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DE ORA AVANTE, QUEM QUISER ENSOMBRAR A BANDEIRA DE PORTUGAL, HÁ DE PRIMEIRO ESCURECER O SOL!


No dia 29 de março de 1922, na Câmara dos Deputados, o Deputado Rodrigo Rodrigues propõe que seja consultada a Câmara para saber se permite que, na véspera do que designa de «raid de aviação ao Brasil, levado a efeito por dois dos nossos mais distintos marinheiros», seja manifestada toda a nossa admiração pelo seu ato que representa uma glória para Portugal.

Ao voto associam-se Deputados em representação do Partido Reconstituinte, do Partido Republicano Liberal, da minoria monárquica e Deputados independentes. Em sentido diametralmente oposto, intervém o Deputado Alberto Xavier, que, apoiando-se numa carta que o próprio Sacadura Cabral havia enviado na véspera à imprensa, considera que o Governo não pode associar-se a uma «tentativa desta natureza, que implica despesas exorbitantes». Apesar de louvar a coragem dos aviadores, defende que o «Governo não pode tomar a responsabilidade de subsidiar financeiramente essa viagem, sem saber se ela terá as maiores probabilidades de êxito». Esta intervenção merece reiterados apartes de «Não apoiado».

Recorde-se que poucos meses antes tinha ocorrido a Noite Sangrenta, após a revolta militar de 19 de outubro de 1921. À crise económica resultante da participação na I Guerra Mundial, soma-se a crise política, aumentando o ambiente de instabilidade e desânimo que se vive no país, o que justifica o apoio quase generalizado que é dado ao projeto da travessia aérea do Atlântico sul.



convite com data de 5 de novembro de 1922 do presidente do congresso da república para a homenagem aos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral + ´convite/folheto  do congresso da república com a informação da sessão solene de homenagem aos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral com a nota no final

Às 7h00 da manhã do dia 30 de março de 1922, Gago Coutinho e Sacadura Cabral partem de Belém, num hidroavião. A 27 de junho, mais tarde do que previsto, aterram no Rio de Janeiro. Apesar do atraso e da perda de dois aviões, a viagem é um êxito, celebrada nos dois lados do Atlântico.

A 7 de novembro do mesmo ano, o Congresso realiza uma Sessão Extraordinária em homenagem aos Senhores Gago Coutinho e Sacadura Cabral. A sessão obedece a um cerimonial prévia e cuidadosamente preparado, a que não faltaram convites enviados pela Presidência, incluindo os destinados à «admissão para senhoras».

No programa, assinado pelo Presidente do Congresso, para além da organização da sessão que inclui cortejo no início e fim, prevê-se que «a distribuição de bilhetes para assistir a esta solenidade será feita pelo Diretor Geral do Congresso nos dias 5 e 6 do corrente». São também dadas instruções concretas quanto ao policiamento interno e externo por ocasião da sessão.

No dia da Sessão Solene, segundo o jornal oficial do Parlamento, quando os aviadores entram na sala, toda a «assistência se levanta. Aplausos gerais. Palmas. Calorosos vivas aos homenageados, à República do Brasil, à Pátria e à República Portuguesa. A manifestação prolonga-se durante alguns minutos».

O Presidente do Congresso, José Joaquim Pereira Osório, faz a alocução inicial considerando que não podiam os «parlamentares do Congresso da República deixar de se associar às gerais e entusiásticas manifestações do Povo Português, de quem são representantes eleitos, promovendo esta sessão solene em honra exclusiva dos seus bravos e heroicos marinheiros. É o máximo que o Parlamento vos pode oferecer, nunca ofereceu mais, nem melhor, a quem quer que fosse».

Antes de concluir, refere ainda que tem a «intuição de que o grandioso feito que tão gloriosamente levastes a cabo marcou na História Pátria o termo das nossas desditas, empurrando-nos para a vertente oposta do nosso calvário».

As intervenções sucedem-se, comparando os aviadores aos navegadores quinhentistas e considerando que, como refere Cunha Leal, «esta empresa veio na hora própria do desânimo e da desconfiança sobre os destinos da nossa Pátria, que já foi tão grande, hora em que os portugueses começavam a cruzar os braços numa desconsoladora inércia».

Antes interviera o membro do Congresso, Júlio Ribeiro, que gerara uma grande ovação na sala e na galeria ao referir: «Assim, Gago Coutinho e Sacadura Cabral (…) mostraram, heroicamente, numa audácia genial, que a nossa raça, em querendo, hoje como sempre, se alça acima de todas as civilizações (…) devendo ser o nosso ressurgimento nacional. — De ora avante, quem quiser ensombrar a bandeira de Portugal, há de primeiro escurecer o sol!...».

Depois dos membros do Congresso e do Ministro da Marinha, é concedida a palavra ao Comandante Sacadura Cabral, não constando, contudo, a intervenção que faz no jornal oficial do Parlamento, mas de que há, felizmente, registo escrito.

recorte de jornal com fotografia da sala das sessões e descrição "uma sessão memorável - aspecto da câmara de deputados - defronte da bancada ministerial os aviadores"

Depois de agradecer as honras que lhes são atribuídas e garantir que apenas pretende regressar «à obscuridade de onde saiu», conclui dizendo:

«Acreditai que sinceramente lamentamos mais não ter feito para merecer essa grande recompensa, mas como a vossa generosidade é grande, permiti-me que, numa súplica ardente, onde ponhamos toda a nossa alma enternecida, exclamemos: tornemos digna e grande esta Pátria, que é de todos nós».

É também no rascunho do jornal oficial que podemos ler a reação a este discurso:

«É um delírio: As senhoras, arrancando os crisântemos dos maciços das galerias atiraram com eles para a sala, as palmas não cessam e os vivas intensificam-se por muito tempo.

Finalmente encerra-se a sessão.

À saída, os aviadores foram acompanhados até à porta do edifício da Câmara com o mesmo cerimonial da entrada, foram de novo, delirantemente ovacionados pela compacta multidão que, por completo enchia os passeios».



Ana Vargas