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INTERPELAÇÕES AO GOVERNO


“Os partidos da oposição têm alguns direitos, que tratam normalmente com todo o cuidado, com todo o empenho e com toda a seriedade. Esses direitos, no que se refere ao funcionamento da Assembleia da República, são especialmente as interpelações e os direitos de agendamento.”

Deputado António Lobo Xavier, 30 de junho de 1993

De acordo com a Constituição, em cada sessão legislativa, os grupos parlamentares, independentemente da sua dimensão, podem provocar, por meio de interpelação ao Governo, a abertura de dois debates sobre assunto de política geral ou sectorial. Ao longo das 15 legislaturas da Assembleia da República, que marcam os diferentes ciclos políticos, os grupos parlamentares têm interpelado os diferentes governos sobre as mais variadas matérias, a um ritmo constante.

As interpelações têm prioridade absoluta na fixação da ordem do dia. O debate é agendado até ao 10.º dia posterior à publicação da interpelação no Diário da Assembleia da República e é aberto com as intervenções de um Deputado do grupo parlamentar interpelante e de um membro do Governo.

Apesar das várias revisões, a figura da interpelação manteve-se praticamente inalterada na Constituição, tendo apenas sido aditado o inciso final “sectorial”, pelo que os debates abertos através de uma interpelação deixaram de ter de incidir exclusivamente sobre assuntos de política geral.

Regimentalmente, a figura da interpelação já sofreu algumas alterações, designadamente em 1988, com a revisão do Regimento aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 13-A/88, de 22 de julho. Com a sua aprovação, reduziu-se o número de intervenientes no debate e diminuiu-se substancialmente a duração das primeiras intervenções, do Deputado membro do grupo parlamentar interpelante e do membro do Governo, de 60 para 10 minutos. Outra alteração então feita resultou da inversão da ordem do encerramento, dado que, até então, o encerramento do debate era feito pelo Primeiro-Ministro ou por outro membro do Governo e por um Deputado do grupo parlamentar interpelante, passando a ser feita pelo membro do Governo depois do Deputado.

Esta alteração foi objeto de pedido de fiscalização de constitucionalidade, em conjunto com outras modificações ao Regimento da Assembleia da República. O Tribunal Constitucional considerou que não era ofensiva da Constituição, dado que não existe nenhuma norma constitucional que imponha que nas interpelações ao Governo o último a usar da palavra seja o interpelante, nem os princípios de fiscalização da atividade governativa são tocados pela alteração da ordem das intervenções.

Uma interpelação pode ainda resultar da retirada de uma moção de censura, como aconteceu em 1995, quando o grupo parlamentar do PCP retirou, antes da votação, uma moção de censura, passando a ser considerada uma interpelação. Discutiu-se então se o debate deveria ser dado por findo aquando da retirada da moção ou se deveria prosseguir, tendo-se deliberado no sentido da sua continuação.

Situação pouco comum na nossa história parlamentar foi a saída da Sala das Sessões pelos grupos parlamentares da oposição aquando do debate da interpelação ao Governo (de que era Primeiro-Ministro Aníbal Cavaco Silva, do PSD), apresentada pelo grupo parlamentar do CDS-PP, em 1993, sobre política geral, centrada na situação da agricultura portuguesa. Após interrupção dos trabalhos a requerimento do PSD 1, os Deputados do partido interpelante abandonaram o Hemiciclo, em protesto contra aquele facto, tendo sido secundados pelos Deputados do PS, do PCP, do PEV e pelos Deputados não inscritos em grupo parlamentar, Mário Tomé e Raúl Castro, sendo assim dada por finalizada a interpelação ao Governo.

Como concluiria o então Deputado Almeida Santos,“na medida em que uma interpelação sem interpelante não faz sentido, também abandonaremos a Sala, sem prejuízo de voltarmos para as votações que estão agendadas (…).”

As interpelações ao Governo são em Portugal tão antigas quanto a instituição parlamentar. Embora raras, houve interpelações ao Governo mesmo durante a Monarquia Constitucional 2.

Sendo um instrumento de fiscalização é, em regra, utilizado pelos grupos parlamentares da oposição. Mais recentemente, embora de forma esporádica, já foram apresentadas interpelações pelo grupo parlamentar maioritário, provocando a vinda do Governo à Assembleia e o consequente debate, não havendo aqui intenção de confrontar ou criticar, mas a de utilizar a arena parlamentar para divulgar a atividade governativa em determinadas áreas. Mas, como afirmou o Deputado Sousa da Câmara, na Câmara dos Deputados, a 9 de setembro de 1921, durante a I República:

 “(…) não são as maiorias que fazem interpelações aos governos. Os debates políticos só partem das minorias.”

[1] O Deputado Silva Marques (PSD) requer a interrupção dos trabalhos invocando necessidades da vida interna do grupo parlamentar.
Em resposta, o Deputado António Lobo Xavier (CDS-PP) destaca o facto de o Governo ter comparecido no debate proposto pelo seu grupo parlamentar, tendo o PSD solicitado a interrupção dos trabalhos para realizar uma conferência de imprensa, pelo que também o CDS-PP iria apresentar as conclusões da interpelação numa conferência de imprensa.

[2] A 7 de setembro de 1842, na Câmara dos Deputados, o Presidente Gorjão Henriques, referindo-se às interpelações, afirma o seguinte: “Eu já por vezes tenho ponderado à Câmara a necessidade que há de se tomar uma resolução definitiva a respeito deste negócio das interpelações. O Regimento não tem uma só vírgula a respeito de tal objeto, e então eu torno novamente a apontar a necessidade de regular estas interpelações, aliás elas serão um meio de discussão contínua. Eu entendo que a interpelação no caso presente deve ficar só no seguinte: o Sr. Faustino da Gama fez uma interpelação ao Governo, o Governo respondeu, deve o Sr. Deputado interpelante declarar se está satisfeito; uma vez que esteja, entendo que deve terminar aqui (Apoiado). No entretanto, há alguns Srs. Deputados que têm pedido a palavra; eu não lha quero cortar, mas só exijo que a Câmara tome uma resolução sobre o modo como nos havemos de haver nas interpelações, aliás serão sempre indeterminadas e indetermináveis.”