" />
As consequências do veto político e por inconstitucionalidade dos diplomas aprovados pelo Parlamento.
Depois do debate e da aprovação em três votações (na generalidade, na especialidade e em votação final global) de uma iniciativa legislativa, seja ela proposta pelos cidadãos, por Deputados, pelo Governo ou pelas Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, a iniciativa é enviada ao Presidente da República, para ser promulgada no prazo de 20 dias.
Para este efeito, depois de aprovado um texto final, que pode ter tido origem num ou mais projetos ou propostas de lei, são preparados dois documentos, em tudo idênticos, excetuando na designação, dado que um é designado de decreto e outro de lei, e são ambos assinados pelo Presidente da Assembleia da República.
O decreto, que tem um número que o identifica para além do título, é publicado no Diário da Assembleia da República. O documento, com a designação de lei, é enviado ainda sem número (este apenas lhe é atribuído no momento da publicação no Diário da República, pela Imprensa Nacional), ao Presidente da República para promulgação, condição para a sua existência jurídica.
- Promulgar o diploma;
- Não promulgar o diploma e vetá-lo – trata-se de um veto político, sendo que, neste caso, o Presidente da República devolve o decreto à Assembleia da República solicitando nova apreciação em mensagem fundamentada;
- Requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade – neste caso, se o Tribunal Constitucional, a quem compete apreciar preventivamente a constitucionalidade do diploma ou de norma nele contida, se pronunciar nesse sentido, será um veto por inconstitucionalidade.
Todos os Presidentes da República utilizaram o veto, quer político, quer por inconstitucionalidade, e em todas as legislaturas houve decretos vetados, alguns mais que uma vez.
A resposta depende de se tratar de um veto político ou de um veto por inconstitucionalidade.
- Veto político
Tratando-se de um veto político, a Assembleia pode decidir reapreciar o decreto, a partir do 15.º dia posterior ao da receção da mensagem do Presidente da República, em reunião marcada pelo Presidente da Assembleia, por sua iniciativa ou de um décimo dos Deputados (23 Deputados). Caso a Assembleia da República confirme o decreto, através de voto favorável da maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções (isto é, 116 Deputados), o Presidente da República deverá promulgar o diploma no prazo de oito dias a contar da sua receção.
No caso de decretos que, quando publicados, revistam a forma de lei orgânica ou incidam sobre determinadas matérias especificadas na Constituição [1]é exigida para a sua confirmação a maioria de dois terços dos Deputados presentes (153), desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções.
Em alternativa à confirmação, a Assembleia pode apreciar e votar propostas de alteração ao decreto.
Vejamos casos recentes:
Em julho do ano transato, a Assembleia aprovou uma alteração à Lei n.º 43/90, de 10 de agosto, que regula o exercício do direito de petição, e que deu origem ao Decreto n.º 55/XIV. Entre outras modificações, o número de subscritores de uma petição para que esta fosse debatida em Plenário passava de 4 000 para 10 000.
O Presidente da República devolveu à Assembleia da República sem promulgar o aludido Decreto, acompanhado da mensagem que foi lida na reunião da Comissão Permanente de 10 de setembro de 2020 [2] e que se transcreve parcialmente:
“(…) 5. As razões invocáveis para esta alteração prendem-se com a racionalização do trabalho parlamentar, a maior facilidade da obtenção de assinaturas nesta era digital e o excesso de petições que pode afetar a lógica do sistema de governo instituído.
6. Com o devido respeito, afigura-se-me, apesar de todas essas razões, que o passo dado representa um sinal negativo para a democracia portuguesa.
7. Não só, nem sobretudo, porque o número de petições desceu em 2018 e 2019, relativamente a 2017, e não ocorreu o temido aumento do uso do envio por e-mail, mas porque pode ser visto como um sinal de fechamento na Assembleia da República, na participação dos cidadãos e na vitalidade da própria democracia.
(…) 10. Nestes termos, e por imperativo de consciência cívica, devolvo, sem promulgação, o Decreto n.º 55/XIV, solicitando à Assembleia da República que pondere se deve dar o passo proposto, e, a dá-lo, se o não deve mitigar nos seus contornos.”
