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AS REVISÕES CONSTITUCIONAIS


As revisões ordinárias e extraordinárias da Constituição de 1976.

“Podia a Constituição da República assistir indiferente, da janela, ao desfile dos acontecimentos, à revogação das vontades, às novas correlações de forças, a todo um exercício quotidiano do poder constituinte, sem se misturar com a vida e evoluir com ela?”

Deputado Almeida Santos (PS) in Diário da Assembleia da República (DAR), 2 de junho de 1989.

 

No passado dia 6 de outubro de 2022, o grupo parlamentar do Chega (CH) apresentou um projeto de Revisão Constitucional - Projeto de Revisão Constitucional n.º 1/XV/1.ª (CH) – “Uma Constituição para o futuro de Portugal”, que foi publicado no DAR no mesmo dia e anunciado e admitido a 12 de outubro.

A Assembleia da República pode rever a Constituição decorridos cinco anos sobre a data da publicação da última lei de revisão ordinária ou assumir, em qualquer momento, poderes de revisão extraordinária por maioria de quatro quintos dos Deputados em efetividade de funções, ou seja, 184 Deputados.

Como a última revisão ordinária se concluiu em 2004, aquando da publicação da Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de julho, “Sexta Revisão Constitucional”, a Assembleia da República retomou os poderes de revisão ordinária em 2009.

A iniciativa da revisão compete aos Deputados, sendo que, depois da apresentação de um projeto de revisão constitucional, quaisquer outros terão de ser apresentados no prazo de trinta dias.

Dentro deste prazo foram apresentados projetos de revisão constitucional por todos os grupos parlamentares e Deputados únicos representantes de um partido (DURP):

- Projeto de Revisão Constitucional n.º 2/XV/1 (BE) - Novos direitos, solidariedade e clima: uma Constituição para o século XXI;

- Projeto de Revisão Constitucional n.º 3/XV/1 (PS) - Projeto de Revisão Constitucional;

- Projeto de Revisão Constitucional n.º 4/XV/1 (IL) - Uma reforma liberal da Constituição;

- Projeto de Revisão Constitucional n.º 5/XV/1 (L) - Aumentar direitos, proteger o planeta, alargar o regime democrático;

- Projeto de Revisão Constitucional n.º 6/XV/1(PCP) - Projeto de Revisão Constitucional;

- Projeto de Revisão Constitucional n.º 7/XV/1(PSD) - Um projeto de revisão constitucional realista, reformista e diferenciador - 40 propostas nos 40 anos da revisão constitucional de 1982;

- Projeto de Revisão Constitucional n.º 8/XV/1 (PAN) - Aprova a oitava revisão da Constituição da República Portuguesa, de 2 de abril de 1976.

Capa de dossiê

Findo aquele prazo, é constituída Comissão Eventual de Revisão Constitucional (CERC) à qual compete apreciar as propostas de alteração à Constituição e submeter ao Plenário a aprovação de qualquer delas ou de textos de substituição, bem como proceder à redação final das alterações aprovadas e inseri-las nos lugares próprios da Constituição. A CERC foi empossada no dia 4 de janeiro e é presidida pelo Deputado Joaquim Pinto Moreira (PSD). Tal como as restantes comissões parlamentares permanentes, é constituída por 26 membros, integrando representantes de todos os grupos parlamentares e os dois DURP.

Tomada de posse da CERC

Tomada de posse da CERC, 4 de janeiro de 2023, Arquivo Fotográfico da Assembleia da República.


As revisões constitucionais ordinárias

Das sete revisões à Constituição aprovadas, quatro resultaram de um processo de revisão ordinário. A Constituição aprovada em 1976 previa expressamente que a Assembleia da República teria poderes de revisão constitucional na II Legislatura.

Assim, foi nessa legislatura (13.11.1980 a 30.05.1983) que decorreu o primeiro processo de revisão constitucional ordinário. O processo foi desencadeado pela apresentação do Projeto de Revisão Constitucional n.º 1/II/1, da ASDI, que foi depois retirado dado que os seus autores subscreveram, juntamente com Deputados do PS e da UEDS, o Projeto de Revisão Constitucional n.º 4/II/1. Foram ainda apresentados os Projetos de Revisão Constitucional n.ºs 2/II/1 (PSD, CDS, PPM); 3/II/1 (PCP) e 5/II/1 (MDP/CDE) 1. Os trabalhos da CERC decorreram entre 25 de setembro de 1981 e 13 de agosto de 1982.

