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O direito de petição nos vários períodos constitucionais.
A petição, como a própria palavra indica, é um pedido feito a um órgão ou entidade, sendo que as petições apresentadas aos parlamentos são tão antigas quanto estes.
Em Portugal, já as Cortes Gerais e Extraordinárias, eleitas em 1820 e que iniciaram funções em janeiro de 1821, recebiam e analisavam petições e, tal como ainda hoje acontece, nalguns casos estas eram remetidas ao Governo para que informasse sobre o assunto da petição.
O direito de petição consta das Bases da Constituição de 1821 e é consagrado no artigo 16.º da Constituição de 1822:
“Todo o português poderá apresentar por escrito às Cortes e ao poder executivo reclamações, queixas ou petições, que deverão ser examinadas.”
A Carta Constitucional, outorgada por D. Pedro em 1826 e que tem três períodos de vigência (abril de 1826 a maio de 1828, agosto de 1834 a setembro de 1836 e janeiro de 1842 até à Implantação da República), consagra também o direito de petição que, contudo, passa para o último Título da Constituição, juntamente com as garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos portugueses. O direito de petição tem uma formulação mais ampla da que constava na Constituição de 1822, dado que é reconhecido aos cidadãos o direito de “expor qualquer infração da Constituição, requerendo perante a Autoridade a efetiva responsabilidade dos infratores”.
A Constituição de 1838 mantém quase inalterada a formulação constante da Carta Constitucional, no que toca ao direito de petição, mas volta a incluir os direitos dos cidadãos no início da Constituição, conferindo-lhes desta forma mais dignidade e importância.
Durante o período da Monarquia Constitucional, em vários debates são mencionados ou defendidos peticionantes e é indagado o Governo sobre o andamento dado a determinado assunto mencionado numa petição. É também frequentemente invocado e ressalvado o direito de petição por parte dos cidadãos e a importância do respeito que lhe é devido pelas entidades a quem é apresentado.
A 28 de janeiro de 1844, durante o terceiro período de vigência da Carta Constitucional, que se estenderia até 1910, o Deputado Almeida Garrett, numa longa intervenção, diz, a dado momento, o seguinte:
“(…) o direito de petição, é um direito que pela Carta está garantido a todos os Portugueses; antes dela existir já se achava estabelecido esse direito; porque desde o momento em que se formou a Sociedade, se estabeleceu o direito de petição. É um direito que ainda que a Carta o não desse, não se podia entender que era matéria omissa, é um direito tão solene que não era preciso declarar-se; mas a Carta declarou o direito de petição a respeito do Poder Legislativo, e Executivo; porque tendo-se feito nova organização desses Poderes receou o Grande Autor da Carta no seu louvável escrúpulo, que houvesse quem duvidasse se a esses Poderes se poderia dirigir, e para com eIes exercer o direito de petição.”
A 26 de janeiro de 1859, o Deputado D. Rodrigo de Menezes intervém, no âmbito de uma representação apresentada por eclesiásticos contra uma iniciativa do Governo:
“ (…) Ora, o direito de petição é sagrado, e se o maior criminoso que esteja preso na cadeia, se aqueles mesmos que eu, de alguma maneira, no desempenho do meu dever, persegui, se dirigirem a mim, podem estar certos que eu aqui apresentarei os seus requerimentos pelo direito de petição, e pelo direito do defesa, que é natural a todos.
Ora, se isto é lícito em favor do qualquer criminoso, porque não havemos do fazer o mesmo a respeito de outro qual quer cidadão, que tem o direito de petição consignado na carta constitucional?”
Entre 1822 e 1910, apesar de o enquadramento constitucional e regimental ser diferente os parlamentos contaram com comissões de petições, cujos membros eram eleitos ou designados.
O Regimento aprovado em 1827 regula o funcionamento da Comissão de Petições da seguinte forma:
“Haverá também uma Comissão de Petições composta de sete Membros, e nomeada pelas Secções da Câmara, a qual será renovada todos os meses. A esta Comissão pertence examinar todas as Petições, que forem dirigidas à Câmara, e fazer a esta um Relatório com o seu Parecer sobre as mesmas. A Comissão das Petições terá numa casa aberta ao público uma Caixa fechada para receber as Petições, e um Livro de Registo, em que estarão lançadas por ordem de datas as Resoluções tomadas, ou os destinos dados às Petições recebidas”.