Na reunião plenária de 25 de setembro de 2020 foram debatidas as alterações propostas, que foram aprovadas, dando origem a um segundo Decreto, o Decreto n.º 77/XIV, que, depois de promulgado, foi publicado como Lei n.º 63/2020, de 29 de outubro. Esta lei alterou o número de subscritores necessários para que uma Petição seja debatida em Plenário, de 4 000 para 7 500, um meio caminho entre o que estava na lei e a alteração vetada pelo Presidente da República. Nessa mesma reunião foi também reapreciado o Decreto n.º 46/XIV – “Terceira alteração à Lei n.º 43/2006, de 25 de agosto, relativa ao acompanhamento, apreciação e pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do processo de construção da União Europeia”, tendo sido igualmente aprovado um novo decreto com as alterações entretanto aprovadas.
Mas o Decreto vetado pode permanecer como tal, não sendo nem confirmado, nem aprovadas alterações, não dando assim origem a uma lei.
- Veto por inconstitucionalidade
No caso do veto por inconstitucionalidade, o Presidente da República pode decidir requerer a apreciação preventiva de constitucionalidade de qualquer norma constante de decreto que lhe tenha sido enviado para promulgação como lei, no prazo de oito dias a contar da sua receção.
Vejamos um caso recente:
No caso do Decreto n.º 109/XIV – “Regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal”, aprovado pela Assembleia da República, no passado dia 29 de janeiro, e enviado para promulgação, decidiu o Presidente enviá-lo ao Tribunal Constitucional que se pronunciou pela inconstitucionalidade de diversas normas (V. Acórdão).
Em consequência desta pronúncia, o Presidente da República vetou o Decreto.
Nestas situações, a Assembleia da República poderá votar o expurgo da norma ou normas declaradas inconstitucionais, reformular o decreto ou ainda confirmá-lo, por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções.
Na presente legislatura, que se iniciou a 25 de outubro de 2019, foram já vetados 8 Decretos da Assembleia da República [3] tendo 5 sido promulgados após aprovação de alterações e os restantes 3 não tendo tido, até ao momento, qualquer desenvolvimento.
De facto, raros são os casos de confirmação, sendo mais frequentes a reformulação do decreto ou a paragem do processo legislativo que pode ou não ser retomado posteriormente.
Nestes processos é muito evidente a separação e interdependência dos órgãos de soberania previstas constitucionalmente, dado que o Presidente da República, não tendo competências legislativas, pode vetar um decreto da Assembleia da República, por motivos políticos ou de inconstitucionalidade podendo a Assembleia contudo, reafirmar a sua vontade, confirmando o decreto, ou reformulá-lo, expurgando as normas inconstitucionais ou adaptando-o às reservas formuladas pelo Presidente.
[1] No caso de decretos que respeitem às seguintes matérias: relações externas, limites entre o setor público, o setor privado e o sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção ou a regulamentação de atos eleitorais previstos na Constituição.
[2] A Comissão Permanente reúne quando a Assembleia não se encontra em funcionamento.
[3] Decretos da Assembleia da República n.º 26/XIV - Alarga o apoio extraordinário ao rendimento dos microempresários e trabalhadores em nome individual devido à redução da atividade económica causada pela epidemia de COVID-19, procedendo à décima quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, que estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus – COVID-19;
Decreto da Assembleia da República n.º 46/XIV - Terceira alteração à Lei n.º 43/2006, de 25 de agosto, relativa ao acompanhamento, apreciação e pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do processo de construção da União Europeia;
Decreto da Assembleia da República n.º 55/XIV - Quinta alteração à Lei n.º 43/90, de 10 de agosto (Exercício do direito de petição);
Decreto da Assembleia da República n.º 57/XIV - Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, que aprova a Lei da Nacionalidade;
Decreto da Assembleia da República n.º 59/XIV - Primeira alteração à Lei n.º 17/2014, de 10 de abril, que estabelece as Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional (resultou de Proposta de lei apresentada na XIII Legislatura pela ALRAA;
Decreto da Assembleia da República n.º 95/XIV - Aprova medidas especiais de contratação pública e altera o Código dos Contratos Públicos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado em anexo à Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, e o Decreto-Lei n.º 200/2008, de 9 de outubro;
Decreto da Assembleia da República n.º 109/XIV - Regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal;
Decreto da Assembleia da República n.º 128/XIV - Permite o recurso a técnicas de procriação medicamente assistida através da inseminação com sémen após a morte do dador, nos casos de projetos parentais expressamente consentidos, alterando a Lei n.º 32/2006, de 26 de julho (procriação medicamente assistida).