A revisão operada pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro, que introduziu alterações em 237 artigos, diminuiu a carga ideológica da Constituição, extinguiu o Conselho da Revolução, criou o Tribunal Constitucional e reforçou os poderes do Presidente da República e da Assembleia da República.

Documento com le constitucional de 1982

Última página do texto da Lei Constitucional n.º 1/82, promulgada pelo Presidente da República, António Ramalho Eanes, Arquivo Histórico Parlamentar.

Na V Legislatura (13.08.1987 a 03.11.1991), decorreu o segundo processo de revisão constitucional, iniciado pela apresentação de um projeto de revisão constitucional pelo grupo parlamentar do CDS, a que se somaram projetos apresentados pelos restantes grupos parlamentares, bem como por Deputados independentes ou integrados em grupos parlamentares 2. A Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de julho, “Segunda revisão da Constituição”, foi fruto de um extenso trabalho da CERC, que reuniu 111 vezes, a que se seguiu o debate em 22 reuniões plenárias. Esta revisão, entre outras alterações resultantes dos 201 artigos modificados, pôs termo ao princípio da irreversibilidade das nacionalizações diretamente efetuadas após o 25 de Abril de 1974 e consagrou o referendo a nível nacional.

Na VII Legislatura (27.10.1995 a 24.10.1999), foi desencadeado novo processo de revisão constitucional, tendo o CDS-PP apresentado, de novo, o primeiro projeto de revisão, a que se somaram dez projetos subscritos por todos os grupos parlamentares e, nalguns casos, por Deputados em nome individual 3. Também neste processo de revisão, o número de reuniões da CERC ultrapassou a centena, a que se seguiu o debate em Plenário. A Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro, “Quarta revisão constitucional”, alterou 192 artigos, reforçou o papel da iniciativa privada e, em matéria de organização do poder político, passou a admitir a existência de círculos plurinominais e uninominais nas eleições legislativas. Permitiu a extensão do direito de voto nas eleições presidenciais aos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro com laços de efetiva ligação à comunidade portuguesa, bem como a iniciativa popular de referendo.

O processo de revisão que viria dar origem à Sexta Revisão Constitucional, decorreu na IX Legislatura (2002.04.05 a 2005.03.09), tendo sido desencadeado pela apresentação, pelo grupo parlamentar do PS, de um projeto de revisão constitucional (Projeto de Revisão Constitucional n.º 1/IX/2), que, na exposição de motivos, explicitava que o projeto respeitava essencialmente às regiões autónomas, com o objetivo de estabilização de um quadro constitucional autonómico. Foram apresentados e apreciados mais cinco projetos de revisão constitucional, subscritos pelos diversos grupos parlamentares e um da autoria da Deputada do PS, Jamila Madeira 4.

Os trabalhos de revisão decorreram entre janeiro e abril de 2004, data em que o texto foi aprovado em reunião plenária, dando origem à Lei Constitucional n.º 1/2004,  de 24 de julho, “Sexta revisão constitucional”. Esta revisão aprofundou a autonomia político-administrativa das regiões autónomas dos Açores e da Madeira, aumentando os poderes das respetivas Assembleias Legislativas e eliminando o cargo de Ministro da República que foi substituído pelo Representante da República.

 

As revisões constitucionais extraordinárias

Três revisões da Constituição resultaram da assunção de poderes de revisão extraordinários, tendo, nos três casos, o impulso inicial nascido da necessidade de adaptar o quadro constitucional de molde a permitir a ratificação e cumprimento de tratados internacionais.

A primeira revisão constitucional extraordinária ocorreu na VI legislatura, em 1992, depois de a Assembleia ter assumido poderes de revisão extraordinários através da Resolução n.º 18/92, de 11 de junho.

A CERC apreciou seis projetos de revisão e os trabalhos foram concluídos com a aprovação da Lei Constitucional n.º 1/92, de 25 de novembro, “Terceira revisão constitucional”. Esta revisão visava adaptar o regime constitucional ao Tratado de Maastricht, incluindo a previsão de Portugal poder convencionar o exercício em comum dos poderes necessários à construção da união europeia, bem como a possibilidade de, em condições de reciprocidade, a lei atribuir aos cidadãos dos Estados-membros da União Europeia residentes em Portugal o direito de elegerem e serem eleitos Deputados ao Parlamento Europeu.

