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O VOTO DAS MULHERES CASADAS (1946)


No sessão de 29 de janeiro de 1946, o Deputado Pinto Coelho apresentava um requerimento para que o Decreto-Lei n.° 35 426, de 31 de dezembro de 1945, sobre as normas a observar no recenseamento eleitoral para a eleição do Presidente da República e da Assembleia Nacional, fosse submetido à apreciação da Assembleia Nacional. Nesse requerimento, o Deputado referia, em particular, a necessidade de analisar a questão do direito de voto das mulheres.

O diploma determinava que podiam votar as mulheres maiores e emancipadas, com habilitações literárias ou que, sendo chefes de família, pagassem impostos no valor não inferior a 100$00. Eram consideradas chefes de família “as mulheres viúvas, divorciadas, judicialmente separadas de pessoa e bens ou solteiras, com reconhecida idoneidade moral, que vivam inteiramente sobre si”. O decreto-lei excluía, assim, do direito de voto, “a mulher casada que não esteja judicialmente separada de pessoas e bens, e cujo marido possua capacidade eleitoral”.


Mulher portuguesa, graças ao Estado Novo tens a estabilidade da família, a liberdade religiosa...: a Salazar o deves. [Lisboa, SNI, 1945-46], Biblioteca Nacional de Portugal.

A 23 de março, após apreciação pelas Comissões de Legislação e Redação e de Política e Administração Geral e Local, a proposta de lei para a alteração do diploma é apresentada no Plenário.

A iniciativa prevê agora o direito de voto das mulheres casadas, desde que saibam ler e escrever e cuja contribuição predial própria ou do casal seja superior a 200$00.

O Deputado Pinto Coelho relata os trabalhos das Comissões, que não acolheram o parecer da Câmara Corporativa de “não reconhecer o direito de voto às mulheres casadas pela necessidade de se evitar a desunião da família, possível quando surgissem diversidades de opiniões políticas entre os cônjuges”.

Para as Comissões, a dignificação da família não passa por negar o direito de voto da mulher casada, pois a sua função de “guarda da paz familiar” não é afetada por esse facto. O Deputado argumenta que, como o é voto secreto, nada obriga os cônjuges a partilhar a sua escolha e, “não havendo choque, não há desunião”. Por outro lado, mesmo nos casos “de supor relativamente raros” em que há divergência de opinião, essa diversidade que pode conduzir a desavenças, existe independentemente do direito de voto da mulher.

Pinto Coelho prossegue na defesa do alargamento do direito de voto às mulheres casadas como forma, na maioria dos casos, de “comunhão de ideias e unidade de vistas entre os cônjuges” e de permitir à família dispor de dois votos.

O requisito de saber ler e escrever é justificado pela necessidade de instrução e cultura que permita “o mínimo de consciência indispensável para tomar uma decisão importante como é o exercício do direito do voto em eleições gerais.”

A questão do pagamento de contribuição predial superior a 200$00 é justificada pela necessidade de defender as “pequenas unidades familiares, assentes numa base patrimonial, criada tantas vezes pelo longo trabalho de gerações, sempre continuadas e mantidas pelo espirito na unidade familiar” e porque “nos elementos dessas famílias se encontrará, ligado à estabilidade da terra e da casa, aquele índice de solidez, de noção de realidades, de bom senso, que geram a consciência dos interesses coletivos.”

O Deputado Mendes Correia considera o alargamento do voto ao sexo feminino uma forma de homenagear as mulheres e de reconhecer “que são seres humanos e seres pensantes como os homens”. Considera que, sendo o acordo e a harmonia a regra entre os casais, “o voto da mulher casada representa afinal o mesmo que representaria a concessão de um voto plural a cada unidade familiar”.

Sobre a capacidade das mulheres para funções públicas, defende que o “génio, as profissões masculinas, a vida exterior não representam felicidade” e recorda a matemática russa Sonja Kowalewski (1850-1891), que, sendo bem sucedida na profissão, foi do “ponto de vista, social e moral, uma grande infeliz”.


A Deputada Maria Van Zeller nos Passos Perdidos, em 1945.

A Deputada Maria Van Zeller começa por afirmar que não pretende reivindicar para a mulher mais direitos para que esta passe a “considerar-se em absoluta igualdade, melhor, em absoluta equiparação com o homem ou até, numa exagerada tentativa de emancipação, pudesse ter a veleidade de querer suplantá-lo”, o que seria uma contradição com o “respeito que a mulher se deve a si própria (…) e com o espírito da política de regresso da mulher ao lar, tão necessária e vantajosa para que a família seja uma célula social verdadeiramente digna desse nome.”

Maria Van Zeller esclarece ainda que é a favor da ampliação dos direitos políticos da mulher, na medida em que estes a possam tornar “defensora de si própria, do santuário da sua casa e dos legítimos interesses de todos os membros da sua família.”

Considera que o direito de voto das mulheres casadas é mais útil e tem mais interesse para o Estado do que o voto das solteiras, pois as mulheres casadas têm, geralmente uma “personalidade mais definida e responsabilidades mais pesadas”, o que lhes permite “maior segurança” e “mais consciência e ponderação”.

A proposta para a extensão do direito de voto às mulheres casadas, que soubessem ler e escrever e cuja contribuição predial própria ou do casal fosse superior a 200$00, foi aprovada na mesma sessão, dando origem à Lei n.º 2015, de 28 de maio de 1946.

Teresa Fonseca