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As leis não incluem preâmbulo ou exposição de motivos, ao contrário dos decretos-leis e de outros atos normativos, bem como das iniciativas que estiveram na sua origem. O preâmbulo é um texto de carácter não normativo, escrito, em regra, de forma corrida, e que se destina a explicitar as principais linhas orientadoras do ato. A razão para as leis não terem preâmbulo decorre da dificuldade de se conseguir o consenso necessário à sua aprovação, num órgão colegial e em que, com frequência, as disposições normativas são o resultado da articulação entre diferentes vontades políticas.
A Constituição, aprovada por lei constitucional, é a única exceção ao princípio acima enunciado, quer a aprovada em 1976 e ainda vigente, quer todas as constituições que a antecederam. Muitos dos preâmbulos que abrem as Constituições, embora sucintos, são de tal forma expressivos sobre o texto que preambulam sobre o regime de que emanam, que bastaria a sua leitura para sabermos a Constituição a que se referem e o período em que foram aprovadas.
A primeira lei constitucional portuguesa, a Constituição de 1822, elaborada pela primeira assembleia parlamentar eleita entre nós, na sequência da Revolução Liberal de 1820, determina no preâmbulo, em nome da Santíssima e Indivisível Trindade, o seguinte:
“As Cortes Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, intimamente convencidas de que as desgraças públicas, que tanto a têm oprimido e ainda oprimem, tiveram sua origem no desprezo dos direitos do cidadão, e no esquecimento das leis fundamentais da Monarquia; e havendo outrossim considerado que somente pelo restabelecimento destas leis, ampliadas e reformadas, pode conseguir-se a prosperidade da mesma Nação e precaver-se que ela não torne a cair no abismo, de que a salvou a heróica virtude de seus filhos; decretam a seguinte Constituição Política, a fim de segurar os direitos de cada um, e o bem geral de todos os Portugueses.”
Após a morte de D. João VI, em abril de 1826, D. Pedro IV (I do Brasil) outorga a Carta Constitucional, que tenta estabelecer um compromisso entre os ideiais liberais expressos na anterior Constituição e as prerrogativas reais, cujo preâmbulo reza o seguinte:
“Dom Pedro por graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, etc. Faço saber a todos os Meus Súbditos Portugueses, que Sou Servido Decretar Dar e Mandar jurar imediatamente pelas Três Ordens do Estado a Carta Constitucional abaixo transcrita, a qual de ora em diante regerá esses meus Reinos e Domínios, e que é do teor seguinte:”
A Carta Constitucional deixou de vigorar em maio de 1828, data em que D. Miguel convocou os três Estados do Reino que o aclamaram rei absoluto. Vigorou de novo entre 1834 e 1836, tendo então sido abolida e reposta provisoriamente a Constituição de 1822 e convocadas Cortes Constituintes para elaborarem nova Constituição. Os trabalhos das Cortes concluíram-se dois anos depois e, em abril de 1838, D. Maria II jurou a Constituição que, em termos políticos, estava entre as duas Constituições precedentes. O tom do texto preambular é expressivo do caráter mais moderado do regime constante da Constituição:
“DONA MARIA, por Graça de Deus, e pela Constituição da Monarquia, Rainha de Portugal, e dos Algarves, d'aquém e d'além Mar, em África Senhora de Guiné, e da Conquista, Navegação, e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia, e da Índia, etc. Faço saber a Todos os Meus Súbditos, que as Cortes Gerais, Extraordinárias, e Constituintes Decretaram, e Eu Aceitei, e jurei a seguinte:”
A Carta Constitucional foi reposta em 1842 e vigorou até à implantação da República, em 1910. Durante esse período sofreu algumas alterações através da aprovação de Atos Adicionais.
Os curtos preâmbulos dos Atos Adicionais de 1852 (que suprimem a pena de morte por crimes políticos) e de 1885, emanados, respetivamente, da Rainha Dona Maria e do Rei Dom Luís, não são mais que fórmulas introdutórias que sancionam ou subscrevem as alterações aprovadas pelas Cortes Gerais, sendo curioso constatar que, no segundo caso, o Rei manifesta a sua concordância, afirmando: “(…) . Fazemos saber a todos os nossos súbditos, que as cortes gerais decretaram e nós queremos a lei seguinte”.
Os Atos Adicionais de 1895 (designado de decreto ditatorial, aprovado pelo Governo enquanto as Cortes se encontravam dissolvidas) e de 1907 são decretados na sequência de representações dos Ministros e Secretários de Estado e incluem apenas esta indicação inicial.
