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Menos de um mês depois da Revolução de 5 de Outubro de 1910, que implantou a República, o Governo Provisório da República Portuguesa publica o decreto com força de lei, de 3 de novembro, estabelecendo o divórcio. O decreto, assinado entre outros, por Joaquim Teófilo Braga, António José de Almeida, Afonso Costa, José Relvas e Bernardino Machado, prevê o divórcio litigioso e por mútuo consentimento. Portugal é então o segundo país europeu – depois da Noruega – a consagrar o divórcio por mútuo consentimento 1.
O decreto prevê a sua apreciação pela próxima Assembleia Nacional Constituinte e a incorporação na reforma do Código Civil e do Código do Processo Civil. A 27 de dezembro do mesmo ano, são publicados dois decretos com força de lei, emanados do Ministério da Justiça, o primeiro sobre casamento como contrato civil e o segundo sobre proteção aos filhos. O Decreto n.º 1 define o casamento como um contrato puramente civil e que se presume perpétuo, sem prejuízo da sua dissolução por divórcio.
Apesar de a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, na qual participavam, entre outras, Ana de Castro Osório, Carolina Beatriz Ângelo e Adelaide Cabete, pugnar pelo sufrágio feminino, a maior ênfase da sua atuação é posta na revisão das matérias reguladas pelo Código Civil, como o divórcio, a proteção dos filhos e a administração dos bens do casal, questões que afetavam a vida de milhares de mulheres.
A Paródia, ano 6, n.º 175, 29 de dezembro 1906, HML.
Tanto assim é que, ainda durante a Monarquia, o Deputado Reboredo de Sampaio e Mello intervém na reunião da Câmara dos Deputados, de 19 de maio de 1908, lembrando que nove anos antes, tinha apresentado um projeto de lei estabelecendo o divórcio em Portugal, incluindo por mútuo consentimento, que foi enviado para a comissão de legislação civil para dar parecer, o que nunca aconteceu.
De acordo com o Deputado, é para “(…) a mulher que é principalmente o divórcio. O homem, pela sua mais ampla liberdade de ação e dos amores fáceis e transitórios que a sociedade lhe não censura, pode remediar em grande parte os dissabores de uma união conjugal malsucedida. A mulher só pelo divórcio e pela nova união matrimonial pode libertar-se de um casamento desgraçado, realizar os seus sonhos e desejos de felicidade que o amor lhe desperte e a que tem direito como o homem, e sair assim da falsa situação social que o mundo lhe cria fora do casamento.
Também ela não deixa nunca de votar pelo divórcio em todos os congressos feministas, provando as estatísticas que é ela que principalmente recorre a ele, porque é ela que principalmente precisa dele.
A separação de pessoas e bens não é suficiente para obviar a essas falsas e intoleráveis situações conjugais. Ela é imoral e absurda, porque decreta uma simples separação de corpos aonde há uma separação de almas e porque impede as novas uniões, filhas do amor ou da afeição que possam trazer ao homem ou à mulher a felicidade que não encontraram na primeira, e ainda por que, impedindo essas segundas uniões legítimas, conduz à prostituição e ao nascimento de filhos adulterinos, vítimas inocentes dos preconceitos sociais.”
Apesar do pioneirismo português relativamente a esta matéria, trinta anos depois da publicação do decreto que permite o divórcio, litigioso e por mútuo consentimento, em 1940, é assinada e ratificada a Concordata celebrada com o Vaticano, que volta a dar efeitos civis ao casamento católico, interditando nestes casos o divórcio.
Ana vargas
[1] Torres, Anália Cardoso, O Divórcio em Portugal, Ditos e Interditos, Oeiras, Celta Editora, 1996, p. 31 e ss.