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DIREITO DE TODOS CONSTITUÍREM FAMÍLIA E CONTRAÍREM CASAMENTO EM CONDIÇÕES DE PLENA IGUALDADE


Análise dos debates sobre as iniciativas relativas ao casamento e à adoção por pessoas do mesmo sexo.

A união de facto entre pessoas do mesmo sexo é reconhecida em Portugal desde 2001. A Lei n.º 7/2001, de 11 de agosto, “Adota medidas de proteção das uniões de facto" revogou a Lei n.º 135/99, de 28 de agosto, que definia a união de facto como “a situação jurídica das pessoas de sexo diferente que vivem em união de facto há mais de dois anos”. Esta era uma formulação mais restritiva que a fixada para o casamento pela Constituição da República Portuguesa, no n.º 1 do artigo 36.º, aprovado em 1976 e inalterado desde então, que estabelece que “Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade”.

No debate havido a propósito da redação desta norma, na Assembleia Constituinte, a 8 de outubro de 1975, o Deputado José Luís Nunes (PS) defendeu que “a família não pode ser definida constitucionalmente; a Constituição é uma Constituição Política, e não devemos ter uma definição política de família.” E contrapôs o que designou de definição infelicíssima de casamento constante do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, segundo a qual o “casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir legitimamente a família mediante uma comunhão de vida.”

Apesar do avanço concretizado em 2001 e que se refletia no reconhecimento às pessoas vivendo em união de facto de alguns direitos, como o direito à casa de morada de família, imposto sobre o rendimento, segurança social e proteção em caso de acidente de trabalho, esta lei reservava o direito de adoção às pessoas de sexo diferente que viviam em união de facto.

Entre 2001 e 2009, diferentes direitos foram reconhecidos às pessoas em união de facto, como a aquisição da nacionalidade (Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril) ou o reagrupamento familiar, previsto no regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional (Lei n.º 23/2007, de 4 de julho). Manteve-se, contudo, a proibição de adoção e de recurso às técnicas de procriação medicamente assistida às pessoas do mesmo sexo unidas de facto (artigo 6.º n.º 1 da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho).

Em 2004, a revisão constitucional fez um aditamento ao n.º 2 do artigo 13.º da Constituição, que consagra o princípio da igualdade, proibindo a discriminação em função da orientação sexual, anteriormente acolhida pelo Tratado de Amesterdão 1.

Dois anos depois, na X Legislatura, os grupos parlamentares do BE e do PEV apresentaram iniciativas legislativas (Projetos de Lei n.ºs206/X (BE) e 218/X (PEV)), que visavam alterar o Código Civil e permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, tendo ambas sido rejeitadas. Estas iniciativas foram debatidas em conjunto com uma Petição com mais de 7 mil assinaturas, dinamizada pela ILGA Portugal.

Na legislatura seguinte, em 2009, os grupos parlamentares do BE e do PEV apresentaram, de novo, projetos sobre a mesma questão, a que se juntou a iniciativa apresentada pelo Governo (Proposta de Lei n.º 7/XI). Na exposição de motivos, é invocada a jurisprudência do Tribunal Constitucional que, no Acórdão n.º 359/2009 2 considera que a Constituição, "no conjunto dos seus princípios e disposições relevantes, fornece um enquadramento jurídico-constitucional aberto quanto à liberdade de conformação do legislador em matéria de casamento entre pessoas do mesmo sexo".

Em simultâneo, foi apreciada uma iniciativa popular de referendo, que, segundo os primeiros subscritores, reunia mais de 90 mil assinaturas 3 e que propunha a seguinte pergunta:

- Concorda que o casamento possa ser celebrado entre pessoas do mesmo sexo?

Esta iniciativa foi rejeitada, bem como os projetos apresentados pelos grupos parlamentares do BE e do PEV.

A 11 de fevereiro de 2010, o texto final, apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à iniciativa apresentada pelo Governo foi aprovado em votação final global, com os votos favoráveis dos grupos parlamentares do PS, PCP, BE e PEV, dando origem à Lei n.º 9/2010, de 31 de maio – “Permite o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo”.

