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A CRIAÇÃO DE MUNICÍPIOS | “HAVERÁ CÂMARAS ONDE CONVIER AO BEM PÚBLICO”


A evolução da legislação sobre a criação de municípios.

Topo da Escadaria Nobre

Existem hoje, em Portugal, 308 municípios. Destes, 19 situam-se nos Açores e 11 na Madeira. Mas o número de municípios já foi muito superior.

Tão antigos como o país, os concelhos têm consagração na Constituição de 1822 que previa – nos artigos 218.º e 219.º - “que o governo económico e municipal dos concelhos residirá nas câmaras, que o exercerão na conformidade das leis e, que haverá câmaras em todos os povos, onde assim convier ao bem público”.

Pintura

Pintura de Veloso Salgado representando as Cortes Constituintes de 1821. Esta grande tela semicircular é emoldurada por brasões com as armas dos distritos e das antigas províncias ultramarinas, evocativos das circunscrições por onde os deputados eram eleitos, pintados por Benvindo Ceia.

A Carta Constitucional de 1826, mais conservadora, manteve a previsão de “criação de câmaras em todas as cidades e vilas existentes e nas mais que para o futuro se criarem, competindo-lhes o governo económico e municipal das mesmas cidades e vilas”.

A 16 de maio de 1832 é publicado o Decreto n.º 23, de Mouzinho da Silveira, sobre o estabelecimento da administração pública, que determina que os Reinos de Portugal e Algarves e Ilhas Adjacentes são divididos em Províncias, Comarcas e Concelhos. Este Decreto foi substituído nos anos seguintes, tendo, em 1836, sido publicado o Decreto de Passos Manuel, sobre a divisão administrativa do país, que determina a existência de 17 distritos administrativos e 351 concelhos. Com esta divisão são suprimidos mais de 400 concelhos [1] e, depois, em 1853, foram extintos cerca de 80 concelhos. No século XIX, o número de concelhos oscilou entre o máximo de 806 (1827) e o mínimo de 268 (1853). Ao mesmo tempo, sucedem-se reformas administrativas, com incidência no regime aplicável aos concelhos, o mesmo acontecendo durante a I República.

Já no Estado Novo, o Código Administrativo de 1936 dispunha no artigo 1.º que o território do continente se divide em concelhos, que se formam de freguesias e se agrupam em distritos e províncias, classificando os concelhos em urbanos e rurais e, dividindo-se estes em 1.ª, 2.ª e 3.ª ordem. Estas disposições mantiveram-se com pequenas alterações até 25 de Abril de 1974 e à aprovação da Constituição de 1976, que consagra a autonomia do poder local e atribui à Assembleia da República a competência para legislar sobre a organização das autarquias locais. O texto constitucional determina ainda que os municípios correspondem aos concelhos existentes, podendo a lei criar outros ou extinguir os que forem manifestamente inviáveis.

Na revisão constitucional de 1982, a criação, extinção e modificação das autarquias locais passa a integrar a reserva absoluta da competência legislativa da Assembleia da República [2].

Logo na I Legislatura (1976/1980), foi apresentado e aprovado o projeto de lei, subscrito por todos os grupos parlamentares, de criação do Município da Amadora (Lei n.º 45/79, de 11 de setembro). Previamente, tinha sido aprovada a criação de uma Comissão Instaladora do Município para a elaboração dos estudos necessários à apresentação à Assembleia da República de uma proposta de lei de criação daquele município e da sua divisão em freguesias.

Nas legislaturas seguintes, foram apresentadas outras iniciativas de criação de municípios – Ericeira, Samora Correia, Canas de Senhorim, Carnaxide, Vizela e Loures, entre outros – não tendo, na sua maioria, chegado a serem discutidas.

Na sequência da aprovação da Lei n.º 11/82, de 2 de junho – “Regime de criação e extinção das autarquias locais e de designação e determinação da categoria das povoações”, o Governo apresentou à Assembleia da República a Proposta de Lei 45/III/1.ª (GOV) – “Regime da Criação dos Municípios”, que visava criar critérios objetivos para a sua criação. Esta proposta deu origem à Lei n.º 142/85, de 18 de novembro, que determina que a Assembleia da República, na apreciação das iniciativas que visem a criação, extinção e modificação de municípios, deverá ter em conta a vontade das populações abrangidas, expressa através dos órgãos autárquicos representativos, razões de ordem histórica e cultural e fatores geográficos, demográficos, económicos, sociais, culturais e administrativos e, ainda, interesses de ordem nacional e regional ou local em causa.