A segunda revisão constitucional extraordinária decorreu na VIII Legislatura (25.10.1999 a 04.04.2002), depois de a Assembleia ter assumido poderes de revisão constitucional extraordinária, através da aprovação da Resolução n.º 27/2001, de 4 de abril. Foram apreciados três projetos de revisão, apresentados, respetivamente, pelo PSD, CDS-PP e PS (n.ºs 1/VIII/2; 2/VIII/2 e 3/VIII/2), que deram origem à Lei Constitucional n.º 1/2001, de 12 de dezembro, “Quinta revisão constitucional”. Esta revisão destinava-se a permitir a ratificação por Portugal do Estatuto de Roma, que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional. Contudo, a revisão terminou por abarcar outras matérias, como o reforço dos direitos dos cidadãos dos Estados de língua portuguesa e o regime de extradição e as restrições ao exercício de direitos por parte de militares, agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efetivo, bem como por agentes dos serviços e das forças de segurança.

Capa da revisão constitucional de 2005

Na X Legislatura (10.03.2005 a 14.10.2009), a Assembleia da República aprovou a Resolução n.º 15/2005, de 15 de abril, de assunção de poderes de revisão constitucional extraordinária. Todos os grupos parlamentares apresentaram projetos de revisão constitucional 5, que deram origem à “Sétima Revisão Constitucional”, aprovada pela Lei Constitucional n.º 1/2005, de 12 de agosto, que adita um novo artigo, com a epígrafe “Referendo sobre tratado europeu”.

Processos de revisão constitucional não concluídos

Como referiu o Deputado Pedro Delgado Alves, que presidiu à CERC constituída na legislatura anterior, “tivemos sete revisões constitucionais, mas bastantes mais comissões eventuais de revisão constitucional”.

O primeiro processo de revisão constitucional não concluído ocorreu na VI Legislatura (4.11.1991 a 26.01.1995). Estiveram em debate 15 projetos de revisão constitucional 6 apresentados por todos os grupos parlamentares e por diversos Deputados do PS e do PSD, isoladamente ou em conjunto com outros Deputados. Tratava-se de uma revisão ordinária, dado que tinham decorrido cinco anos sobre a data da publicação da última lei de revisão ordinária. O processo de revisão foi desencadeado pelo Projeto de Revisão Constitucional n.º 1/VI/3 (PS). A 27 de outubro de 1994, a Assembleia deliberou suspender os trabalhos da CERC “até ao momento em que, ao longo da presente Legislatura, se verifiquem condições de trabalho útil, particularmente a realização de reuniões bilaterais dos grupos parlamentares, para a celeridade e concretização dos trabalhos no prazo definido pela deliberação da Assembleia da República.”

Na XI Legislatura (15.10.2009 a 19.06.2011), foram apresentados e apreciados pela CERC constituída para o efeito dez projetos de revisão constitucional. O processo de revisão foi desencadeado pelo Projeto de Revisão Constitucional n.º 1/XI/2 (PSD), tendo depois sido apresentados projetos por todos os grupos parlamentares 7.

Além dos projetos apresentados pelos grupos parlamentares, o Deputado José de Matos Correia, do PSD, apresentou o Projeto de Revisão Constitucional n.º 8/XI/2 e houve mais três projetos de revisão constitucional sobre matéria autonómica: os Projetos de Revisão Constitucional n.ºs 6 e 7/XI/2, ambos subscritos por  Deputados do PSD, e o Projeto de Revisão Constitucional n.º 10/XI/2, do Deputado  José Manuel Rodrigues, do CDS-PP. A CERC trabalhou entre outubro de 2010 e março de 2011, tendo então deliberado a suspensão da apresentação e discussão dos projetos, em sede de primeira leitura, até decisão do Presidente da República quanto à dissolução ou não da Assembleia da República 8, o que veio a verificar-se, tendo as iniciativas caducado.

Na legislatura seguinte, a XII (20.06.2011 a 22.10.2015), foi empossada e esteve em funções uma CERC, que apreciou e rejeitou as duas iniciativas então apresentadas: Projeto de Revisão Constitucional n.º 1/XII/3 (PSD) – “Autonomia Século XXI (Renovar Abril)” e Projeto de Revisão Constitucional n.º 2/XII/3 (CDS-PP) – “Mais Autonomia - Mais Democracia”.

