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No período antes da ordem do dia de 8 de março de 1990, o Presidente da Assembleia da República, Vitor Crespo, depois de questionado pelo facto de ter permitido o uso da figura regimental da interpelação por algumas Deputadas, justifica-se referindo que “é óbvio que não têm sido feitas interpelações tal como não são interpelações 99% dos pedidos de palavra que se fazem nesta Casa ao abrigo dessa figura regimental”.
Mais à frente, depois de ter sido de novo questionado sobre a condução de trabalhos, defende-se, referindo que, desde que usadas com parcimónia e bom senso, a utilização de interpelações e da defesa da honra podem contribuir para dar algum dinamismo à atividade parlamentar e para prestigiar o Parlamento. Esclarece ainda que a Conferência de Líderes tinha optado por manter o período antes da hora do dia, apesar da agenda sobrecarregada, dado tratar-se do Dia Internacional da Mulher e confessa que havia ficado surpreendido ao verificar “que não havia nenhuma mulher inscrita para intervir.”
Apesar de não inscritas, o período antes da ordem do dia inicia-se com interpelações à Mesa por parte das Deputadas Edite Estrela (PS) e Luísa Amorim (PCP). A primeira começa por referir que não é novidade para ninguém que no dia 8 de março se comemora o Dia Internacional da Mulher, o que pode causar espanto “é a insustentável leveza com que a Assembleia da República trata os problemas da mulher.”
A Deputada Luísa Amorim intervém de seguida, referindo que a Assembleia da República não pode transformar este dia “num ritual falso, hipócrita, vazio”, devendo discutir “nesta data, projetos concretos que respondam aos problemas reais das mulheres, as quais continuam, em Portugal, a ser discriminadas e marginalizadas”.
Depois usa da palavra a Deputada Natália Correia (PRD), que também a solicitou para interpelar a Mesa:
“Poder-se-ia não consentir, mas concluir, que o desdém que aqui e hoje subestima o dia da mulher, relegando-o para o espaço fatalmente exíguo num período de antes da ordem do dia, sem prolongamento, seria um agónico espumar desse decrépito mito da superioridade viril, que nenhuma mulher a sério tomou, mas fazia de conta, porque a então florescente androcracia a tanto a constrangia.
Mas, a ser essa a razão do amesquinhamento a que se vota o dia da mulher na instituição que representa um povo maioritariamente feminino, esperar-se-ia ao menos que o cavalheirismo – que, em galanterias rendidas à mulher, era coalescente à hegemonia viril – se curvasse em vénia, ainda que hipócrita, ao dia da mulher, dando-lhe comemoração condigna nesta Assembleia.
Mas nem mesmo isso. Cuidado, Srs. Deputados, não acirreis com essas birras residualmente machistas, sem contrapartida de ramo de flores e beija-mão, um feminismo gerador do poder da mulher, que já alastra por esse mundo fora e que está a acelerar vertiginosamente o crepúsculo da soberania do varão.”
Deputadas do PS, do PCP e do PRD apresentam o Voto de Protesto n.º 134/V pela recusa do agendamento da celebração do Dia Internacional da Mulher e da sua apreciação na sessão plenária de 8 de março, que entregam na Mesa, pedindo que seja lido integralmente e votado naquela sessão plenária. O voto, previamente aprovado pela Subcomissão para a Igualdade de Direitos e Participação da Mulher, incluía vários considerandos, designadamente o facto de a celebração do dia 8 de março pela Assembleia da República ter sido sucessivamente esvaziada de conteúdo e transformada em mera liturgia de declaração de intenções, que, segundo as signatárias, em nada contribuíam para a resolução dos problemas concretos das mulheres.
Na sequência de intervenções de Deputados do PSD que responsabilizam a Mesa pela forma como estava a conduzir os trabalhos, o Deputado Lemos Damião (PSD) intervém:
“- Sr. Presidente, V. Ex.ª vai permitir-me que, como homem, me solidarize com as mulheres.
Risos do PSD.
Aplausos do PS e do PCP.
O Sr. José Lello (PS): - Ah! Valente!
O Orador: Como homem, permita-me que diga às mulheres que, quando não protestam, são mais belas.
Como homem, permita-me que diga às mulheres que devem conquistar a igualdade pelos seus méritos e não por serem mulheres.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Como homem, permita-me que diga: respeitemo-nos!
Finalmente, como homem, peço, empenhadamente, às mulheres que ajudem a criar o Dia Mundial do Homem.
Risos do PSD e do PS.”
As Deputadas Ilda Figueiredo (PCP) e Helena Torres Marques (PS), seguidas do Deputado Carlos Brito (PCP) interpelam igualmente a Mesa, para contestar a decisão de não agendamento de iniciativas relativas à mulher e para exigir a votação do voto aprovado pela Subcomissão para a Igualdade de Direitos e Participação da Mulher.
Depois de consultados os vários grupos parlamentares, no final do período de antes da ordem do dia, o voto foi posto a votação sem declarações de voto e sem discussão, tendo sido rejeitado com os votos contra do PSD e os votos a favor do PS, PCP e PRD.
Como esclareceria a Deputada Edite Estrela, o facto de não ser permitida uma declaração de voto oral, não invalidava a sua apresentação por escrito, o que foi feito de seguida.
Ana Vargas