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A CONSTITUIÇÃO ESTÁ NA MODA (1821)


Após a Revolução Liberal, surge um novo vocabulário político que coloca o termo "Constituição" na moda.

A Revolução Liberal de 1820 abre caminho para a eleição do primeiro Parlamento português – as Cortes Constituintes – e para a aprovação da Constituição de 1822.

A instauração do regime liberal é recebida com entusiasmo e esperança por uma população que vê nesta mudança uma oportunidade para resolver os seus problemas.


Alegoria à Revolução de 15 de setembro de 1820 em Lisboa, gravura de António Maria da Fonseca, 1821, Sociedade Martins Sarmento.

A Revolução traz também consigo um novo vocabulário político, fortemente cultivado pela imprensa da época. As palavras “Cidadão”, “Deputados”, “Cortes”, “Lei”, e, sobretudo, “Constituição” tornam-se palavras da moda. Estes termos são utilizados em discursos e artigos, mas também em canções, anúncios ou poemas.

No Parlamento, Manuel Fernandes Tomás apresenta uma proposta para a criação de uma nova moeda designada “Constitucionais”:

“El-Rei D. Manuel, quando se descobriu a Índia, mandou cunhar uma moeda de prata a que deu o nome de Índios, e El-Rei D. João II, na rebelião do Duque do Viseu (em memória dos Portugueses que lhe foram leais) mandou cunhar uma moeda com o nome de Leal. Neste sentido, pois, julguei que à moeda de que trato se devia dar o nome de Constitucionais, a fim de trazer à memória o dia em que a Nação, unindo-se nos dois Governos, firmou o sistema constitucional.” [1]

Em abril de 1821, o periódico “Mnemosine Constitucional” apresenta a definição de Constituição, apelando aos leitores que meditem sobre o assunto:

“Constituição é a coleção das leis fundamentais da nossa monarquia, é a Lei das Leis, é a Lei que regulando as coisas pela melhor ordem possível põe o nosso Rei na absoluta necessidade de fazer sempre bem, e nunca mal, de cuidar na felicidade da Nação, de maneira que desde o maior até ao mais pequeno todos vivam tranquilos, contentes e satisfeitos.”

O artigo prossegue com uma mensagem de esperança sobre a futura Constituição em elaboração pelos Deputados - “homens de tanto saber” – para assegurar “com firmeza a nossa futura felicidade”. [2]

Semanas depois, surge nova definição a pedido dos leitores:

“Constituição quer dizer: bom Governo e boas leis, fundadas na natureza dos homens, nas suas precisões, e tendo por alvo final a sua felicidade”. [3]

Na sessão inaugural das Cortes Constituintes, a 26 de janeiro de 1821, o Presidente do Governo, Conde de Sampaio tinha-se dirigido aos Deputados referindo igualmente a felicidade como objetivo a alcançar:

“(…) Em vossas mãos, Senhores, está ao presente a sorte desta Magnânima Nação, a felicidade da nossa cara e comum Pátria. O ilustrado zelo e patriotismo dos Portugueses a confiou à vossa virtude e sabedoria: eles não se acharão enganados em sua escolha, nem serão iludidos em suas esperanças".

Ainda em abril de 1821, a “Mnemosine Constitucional” publica um poema que sintetiza os princípios das Bases da Constituição, aprovadas pelo Parlamento no mês anterior [4].

1

Portugal, se já baixaste

Do império à servidão

Tornas hoje a ressurgir

Uma brilhante Nação

Eis do torpe servilismo

As cadeias já quebradas

Vivam as Bases sagradas

Da Lusa Constituição

2

É sagrada a propriedade

É já livre a opinião

É na presença da lei

Igualado o Cidadão

Eis do torpe servilismo, etc.

3

Arrancada ao fanatismo

A Santa Religião

Sem horrores e sem mortes

Mais domina o coração

Eis do torpe servilismo, etc.

4

A Justiça inalterável

Com a balança na mão

Entre o fraco e poderoso

Não conhece distinção

Eis do torpe servilismo, etc.

5

São leis – a expressa vontade

Da civil reunião –

[Devem] pois as leis ditar

Representada a Nação

Eis do torpe servilismo, etc.

6

O Rei que tem o poder

Da fiel execução

Sem que possa as leis [vetar]

Tem nas leis alta inspeção

Eis do torpe servilismo, etc.

7

Eis nas máximas sublimes

Da nova legislação

Respiram as leis divinas

Do Povo e da Razão

Eis do torpe servilismo, etc.


Galeria pública das Cortes Constituintes. Estudo para a pintura alusiva às Cortes de 1821, da autoria de Veloso Salgado, 1920.

Dias depois, a mesma publicação apresenta umas quadras “feitas por uma senhora apaixonada pela Constituição” e um anúncio de um livro de um autor caracterizado como um “génio constitucional” [5]. Outro anúncio divulga o folheto “O Pároco Constitucional, ou o diálogo entre um pároco de Ribatejo e um amigo liberal de Lisboa” [6] e um outro dá conta que se encontra à venda a “Relação das moradas dos Senhores Deputados às Cortes, e dos nomes dos mesmos Senhores, que compõem as diversas Comissões”, apresentada como “o principal objeto do interesse público” [7].

Ainda a propósito do juramento das Bases da Constituição, o Regimento da Infantaria n.º 16 coloca na fachada do quartel um dístico com a seguinte inscrição: “Constituição ou Morte” [8].

No mês de maio, por ocasião do aniversário do rei, uma nova fragata denominada “Constituição” foi lançada ao mar “entre vivas de uma multidão imensa” [9].

A 29 de maio de 1821, a “Mnemosine Constitucional” publica uma carta de vinte jovens que se autointitulam “Os Solteiros Constitucionais” que juram “que não escolherão para esposa Senhora que traje vestes ou adornos estrangeiros e que não tenha o mais decidido amor ao sistema constitucional”.

A 11 de junho seguinte é publicada uma resposta assinada pelas “Jovens Donzelas Constitucionais”:

“Eu e as Jovens Donzelas minhas amigas fizemos um juramento mais constitucional. Jurámos que só aceitaríamos como Esposo aquele que tenha exposto a sua vida a bem da Constituição, ou tenha entregue dinheiro nos Cofres do Estado ou feito serviço em Ofício Público de que tenha recebido louvor. Sem algumas destas circunstâncias bem podem os Jovens Constitucionais aspirar às nossas mãos, que só com as calças de linho da terra não as alcançarão”.

Dias depois, “37 jovens donzelas constitucionais e amantes da pátria” manifestam-se igualmente contra os adornos estrangeiros para aparecerem mais “constitucionais”:

“Já vimos o anúncio dos trinta Jovens Constitucionais, vimos o seu exemplo imitado em algumas meninas; porém cada dia estamos vendo os mesmos adornos estrangeiros. Portanto, companheiras, e amigas constitucionais, desterramos inteiramente tudo quanto não for nacional, e se não aparecermos mais talufas [janotas], apareceremos mais constitucionais.” [10]

[1]“Diário das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa”, 29 de agosto de 1821, 2069.

[2]“Mnemosine Constitucional”, 2 de abril de 1821, p. 1.

[3]Idem, 25 de abril de 1821, p. 1.

[4]Idem, 4 de abril de 1821, p. 3.

[5]Idem, 26 de abril de 1821, p. 4.

[6]Idem, 30 de junho de 1821, p. 4.

[7]Idem, 5 de maio de 1821, p. 4.

[8]Idem, 10 de abril de 1821, p. 4.

[9]Idem, 15 de maio de 1821, p. 1.

[10]Idem, 30 de junho de 1821, p. 1.