Na XIV Legislatura (25.10.2019 a 28.03.2022), foi constituída uma CERC na sequência da apresentação de um projeto de revisão constitucional, pelo CH, que, entretanto, apresentou mais cinco projetos, que posteriormente retirou em prol do Projeto de Revisão Constitucional n.º 3/XIV/2 (CH) – “Altera diversas normas constitucionais”. O grupo parlamentar da IL também apresentou o Projeto de Revisão Constitucional n.º 5/XIV/2 – “Uma Constituição para o Século XXI”, que depois retirou 9, pelo que a CERC apenas debateu e votou a iniciativa apresentada pelo CH, que foi rejeitada.

Todos estes processos foram interrompidos antes de serem enviados a Plenário, para discussão e votação na especialidade.

As alterações da Constituição são aprovadas por maioria de dois terços dos Deputados em efetividade de funções, ou seja, 153 Deputados, e o Presidente da República não pode recusar a promulgação da lei de revisão.

Ana Vargas




[1] Siglas: ASDI: Ação Social Democrata Independente; UEDS: União de Esquerda Socialista Democrática; PPM: Partido Popular Monárquico; MDP/CDE: Movimento Democrático Português/Comissão Democrática Eleitoral.

[2] Foram apresentados e apreciados os seguintes projetos de revisão constitucional: 1/V/1 (CDS); 2/V/1 (PCP); 3/V/1 (PS); 4/V/1 (PSD); 5/V/1 (PS); 6/V/1 (PS); 7/V/1 (ID); 8/V/1 (PEV); 9/V/1 (PRD); 10/V/1 (PSD).

[3] Nesta revisão foram debatidos 11 projetos de revisão constitucional: 1/VII/1 (CDS-PP); 2/VII/1 (PSD); 3/VII/1 (PS); 4/VII/1 (PCP); 5/VII/1 (PSD); 6/VII/1 (PSD); 7/VII/1 (PS); 8/VII/1 (PS); 9/VII/1 (PSD); 10/VII/1 (PEV); e 11/VII/1 (PCP).

[4] Para além do projeto de revisão constitucional apresentado pelo PS, foram apresentados os projetos 2/IX/2 (BE); 3/IX/2 (PSD, CDS-PP); 4/IX/2 (PCP); 5/IX/2 (PS); 6/IX/2 (PEV).

[5] Foram apresentados e debatidos os projetos 1/X/1 (PS); 2/X/2 (PCP); 3/X/2 (PSD); 4/X/2 (CDS-PP); 5/X/2 (PSD); 6/X/2 (PEV).

[6] Foram depois apresentados os Projetos de Revisão Constitucional n.ºs 2/VI/3 (CDS-PP); 3/VI/3 (PSN); 4/VI/3 (PSD); 5/VI/3 (PS); 6/VI/3 (PSD); 7/VI/3 (PS); 8/VI/3 (PSD); 9/VI/3 (PEV); 10/VI/3 (PCP); 11/VI/3 (Raúl Castro indep); 12/VI/3 (PS); 13/VI/3 (Luís Fazenda indep); 14/VI/3 (PSD);15/VI/3 (PSD).

[7] Projetos de Revisão Constitucional n.ºs 2/XI/2 (PCP); 3/XI/2 (PEV); 4/XI/2 (BE); 5/XI/2 (CDS-PP); e 9/XI/2 (PS).

[8] A 23 de março de 2011, devido à rejeição do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) 2011-2014, José Sócrates apresentou a sua demissão. A 31 de março, o Presidente da República convocou o Conselho de Estado que se manifestou, por unanimidade, favorável à dissolução da Assembleia da República.

[9] Nas declarações de voto apresentadas no final dos trabalhos, o Deputado João Cotrim de Figueiredo (IL) refere que retirou o projeto de revisão de forma a dar “maior profundidade, maior dignidade e maior escopo àquilo que venha a ser um processo mais alargado de consulta, discussão e confronto de ideias.”

Bibliografia: Gonçalves, Fernando Paulo – “A revisão constitucional na Constituição de 1976” e Abraúl, Teresa – “Quadro Revisão constitucional”. In Como funciona o Parlamento, Lisboa, Assembleia da República, 2019.