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Impedidos de entrar no edifício do Parlamento, Deputados e Senadores reúnem em Santo Antão do Tojal (Loures).
Em março de 1914, o início da Grande Guerra lançara o debate sobre a participação de Portugal no conflito e determinara o adiamento das eleições legislativas.
Assim, apesar de o seu mandato ter terminado em abril de 1914, o Parlamento mantinha-se em funcionamento.
Entretanto, em dezembro de 1914, tomou posse o Governo de Victor Hugo de Azevedo Coutinho, apoiado pelo Partido Republicano Democrático. Conhecido como o Governo dos "Miseráveis de Victor Hugo", sofreu grande contestação nos setores político-partidários e militares.
No ano seguinte, a 11 de janeiro de 1915, a Câmara dos Deputados aprovou uma proposta de Afonso Costa para a interrupção dos trabalhos parlamentares até 4 de março, “para fazer a necessária propaganda eleitoral e poder apresentar o seu programa e os seus propósitos”, com vista às eleições marcadas para três dias depois, ou seja, 7 de março.
Mas, a 22 de janeiro, uma rebelião militar, que ficaria conhecida como Movimento das Espadas, precipitou a demissão do Governo de Azevedo Coutinho. Em causa estavam as transferências de oficiais por motivos políticos e o descontentamento com a política governamental favorável à participação na Grande Guerra.
Um grupo de oficiais, liderado pelo capitão Martins Lima, em sinal de protesto, pretendia entregar as espadas ao Presidente da República, Manuel de Arriaga. A este movimento, associou-se Machado Santos, que foi ao Palácio de Belém entregar a espada utilizada na Revolução de 5 de Outubro de 1910.
O Presidente da República, Manuel de Arriaga, chamou então o General Pimenta de Castro para presidir ao novo Executivo, com o objetivo de pacificar a vida política e preparar as eleições, que seriam adiadas para 6 de junho.
No dia 4 de março de 1915, os Deputados do Partido Democrático, liderado por Afonso Costa, pretendem retomar os trabalhos, conforme decidido em janeiro. O Governo de Pimenta de Castro proíbe a abertura do Parlamento, com as forças policiais e militares a cercar o Palácio do Congresso, impedindo que os parlamentares entrem no edifício, sob os protestos do Presidente da Câmara dos Deputados, Manuel Monteiro, e do Senador Bernardino Machado.
De acordo com A Capital, “o Palácio das Cortes conserva todas as portas e janelas fechadas, vendo-se apenas numa das janelas da extrema esquerda o Sr. Feio Terrenas, diretor do Congresso, com a sua cabeleira ao vento, analisando atentamente o largo. Uma multidão que circunda o Palácio vai gritando “Viva a República! Viva a Constituição!”, sendo afastada pela guarda republicana.
Os parlamentares reúnem então no Palácio da Mitra, em Santo Antão do Tojal (Loures), a antiga Quinta dos Patriarcas de Lisboa, transformada em escola primária e residência de professores.
A reunião da Câmara dos Deputados realiza-se numa sala de aulas, com Afonso Costa a pedir a palavra para se insurgir contra a ditadura de Pimenta de Castro:
“A hora é mais para atos do que para palavras. O sentimento que aqui nos reúne é o do cumprimento dum dever, que nos faz assumir graves responsabilidades na hora trágica que atravessa a Pátria. Não pode haver no país um homem inteligente, um coração leal, que não se coloque ao lado do Parlamento contra o Poder Executivo, ao lado da lei contra o arbítrio, ao lado da vontade soberana do povo, expressa pelos seus corpos legislativos, contra a opressão, contra a violência mais inaudita, contra toda a espécie de crimes que podemos e devemos esperar que venham desta ditadura sombria, hipócrita e reles, que está humilhando a nação portuguesa.
Quem diria que, feita a República, poderia subsistir uma ditadura, pior, mais indigna e mais infame que a ditadura que, dentro da monarquia, representou a suprema indignidade dela, a ditadura de João Franco! (Apoiados).
Quem diria que, sendo chefe do Estado um republicano, se impediria o próprio Presidente da Câmara de entrar no edifício das Cortes, onde ele é senhor, e que o Sr. Bernardino Machado seria ameaçado com a prisão se insistisse em ir ocupar o seu lugar de Senador?!
Não sabe que horas sombrias virão ainda; o que sabe é que a República vingará, que a liberdade triunfará e que a legalidade há de voltar a imperar em Portugal. Fez-se a República, não por um golpe de audácia, mas porque penetrou no coração do povo o amor pelas novas instituições. Podemos estar tranquilos, porque mesmo que a República se apagasse, havia de ressurgir, mais brilhante e mais forte, aquecendo o solo de Portugal, com as suas aspirações e as suas doutrinas de ordem e de liberdade. Na moção que vai mandar para a Mesa resume-se o seu pensamento. Fê-la com serenidade, com calma; é essencialmente jurídica, definindo perante o país e o estrangeiro a nossa situação. Ela não representa um movimento de cólera, mas uma resolução determinada e refletida, com o fim de manter a República constitucional democrática, estabelecida e formada pelas Constituintes.”
De seguida, lê a moção que seria aprovada por unanimidade, em que declara o Governo de Pimenta de Castro “fora da lei”, nomeado “fora de todas as indicações constitucionais”, por legislar sobre matérias da competência exclusiva e privativa do Poder Legislativo como são as respeitantes a organização dos colégios eleitorais das duas Câmaras e ao processo da eleição” e por se opor ao “regular funcionamento das câmaras, mediante o encerramento violento do edifício do Congresso, o seu cerco e guarda por forças militares.”
Não existindo quórum para a reunião do Senado, realiza-se uma sessão do Congresso (Deputados e Senadores, com um total de 90 congressistas) para aprovar a moção e nomear uma comissão de defesa da República.
A Ilustração Portuguesa de 15 de março dá conta de que nenhum parlamentar do Partido Democrático e dos Independentes faltou à reunião e que “até o Sr. dr. Aquiles Gonçalves, para não faltar, ergueu-se do leito onde havia dias estava doente e, a troco de um grande esforço, conseguiu transportar-se até ali, e depois de cumprir um dever, para ele talvez o mais sagrado, voltou de novo ao seu leito de doente, onde expirou, vítima de uma recaída”.
A 14 de maio de 1915, o Governo de Pimenta de Castro foi derrubado, conduzindo à demissão do Presidente da República, Manuel de Arriaga.
No dia 13 de junho, o Partido Democrático obteve a maioria absoluta nas eleições e, a 6 de agosto, Bernardino Machado foi eleito Presidente da República pelo Congresso.