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“A IRRESPONSABILIDADE GOVERNATIVA E AS DUAS REAÇÕES: MONÁRQUICA E REPUBLICANA”


MACHADO, Bernardino – A irresponsabilidade governativa e as duas reacções: monárquica e republicana. Lisboa : Imprensa Nacional, 1924. – cota 61/24

 

O curto período da I República Portuguesa foi marcado por grande instabilidade política e social. Logo após a proclamação no dia 5 de Outubro de 1910, vieram a lume dissensões entre republicanos, e o debate sobre as várias vias de evolução do sistema político. Nesses breves 16 anos de acentuada instabilidade governativa, a bibliografia refere sete parlamentos, oito presidentes da República, 45 governos, 40 chefias de governo, duas presidências do Ministério que não chegaram a tomar posse, dois presidentes do Ministério interinos, uma junta constitucional, uma junta revolucionária e um ministério investido na totalidade do poder executivo.

À data de publicação desta obra, 1924, a República apresentava já um acentuado declínio. O seu autor, Bernardino Machado, era tudo menos um outsider da política nacional. Nascido no Rio de Janeiro em 1851, veio precocemente para Portugal, fazendo os seus estudos na Universidade de Coimbra, onde se doutorou em Filosofia. Com atividade política durante a monarquia constitucional (eleito Par do Reino em 1890 e Ministro das Obras Públicas em 1893), aderiu ao Partido Republicano Português em 1903, sendo um dos mais ativos propagandistas dos ideais republicanos, e foi eleito membro do Diretório do Partido em 1906. Com a Implantação da República, sucedem-se os cargos de responsabilidade: Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo Provisório, deputado à Assembleia Constituinte, Presidente do Conselho de Ministros em 1914, 1917-1918 e 1921, Presidente da República portuguesa em 1915-1917. É, por isso, com toda a propriedade que Bernardino Machado trata, neste pequeno opúsculo, o tema da Irresponsabilidade governativa, que inicia com esta ideia forte: “Não há liberdade dos governados sem responsabilidade dos governantes. E a irresponsabilidade do poder é, de facto, a causa culminante dos nossos males públicos atuais.”

Machado evoca as conquistas do regime republicano nessa matéria, impondo “aos ministros a responsabilidade de todos os atos do Poder Executivo” e “a responsabilidade constitucional do Chefe do Estado […], sujeitando-o a ser destituído pelas duas Câmaras reunidas em Congresso, mediante resolução fundamentada e aprovada por dois terços dos seus membros e que claramente consigne a destituição. E, criminalmente, submeteu todo o Poder Executivo, Presidente da República, ministros, agentes, por igual, à jurisdição comum dos tribunais ordinários.” Conclui mesmo que “o novo regime fez em poucos anos o que o velho regime não conseguira nunca.”

Mas foram, no seu entender, conquistas frágeis, disso sendo exemplo a impunidade dos envolvidos nas experiências ditatoriais de 1915 e 1917-1918. As passagens seguintes reforçam esta ideia: “A cada novo escândalo mais revoltante, fala-se muito de inquéritos, mas nenhum tem consequências. Não há responsáveis. E os novos ricos da política ostentam fatuamente as suas grã-cruzes. A decadência republicana caracteriza-se, como a monárquica, pela irresponsabilidade governativa. Responsabilidade criminal? A magistratura não melhorou. Grande número dos seus membros vive, como dantes, do favoritismo ministerial. Salienta-se novamente o facciosismo de juízes que defendem em público as mais cruas ilegalidades. E observe-se o que tem sucedido nos pleitos em que a inconstitucionalidade das leis foi arguida. Nenhum tribunal deu força à alegação. Urge assegurar à judicatura toda a independência, para haver confiança na perfeita imparcialidade das suas decisões e na sua sincera devoção aos princípios constitucionais. […] Tão pouco há responsabilidade política. Os republicanos de 1919, como os monárquicos de 1895, legislaram propositalmente para a abolir. Reformou-se a Constituição para inserir nela a irresponsabilidade do Chefe do Estado, confiando-lhe o arbítrio pleno da nomeação e demissão dos ministros e da dissolução do Parlamento. […] Não se suprimiu somente a responsabilidade política do supremo magistrado da nação, desapareceu também a dos membros do Poder Executivo, a responsabilidade ministerial.”

E conclui: “Resta a fiscalização da opinião pública. Faz-se? Que tablado livre tem ela? Os Governos não proíbem os comícios, mas não vão lá dar contas de si ao povo. E pobres jornais republicanos, vivendo por esse país fora uma vida penosa de indizíveis sacrifícios populares! Temos grandes jornalistas, não temos grande imprensa. […] Não há opinião pública, há só irritação geral, amargura, indignação cada dia mais pungente e desesperada. Atravessamos um período de reação republicana tão dissolvente, se não tão violenta, como foi o da reação monárquica. E ainda existe quem loucamente sonhe com a ditadura? Vejam-na! Ela aí está entronizada na lei, na Constituição reformada, senhora do Parlamento e da opinião”.

Bernardino Machado voltaria a ocupar o cargo de Presidente da República nos anos de 1925-1926. Este documento, que apela a uma “nova cruzada” para “restabelecermos de vez a República”, pode ser perspetivado, de resto, como um posicionamento na corrida presidencial. Pode ser consultado, em formato digital.

A Biblioteca Passos Manuel tem vindo a digitalizar títulos que se encontram em domínio público, quer provenientes da coleção da Biblioteca das Cortes, quer pertencentes a espólios à sua guarda. Os exemplares digitalizados ficam disponíveis em acesso público, universal e gratuito a partir do catálogo bibliográfico, do Registo Nacional de Objetos Digitais e da Europeana. Nesta secção destacam-se alguns desses títulos.