do assalto a Goa, em impúdica transgressão das regras mais essenciais do direito das gentes».

Já anteriormente, a 12 de dezembro de 1961, o Deputado Prisónio Furtado, nascido em Goa, e Deputado na Assembleia Nacional entre 1961 e 1965, interviera sobre esta questão:

«Os acontecimentos que se estão desenvolvendo nas fronteiras dos nossos territórios da Índia Portuguesa fizeram-me perder a calma e a serenidade. Era natural que assim fosse. Os visados diretamente somos nós, os indo-portugueses. (…) Há um português que, mais do que todos os outros, sente que o problema dos nossos territórios da Índia é o problema da própria nação portuguesa. Sente e vê esse problema com a luminosidade do dia. É quem está à testa dos destinos da nação portuguesa, o Chefe do Governo português. Se fosse possível auscultar o coração deste homem, eu encontraria ali as pulsações mais de um coração indo-português do que de um coração de português metropolitano».

Independentemente das moções aprovadas na Assembleia Nacional e das diligências efetuadas pelo governo e pela diplomacia portuguesa, Goa, Damão e Diu são integradas na União Indiana.

Só depois do 25 de Abril, Portugal viria a reconhecer a soberania da Índia sobre estes territórios, através da aprovação da Lei Constitucional n.º 9/74, de 15 de outubro, que «Autoriza o Presidente da República, ouvidos a Junta de Salvação Nacional, o Conselho de Estado e o Governo Provisório, a concluir um acordo entre Portugal e a União Indiana pelo qual Portugal reconhece a plena soberania da União Indiana sobre os territórios de Goa, Damão, Diu, Dadrá e Nagar Aveli». O tratado é assinado e ratificado em 1975.

Ana Vargas