A Constituição de 1911, aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte, eleita na sequência da implantação da República em 1910, inclui preâmbulo que tem a marca da sua origem e do regime que visava instaurar:
“A Assembleia Nacional Constituinte, tendo sancionado, por unanimidade, na sessão de 19 de junho de 1911, a Revolução de 5 de Outubro de 1910, e afirmando a sua confiança inquebrantável nos superiores destinos da Pátria, dentro de um regime de liberdade e justiça, estatui, decreta e promulga, em nome da Nação, a seguinte Constituição da República Portuguesa:”
A Constituição sofreu diversas alterações, aprovadas por lei, que tinham a menção inicial comum aos atos legislativos: “Em nome da Nação, o Congresso decreta e eu promulgo…”
Em 1918, na sequência do movimento revolucionário que leva Sidónio Pais ao poder, a Constituição é revista pelo Governo e não pelo Parlamento. O Decreto n.º 3997 altera a lei eleitoral, incluindo algumas disposições constitucionais e, no preâmbulo, podemos ler o seguinte: “(…) espera o Governo, que o resultado das eleições, a realizarem-se em breve, seja tal que os escolhidos pela Nação possam livremente outorgar-lhe uma Constituição, que enfim satisfaça as suas mais ardentes aspirações de ordem e de progresso.”
A Constituição de 1933, elaborada quando o Parlamento se encontrava de portas fechadas e aprovada por plebiscito, não inclui qualquer preâmbulo, e as alterações que são aprovadas durante o regime do Estado Novo, têm uma mera fórmula inicial idêntica à dos restantes atos legislativos.
Evidenciando a sua origem na Revolução de 1974, a Constituição da República Portuguesa, aprovada em 1976, integra um preâmbulo que permanece intocado apesar das várias revisões que o texto constitucional já sofreu.
O preâmbulo foi elaborado pela Comissão para a Redacção do Preâmbulo da Constituição, sob a presidência da Deputada Sophia de Melo Breyner Andresen Tavares:
“A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.
Libertar o País da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.
A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do País.
A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.”
O preâmbulo foi lido, votado e aprovado no dia 31 de março de 1976. Após a votação, o Deputado Jorge Miranda, então eleito pelo PPD, usou da palavra:
“Foi com emoção que nós votámos o preâmbulo da Constituição da República Portuguesa. Foi com espírito de consenso nacional e sem nenhum espírito partidário que nós demos a nossa sincera e profunda adesão a este preâmbulo. Talvez ele não tenha o carácter que alguns pretenderiam que tivesse, mas para nós tem a grande dignidade de ser o o preâmbulo da Constituição de todos os portugueses. Este preâmbulo presta a justa homenagem ao povo português, que durante décadas lutou pela liberdade e democracia, e ao Movimento das Forças Armadas, que em 25 de Abril libertou esse mesmo povo.
Refere as grandes conquistas da revolução democrática portuguesa; aponta as grandes metas da liberdade e justiça que essa revolução, agora traduzida na nossa Constituição, se propõe alcançar. Finalmente, define os meios e os processos através dos quais essas grandes metas, esses grandes objectivos, poderão ser alcançados. E esses meios são a democracia política e o Estado de direito democrático.
Nós só compreendemos o socialismo, o socialismo por que lutamos, através da democracia e do Estado de direito democrático.”
Na VIII Revisão Constitucional, a manutenção do preâmbulo é objeto de participado debate, na sequência de dois projetos, apresentados pelo grupo parlamentar do CDS-PP e pelo Deputado Manuel Rodrigues, também do CDS-PP (5/XI/2.ª e 10/XI/2.ª).
Na reunião da Comissão de Revisão Constitucional de 14 de dezembro de 2010, o Deputado Mota Amaral depois de lembrar que entre os presentes foi o único que votou aquele texto, refere o seguinte:
“Fazer alterações pontuais, riscar palavras daqui ou tirar dali não faz sentido, porque o que a Assembleia Constituinte votou foi isto, no quadro em que decorreram os seus trabalhos, conforme a maioria nela existente e conforme o sentido exato dos responsáveis políticos da época (…).
O aspeto afirmativo do preâmbulo no que toca à garantia dos direitos fundamentais, no que toca à rejeição da ditadura, no que toca ao abrir para Portugal, finalmente, de uma democracia pluralista em toda a sua amplitude, sobretudo na base fundamental dela, que é o direito de sufrágio, que nunca existiu antes em Portugal (há, de facto, aqui uma fundação de um regime democrático numa plenitude como nunca tinha existido anteriormente no nosso País), é daqueles conteúdos que, na minha opinião pessoal, devemos manter e respeitar, respeitando assim também a Assembleia Constituinte e o seu trabalho, tão fundamental para a instauração da democracia no nosso País.”