Muitas petições eram lançadas na Caixa por Deputados que as anunciavam na reunião e essa prática prosseguiria durante todo o período da Monarquia Constitucional 1
A Constituição de 1911 mantém o direito de petição, acrescentando na mesma disposição que a exposição de infrações à Constituição não carece de prévia autorização. Na Assembleia Nacional Constituinte, que funciona entre junho e agosto de 1911, e que conclui os trabalhos após a aprovação da Constituição, existe uma Comissão de Petições, sendo que alguns dos seus pareceres levam à apresentação e adoção de medidas pela própria Assembleia, como foi o caso da proposta apresentada pelo Deputado Constituinte Pádua Correia, a 1 de agosto de 1911, sobre os 35 revolucionários civis:
“Considerando que a Assembleia reconheceu a urgência de dar colocação a esses 35 revolucionários, reconhecendo o Governo que os empregasse nas repartições quando e pela forma que possível fora;
Mas atendendo a que a lei de meios pode impedir, por suas disposições restritivas, que o Governo torne efetivos os bons e patrióticos desejos da Assembleia;
Atendendo a que as condições pessoais dos peticionários são extremamente precárias;
Atendendo a que, sem resoluções concretas e imediatas, o voto anterior da Assembleia resultaria um platonismo que não estava nas nossas intenções;
Proponho que a Assembleia Nacional Constituinte recomende novamente ao Governo a urgência dos referidos cidadãos serem colocados, como consta da lista anexa, em empregos do Estado, podendo dispensar-se para esse efeito as disposições regulamentares, relativas à investidura nos lugares que lhes possam aproveitar, e ainda dos aqui não incluídos que o Governo reconhecer terem igualdade de direitos.”
A Constituição de 1933, que, ao contrário das outras Constituições portuguesas, não foi elaborada por uma assembleia constituinte, também prevê o direito de petição perante os órgãos de soberania ou quaisquer autoridades. O Regimento estabelece que seja feita menção ou transcrição das petições dirigidas à Assembleia, no Diário, quando o Presidente entender que deve dar-lhes seguimento.
Curiosamente, a 5 de fevereiro de 1935, na 1.ª Sessão Legislativa de I Legislatura, são lidas petições apresentadas por presos políticos ou seus familiares, que de seguida foram enviadas ao Ministério da Justiça:
“Foi lida uma petição de 26 deportados políticos, presos na fortaleza de S. João Baptista, de Angra do Heroísmo, os quais alegam que estão presos há um ano em cárceres impróprios e que têm sido vexados pelos carcereiros.
Outra petição, de Maria da Conceição Simões Braz, António Domingues Júnior, Joaquina Rosa Ferreira, Conceição Umbelina Palmeira, Maria Gomes do Norte, Conceição Domingos Carlos, Deolinda Maria Custódia, Maria Santana, Celeste da Conceição Barros, Maria Pereira Rodrigues, todos da Marinha Grande, solicitando que seja modificada a situação de seus maridos ou filhos, condenados a desterro e presos na Fortaleza de S. João Baptista, Angra do Heroísmo, no sentido de ser levantada a prisão.”
No restante período em que funcionou a Assembleia Nacional e a Câmara Corporativa, poucas foram as petições apresentadas em sessão plenária e mais nenhuma abordou a questão dos presos ou dos deportados políticos.
Já no período democrático, a Constituição de 1976 consagra no artigo 49.º o direito de petição, reconhecendo aos “cidadãos o direito de apresentar, individual ou coletivamente, aos órgãos de soberania ou a quaisquer autoridades petições, representações, reclamações ou queixas para defesa dos seus direitos, da Constituição e das leis ou do interesse geral.” Na revisão constitucional aprovada em 1997, a esta disposição será aditada o seguinte na parte final: “(…) e bem assim o direito de serem informados, em prazo razoável, sobre o resultado da respetiva apreciação.” Com este acrescento visava-se corrigir a situação sobre a qual o então Deputado José Magalhães escreveu no Dicionário da Revisão Constitucional de 1989: “Eis o mais livre dos direitos dos cidadãos e um dos menos garantidos quanto aos resultados.”
