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O QUE MUDOU NO REGIMENTO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA?


O Regimento da Assembleia da República consiste no regulamento interno da Assembleia da República que define formalmente as regras relativas à sua organização, funcionamento e formas de processo para o exercício das competências previstas na Constituição. Por esse facto, necessita de constantes alterações de forma a permitir adequar o seu funcionamento às novas realidades parlamentares1. No período seguinte ao início do funcionamento da Assembleia da República, a 3 de junho de 1976, houve necessidade de se criarem e sedimentarem regras procedimentais e metodologias de trabalho, pelo que nos primeiros 24 anos - entre 1976 e 2000 - vigoraram 12 versões do Regimento, exatamente o dobro das que ocorreram nos 23 anos seguintes - entre 2000 e 2023.

Compete à Assembleia da República elaborar e aprovar o seu Regimento. Em 2020 foi aprovado um novo Regimento da Assembleia da República, cuja primeira alteração foi publicada a 9 de agosto do corrente ano, tendo entrado em vigor a 15 de setembro, primeiro dia da 2.ª sessão legislativa, da XV Legislatura.

foto varanda da Assembleia da República com bandeiras hasteada

De entre as diversas alterações trazidas por esta nova versão do Regimento2 3, destacam-se as seguintes:

- São retomados os debates quinzenais com o Primeiro-Ministro, solução que reuniu amplo consenso e o aplauso de todas as forças políticas, com reintrodução do respetivo modelo: os debates voltam a desenvolver-se em dois formatos alternados em cada uma das quinzenas, ora tendo início com uma intervenção do Primeiro-Ministro, ora com as perguntas dos Deputados. Neste caso, os Deputados fazem as perguntas por ordem decrescente da sua representatividade, sempre com resposta imediata do Primeiro-Ministro a cada intervenção. Como solução inovadora, definiu-se que os debates não ocorrem nos meses de apresentação do Programa do Governo e do debate sobre o estado da Nação, nem no período de discussão da proposta de lei do Orçamento do Estado. O modelo agora retomado encontrava-se consagrado no Regimento de 2007 e foi substituído em 2020, aquando da aprovação do novo Regimento, por debates mensais com o Governo. Estes debates funcionavam em formatos alternados: um dos quais com a presença do Primeiro-Ministro, que passa agora a realizar-se quinzenalmente conforme acima explicado, e outro sobre política setorial, com a presença do Ministro da respetiva área, que se mantém apesar da alteração;

- São reforçados os direitos dos Deputados Únicos Representantes de Partido e, em geral, da oposição, nomeadamente com o alargamento dos seus direitos potestativos 4 em Comissão;

- É clarificada a possibilidade de audição, a convite das Comissões Parlamentares, de titulares de órgãos da administração local, em matérias que não correspondam ao exercício das suas competências, sobre as quais apenas prestam contas no âmbito autárquico;

Foto da fachada com perfil da estátua representativa da força

- É alargada a consulta pública a todas as iniciativas legislativas, podendo os cidadãos entregar os seus contributos através de separador próprio a contemplar no sítio da Assembleia da República na Internet, reforçando a transparência e a participação no processo legislativo parlamentar. Além disso, é introduzido um princípio geral de avaliação de impacto das iniciativas legislativas, ponto de partida para a implementação de processos de avaliação;

- Também em reforço da qualidade da legislação parlamentar, é reformulada a figura do relatório da Comissão parlamentar sobre cada iniciativa legislativa, que retoma a designação anterior a 2007, com paralelo na realidade parlamentar europeia: substituindo-se ao parecer, a nova configuração do relatório evidencia a distinção entre as análises técnica e política de cada iniciativa, reservando ao Deputado relator a possibilidade de uma apresentação sumária e uma análise complementar à nota técnica elaborada pelos serviços, bem como a avaliação dos pareceres institucionais recebidos ou dos contributos de cidadãos resultantes da consulta pública. Possibilita também, inovadoramente, a junção da posição escrita de cada Deputado ou grupo parlamentar (não sujeita a votação), a par da opinião do relator. O relatório da Comissão assume, assim, a sua função de elemento essencial do processo legislativo parlamentar, contendo a primeira e mais profunda análise da iniciativa, o primeiro e mais profundo debate, realizado em Comissão, sobre as soluções propostas. Desta forma enriquece o subsequente debate político em Plenário e possibilita uma votação na especialidade, artigo a artigo, mais informada e ponderada. Em solução inovadora, o relatório passa a poder permitir que se reabra a avaliação da admissibilidade da iniciativa do ponto de vista constitucional, evitando o seu debate em Plenário caso a Comissão conclua pela sua inadmissibilidade constitucional;

- Foram ainda efetuadas alterações respeitantes à transposição de diretivas, procurando corresponder à necessidade da sua concretização em tempo e de providenciar toda a informação necessária à aprovação das leis parlamentares de transposição;

- São consolidadas e clarificadas práticas e procedimentos respeitantes ao funcionamento interno das comissões, subcomissões e grupos de trabalho e à composição e funcionamento dos grupos internacionais de amizade. Procedeu-se também à codificação de práticas que resultaram da experiência da pandemia, tais como a possibilidade de participação nos trabalhos do Plenário e das Comissões com recurso a meios de comunicação à distância, em situações excecionais e fundamentadas, bem como de votação à distância ou antecipada.


Ana Cláudia Cruz, Manuel Gouveia, Nélia Monte Cid e Ricardo Pita



[1] Regimento da Assembleia da República – versões 1976-2020, Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar.

[2] Na origem da primeira alteração do Regimento da Assembleia da República n.º 1/2020, estiveram nove projetos de Regimento apresentados por todas as forças políticas representadas na Assembleia da República.

[3] A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias foi incumbida da sua apreciação, através de um Grupo de Trabalho, coordenado pelo Deputado Pedro Delgado Alves (PS), que apreciou 23 conjuntos de propostas de alteração, numa aproximação de posições, que culminou com a aprovação, em 18 de julho de 2023, de um texto final da primeira alteração do Regimento da Assembleia da República e respetiva republicação, subsequentemente aprovado em votação final global, na reunião plenária de 19 de julho de 20203, com votos a favor de PS, PSD, IL, PCP, BE, PAN e L e a abstenção do CH.

[4] Direitos de que dispõem os Deputados e os grupos parlamentares, em cada sessão legislativa, e cujo exercício não depende de aprovação.