Especifica depois quais são os requisitos geodemográficos que se devem verificar nos municípios a criar e que dependem da relação entre eleitores e a área dos municípios de origem. Assim, e independentemente do número de eleitores residentes na área da futura circunscrição municipal e da sua dimensão, existem um conjunto de requisitos comuns indispensáveis à criação de um município, como a existência de farmácia, casa de espetáculos, transportes públicos coletivos, estação dos CTT, instalações de hotelaria, estabelecimentos de ensino dos vários níveis, corporações de bombeiros, agência bancária, parques e jardins públicos e posto de assistência médica com serviço de permanência ou posto médico permanente.

Após a admissão de uma proposta de criação de um município, o Presidente da Assembleia ordena a instauração do processo na comissão parlamentar competente e comunica ao Governo, que tem 90 dias para elaborar relatório com os elementos necessários à instrução do processo. O relatório é elaborado por uma comissão apoiada tecnicamente pelos serviços competentes do Ministério da Administração Interna e integrada por membros indicados pelas juntas de freguesia que integrarão o novo município, bem como por representantes da câmara ou das câmaras municipais do município de origem.

Apesar da aprovação daquela lei, a criação de novos municípios apenas foi possível depois de, em 1997, se ter revogado a disposição final que exigia a criação prévia das regiões administrativas. No ano seguinte, seriam criados os municípios de Vizela, Trofa e Odivelas [3]. Relativamente à criação destes municípios, ao longo das legislaturas, já tinham sido apresentados e debatidos vários projetos de lei no sentido da sua criação, bem como petições a favor e contra.

Além das alterações entretanto aprovadas relativamente à Lei n.º 142/85 [4], em 2003 foi vetada pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio, a alteração resultante da aprovação do Projeto de Lei n.º 310/IX (PSD). Este projeto visava permitir a criação de novos municípios, em caso de aprovação por maioria qualificada de dois terços dos Deputados, fundamentada em excecionais razões de ordem histórica e cultural ou em parecer favorável das assembleias de freguesia a integrar no novo município e das assembleias municipais dos concelhos em que essas freguesias se integram.

Na mensagem que o Presidente da República dirige à Assembleia da República, podemos ler o seguinte:

“Uma alteração legislativa como a que sou chamado a promulgar não deixaria de estimular e incentivar um tal impulso (de criação de novos municípios) que, por outro lado, esvaziaria ou poderia pôr em causa o sentido agregador de recentes alterações legislativas no domínio autárquico, induzindo fragmentação e fragilização onde se pretende cooperação e reforço da capacidade operativa da instância municipal.”
Conclui a mensagem propondo a elaboração de um Livro Branco sobre o tema do recorte territorial do sistema municipal que permitiria apoiar o aperfeiçoamento dos critérios que devem presidir à criação de novos municípios.

Nas legislaturas seguintes foram apresentadas propostas de criação de novos municípios, como Fátima, Canas de Senhorim, Amora, Sacavém, Esmoriz e Quarteira, que não foram aprovadas. Desde a X Legislatura (2009/2011) [5], não foram apresentadas novas iniciativas, nem sequer petições sobre a criação de novos municípios.



[1] Municípios de Portugal, Joaquim Freitas da Rocha e Pedro Cruz e Silva, in Municipalismo

[2]A esta competência foi aditada, na revisão de 2004 o inciso final: sem prejuízo dos poderes das regiões autónomas.

[3]Devido à complexidade que envolvia a apreciação de todos estes processos, foi aprovada a Deliberação n.º 3-PL/98 sobre a criação de novos municípios, que fixava a metodologia e prazos.

[4]A Lei n.º 142/85 (6), foi alterada pelas leis n.º 124/97, de 27 de novembro, 32/98, de 18 de julho, e 48/99, de 16 de junho.

[5]No Memorando de Entendimento, celebrado em 2011, entre o Estado Português, o FMI, a CE e o BCE, encontrava-se prevista a reorganização da estrutura da administração local, que passava pela redução do número de municípios e freguesias, mas que foi restrita a estas últimas.