O exercício do direito de petição, além de se encontrar consagrado na Constituição e no Regimento da Assembleia da República, encontra-se regulado em lei própria que, datando de 1990 (Lei n.º 43/90, de 10 de agosto), tem sofrido diversas alterações, a mais recente em 2020 (Lei 63/2020, de 29 de outubro). A lei dedica um capítulo às petições dirigidas à Assembleia da República, onde regula a tramitação e os efeitos, que podem ir desde a sua apreciação pelo Plenário, ao esclarecimento dos peticionantes ou à elaboração por Deputado ou grupo parlamentar de medida legislativa que se mostre justificada. Ao abrigo desta lei, na sua redação inicial, as petições com mais de 1000 assinaturas eram publicadas em Diário da Assembleia da República e apreciadas pelo Plenário. Atualmente são apreciadas pelo Plenário as petições que reúnam mais de 7500 assinaturas ou cujo relatório e parecer sejam nesse sentido, havendo um prazo para o respetivo agendamento em reunião plenária. Com base na petição, qualquer grupo parlamentar ou deputado pode apresentar projetos de lei ou de resolução para serem debatidos em conjunto. As petições subscritas por mais de 2500 cidadãos e até 7500 cidadãos são apreciadas pela comissão parlamentar competente, em debate que tem lugar logo após a apresentação do relatório final pelo deputado a quem foi distribuída. As petições com mais de 1000 assinaturas continuam a ser publicadas em Diário da Assembleia da República e é obrigatória a audição dos peticionários durante o exame e instrução pela comissão parlamentar competente.
Em 2005, passaram a ser admitidas petições eletrónicas e, em 2017, foi criada uma plataforma para submissão de petições, permitindo a recolha de assinaturas num prazo definido pelos proponentes. Simultaneamente, as petições e a sua tramitação ficaram acessíveis quer aos peticionários, quer aos cidadãos em geral.
Com frequência, as agendas do Plenário são determinadas pelos cidadãos através das petições que apresentam, debatendo-se em conjunto petições e iniciativas apresentadas pelos diversos grupos parlamentares e Deputados.
Para se perceber o alcance de uma petição, bastará recordar a Petição entregue pela Acreditar – Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro, com o título “O luto de uma vida não cabe em cinco dias”, e que rapidamente reuniu mais de 80 mil assinaturas. Foi admitida em 2021, debatida em conjunto com várias iniciativas legislativas e deu origem à Lei n.º 1/2022, de 3 de janeiro, “Alarga o período de faltas justificadas em caso de falecimento de descendente ou afim no 1.º grau da linha reta, alterando o Código do Trabalho.” No debate, realizado a 20 de novembro de 2021, Ana Catarina Mendonça Mendes inicia o debate:
“(…) um Parlamento deve ser a voz dos cidadãos e a petição subscrita por 82 000 pessoas despertou-nos para a injustiça na lei. O grito que se ouve nesta petição é o de uma dor vivida em silêncio e só pode convocar-nos a responder, na medida do que um Parlamento pode, ao seu apelo. O que hoje fazemos, nesta Assembleia da República, agradecendo profundamente a todos os peticionários que nos trouxeram esta possibilidade, é corrigir, na medida do possível, a injustiça da lei, não podendo, por isso, corrigir a injustiça da vida.”
A capacidade de adaptar o mecanismo de receção das petições, de tornar a sua tramitação mais transparente, de reforçar o diálogo com os peticionantes e garantir o tratamento em tempo, assegurou e reforçou a importância e a eficácia deste tão antigo instrumento de participação dos cidadãos.
[1] A 24 de julho de 1908, na Câmara dos Deputados, Sinel de Cordes chama a atenção da Comissão de Guerra “para um requerimento que vai lançar na caixa das petições, de D. Henriqueta de Assunção Vidigal de Mesquita, viúva do major de artilharia, Bento Joaquim de Mesquita, inspetor do material de guerra, falecido em Benguela, pedindo que seu filho seja admitido no Real Colégio Militar, dispensando-lhe a certidão de passagem à 2.ª classe do curso dos liceus.”