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FISCALIZAÇÃO PREVENTIVA DA CONSTITUCIONALIDADE


A apreciação da constitucionalidade dos decretos da Assembleia da República.

Abençoado Tribunal Constitucional

apanhados na curva pelo Tribunal Constitucional

extinção do Tribunal Constitucional

polémicas decisões do Tribunal Constitucional

felizmente o Tribunal Constitucional não deixou

Estas são algumas das referências que encontramos nos debates parlamentares relativamente às decisões do Tribunal Constitucional, em particular, às adotadas em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade dos decretos da Assembleia da República 1. O que se compreende, porque são raros os casos em que uma iniciativa merece o consenso das forças políticas parlamentares, pelo que, em regra, há quem esteja a favor e quem esteja contra a sua aprovação, logo quem se congratule ou, pelo contrário, quem se manifeste contra a decisão do Tribunal Constitucional.

Estátua Constituição

Estátua alusiva à Constituição, instalada na Sala das Sessões nos anos 20 do século XX.

Entre a aprovação de uma iniciativa legislativa em votação final global e a sua entrada em vigor há um conjunto de passos e de etapas, alguns regimentais, outros de índole constitucional, que podem postergar ou mesmo impedir a publicação como lei e, consequentemente, a sua entrada em vigor. Basta pensar no veto do Presidente da República, que pode ser por motivos políticos ou por inconstitucionalidade. Para este efeito, o Presidente da República pode requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer norma constante de decreto que lhe tenha sido enviado para promulgação como lei 2, no prazo de 8 dias a contar da sua receção. O Tribunal Constitucional tem o prazo de 25 dias para se pronunciar, podendo o Presidente da República encurtar este prazo, por motivo de urgência.

A apreciação preventiva da constitucionalidade distingue-se da apreciação sucessiva por ocorrer antes do decreto ser promulgado pelo Presidente da República, e, subsequentemente, referendado pelo Primeiro-Ministro e publicado como lei.

Desde a revisão constitucional de 1989, também o Primeiro-Ministro e um quinto dos Deputados à Assembleia da República em efetividade de funções (46 Deputados) podem pedir ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer norma constante de decreto que tenha sido enviado ao Presidente da República para promulgação como lei orgânica. As leis orgânicas são leis de valor reforçado aprovadas pela Assembleia da República sobre um conjunto de matérias que a Constituição elenca, como por exemplo, eleições dos titulares dos órgãos de soberania, regimes dos referendos, organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional, organização da defesa nacional ou criação das regiões administrativas. No caso das leis orgânicas, havendo quem mais possa solicitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade, o Presidente da República não pode promulgar decreto que tenha sido enviado para apreciação pelo Tribunal Constitucional pelo Primeiro-Ministro ou por um quinto dos Deputados em efetividade de funções, antes de aquele se pronunciar.

Em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade de decreto aprovado pela Assembleia da República, o Tribunal Constitucional pode pronunciar-se pela inconstitucionalidade – total ou de apenas algumas normas – ou não se pronunciar pela inconstitucionalidade, mas apenas relativamente às normas indicadas, contudo, não está limitado aos fundamentos invocados no pedido de fiscalização. Ou seja, o Tribunal Constitucional pode considerar uma norma inconstitucional por violação de um princípio distinto daquele que foi invocado no pedido de apreciação.

Caso o Tribunal Constitucional se pronuncie pela inconstitucionalidade, o Presidente da República é obrigado a vetar o diploma em análise e a devolvê-lo à Assembleia da República, que pode alterar ou expurgar a norma considerada inconstitucional ou ainda confirmar o decreto por maioria qualificada de dois terços. Refira-se que até hoje, nunca aconteceu a Assembleia da República ter confirmado decreto ou norma considerada inconstitucional. Se o decreto for alterado, o Presidente da República pode requerer de novo a apreciação preventiva da constitucionalidade.

Quando o Tribunal não se pronuncia pela inconstitucionalidade, o Presidente da República deve promulgar ou assinar o diploma, podendo, no entanto, exercer o direito de veto político.

Desde a criação do Tribunal Constitucional em 1982, 67 decretos aprovados pela Assembleia da República foram sujeitos à apreciação preventiva da constitucionalidade.

O primeiro acórdão a pronunciar-se pela inconstitucionalidade de um decreto aprovado pela Assembleia da República data de 1987. O decreto visava estabelecer as regras referentes ao Orçamento do Estado, procedimentos para a sua elaboração, discussão, aprovação, execução, alteração e fiscalização e responsabilidade orçamental. Na sequência da aprovação de uma moção de censura apresentada pelo PRD 3, realizaram-se eleições legislativas antecipadas, pelo que esse processo legislativo caducou.

Embora anterior, muitos ainda se recordarão do Acórdão n.º 25/84, que não se pronunciou pela inconstitu­cionalidade das normas constantes do artigo 1.º do Decreto n.º 41/III, da Assembleia da República, relativo à “Exclusão da ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária da gravidez”, bem como dos acórdãos proferidos durante o período da troica. Mais recentemente, tiveram impacto na opinião pública e nos trabalhos parlamentares os dois Acórdãos relativos aos decretos sobre morte medicamente assistida (Acórdãos n.ºs 123/21 e 5/23) tendo o decreto sido reapreciado no dia 31 de março de 2023.

A apreciação da constitucionalidade dos decretos da Assembleia da República e, nalguns casos, a sua subsequente reapreciação, transformam a intervenção do Tribunal Constitucional, quando solicitado a pronunciar-se, numa etapa do procedimento legislativo, permitindo uma maior estabilidade e confiança no sistema legislativo vigente.

Ana Vargas

[1] As iniciativas aprovadas denominam-se Decretos da Assembleia da República e são enviados ao Presidente da República para promulgação.

[2] O Presidente da República pode requerer também a apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer norma constante de tratado internacional que lhe tenha sido submetido para ratificação, de decreto que lhe tenha sido enviado para promulgação como decreto-lei ou de acordo internacional cujo decreto de aprovação lhe tenha sido remetido para assinatura.

[3] PRD é a sigla do Partido Renovador Democrático, criado em 1985, liderado primeiro por Hermínio Martinho e depois por Ramalho Eanes. Nas eleições legislativas desse ano, o PRD foi a terceira força política, contudo, nas eleições seguintes, realizadas em 1987, reduziu o número de Deputados de 45 para 7. Voltou a candidatar-se às eleições legislativas, mas não voltou a ter representação parlamentar.