Antes de promulgar esta lei, o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, requereu a apreciação da constitucionalidade ao Tribunal Constitucional, que não se pronunciou pela inconstitucionalidade das normas 4 constantes do pedido, considerando que:

“(…) sendo embora certo que, na perspetiva biológica, sociológica ou antropológica, constituem realidades diversas a união duradoura entre duas pessoas do mesmo sexo e duas pessoas de sexo diverso, no aspeto jurídico a equiparação de tratamento não é destituída de fundamento material. Na verdade, é razoável que o legislador possa privilegiar o efeito simbólico e otimizar o efeito social antidiscriminatório do tratamento normativo, estendendo à tutela dessas uniões o quadro unitário do casamento.”

Em 2016, esta Lei é alterada pela Lei n.º 2/2016, passando a ser reconhecido o direito de adoção por pessoas casadas com cônjuges do mesmo sexo. A lei determina ainda que todas as disposições legais relativas ao casamento, adoção, apadrinhamento civil e outras relações jurídicas familiares devem ser interpretadas à luz das suas disposições, independentemente do sexo dos cônjuges.

A Lei n.º 2/2016 que “Elimina as discriminações no acesso à adoção, apadrinhamento civil e demais relações jurídicas familiares” tem na sua base cinco iniciativas legislativas, do BE, PS, PEV e PAN, que, depois de aprovadas, deram origem ao Decreto que foi devolvido, sem promulgação, pelo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva. Na mensagem que enviou à Assembleia da República, explicitou que o fazia por considerar que não tinha sido realizado um amplo debate público que considerava fundamental ao proceder-se a alterações numa matéria de grande sensibilidade social.



Na reunião plenária de 11 de fevereiro de 2016, o Decreto foi confirmado pelos votos da maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções.

Como diria o Deputado Pedro Delgado Alves, no debate que se realizou antes da votação:

“Não fica tudo feito, subsistem outras discriminações, há muito trabalho pela frente. Mas quanto a este trabalho, que tanto custou a este Parlamento e que tanto custou às famílias deste País que tiveram de aguardar por esta resposta, hoje, finalmente — pensei poder já tê-lo dito antes —, reitero o que tinha dito na altura: peço desculpa pela demora, em nome da República Portuguesa, e espero, uma vez mais, que a vossa paciência e a vossa dignidade sejam finalmente recompensadas com esta votação.”

Ana Vargas




[1] Tratado de Amesterdão que altera o Tratado da União Europeia, os Tratados que instituem as Comunidades Europeias e alguns atos relativos a esses Tratados, ratificado pelo Presidente da República, a 19 de fevereiro de 1999, após aprovação, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/99, de 6 de janeiro de 1999.

[2] O Acórdão n.º 359/2009, de 9 de Julho, do Tribunal Constitucional, considerou que “No tratamento da questão de saber se o direito de contrair casamento previsto na Constituição deve ser estendido ao casamento entre pessoas homossexuais devem, pois, ser excluídos quer o entendimento segundo o qual essa extensão não envolveria uma redefinição judicial do casamento, quer o entendimento segundo o qual o casamento objeto de tutela constitucional envolve uma petrificação do casamento tal como este é hoje definido na lei civil.” Ou seja, a Constituição não impõe ao legislador que consagre a possibilidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas não o impede de fazer.
Este Acórdão resultou do recurso interposto por duas recorrentes a quem foi sucessivamente negado o direito de casarem pelo Conservador do Registo Civil, pelo Tribunal de primeira instância e pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

[3] De acordo com o Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, publicado no Diário da Assembleia da República, II Série A, n.º 23, de 9 de janeiro de 2010, não foi possível aos serviços da Assembleia da República, no curto prazo que foi concedido para elaboração do parecer, proceder à contagem do elevado número de assinaturas que acompanha a iniciativa.

[4] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 121/2010.