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Não haja um só indivíduo infeliz (1822)


A 23 de setembro de 1822, as Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa aprovam a Constituição de 1822. A aprovação da primeira Constituição portuguesa levanta algumas questões de ordem prática que carecem de imediata deliberação.

A primeira, é suscitada pelo Presidente então em funções, Agostinho José Freire, que questiona os Deputados sobre se se devia fazer um encerramento no fim da Constituição e uma abertura no princípio.


Cortes Constituintes de 1820, por Roque Gameiro (in "Quadros da História de Portugal", 1917)

O Deputado Borges Carneiro intervém para referir que considera conveniente o termo do encerramento, mas inútil o de abertura, porque o texto constitucional se inicia logo com o título da Constituição.

O Deputado Guerreiro defende que o que lhe parece necessário é que se cosam “todas as folhas com uma fita e as pontas desta sejam seladas e metidas dentro de uma caixa.”

Já o Deputado Ferreira Borges defende que as pontas sejam seladas na última página. No entanto, esta disputa é resolvida pelo Deputado Trigoso que lembra que o Congresso1 “não tinha chancelaria e por isso não podia usar de selo.”

A segunda questão prende-se com o dia e as formalidades de aceitação e juramento por parte do Rei D. João VI, designadamente quanto à data fixada para o efeito - 1 de outubro -, que alguns Deputados consideram um prazo demasiado curto, tendo em conta o dia de aprovação da Constituição. Debatem ainda se as Cortes devem fixar um prazo ou não. O Deputado Borges Carneiro afirma estar certo de que se o Rei souber que as Cortes e o povo de Lisboa “levam em gosto que o juramento seja naquele dia glorioso, o Rei o designará pois bem público é quanto deseja secundar as vontades da Nação.”


Mas a data escolhida, 1 de outubro, não era fruto do acaso, pois nesse dia comemorava-se a entrada dos membros da Junta do Porto em Lisboa, em 1820. Para assinalar essa data, as Cortes tinham aprovado, a 22 de agosto de 1821, um decreto sobre o laço nacional2. Nesse debate discutiu-se quem o devia usar e o prazo a partir do qual o seu uso seria obrigatório, tendo o Deputado Fernandes Tomás afirmado o seguinte:

“Os clérigos, todos sabem que o seu ofício é cantar, e que comem da Nação, e que são sustentados à custa dos mais; por isso acho desnecessário. O que eu desejava era que se acrescentasse que haveria uma comissão para os empregados que não o usarem. Por isso digo, aquele que não o trouxer, não receba ordenado”.

O debate prosseguiu sobre a data a partir da qual seria obrigatório o uso do laço3, tendo o Deputado Maldonado sugerido o dia 1 de outubro de 1821, que foi aprovado.

Voltando a 23 de setembro de 1822, o dia em que foi aprovada e assinada a primeira Constituição portuguesa, o Deputado Martins Ramos propõe a concessão de uma “amnistia geral para todos aqueles, que se acharem presos, ou implicados em crimes sobre diversidades de opiniões, e procedimentos políticos em qualquer ponto do país, a fim de que o mencionado dia do juramento da mesma Constituição seja um dia de jubilo completo para todos os indivíduos, que tem a ventura de pertencer à heroica Familia portuguesa.”

A apresentação desta proposta, que não será votada nesse dia porque não é considerada urgente e de que não se encontrará registo posterior, é fundamentada pelo proponente pelo desejo, que considera partilhado pelo Rei e pelos membros do Congresso, de que “em tão fausto dia não haja um só indivíduo da mesma Monarquia que se represente infeliz”.

A 1 de outubro de 1822, o Rei assina a Constituição, apesar de a “ordem sobre a fórmula para a publicação da Constituição” não fixar qualquer data, constando, em alternativa, a expressão “no dia que Sua Majestade designar”.

Apesar de não ter sido aprovada a amnistia, reza o Diário do Governo de 2 de outubro de 1822, que, na véspera, às sete horas da manhã, uma imensa multidão de habitantes da capital encheu as “galerias da sala das Cortes e vagava pelos corredores do mesmo Palácio, divisando-se no semblante de todos os mais decisivos, e enérgicos sinais de entusiasmo e júbilo, em que exultavam seus puros e sinceros corações de quando em quando entoavam os mais cordiais vivas à Soberania da Nação, à Constituição, às Cortes e ao El-Rei Constitucional”.

[1] As Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa eram, com frequência, designadas de Congresso ou mesmo soberano Congresso.

[2] Os laços nacionais surgiram na sequência da revolução francesa, servindo depois as suas cores de inspiração para as bandeiras nacionais. O laço nacional, que até então era azul e escarlate, passou a ser azul e branco, cores que a Bandeira Portuguesa adotaria em 1830.

[3] Pelo Decreto de 22 de agosto de 1821, executado pela Carta de Lei de 23 de agosto do mesmo ano, D. João fez saber a todos os súbditos que as Cortes decretaram que haveria um Laço Nacional, de cores branca e azul, por serem aquelas que formariam a divisa da Nação portuguesa. O Laço seria usado no chapéu ou na barretina de todos os oficiais e soldados do Exército e da Armada, bem como de todos os empregados públicos civis ou militares, de qualquer ordem, graduação ou hierarquia. O uso do Laço Nacional era permitido aos restantes cidadãos.