" />
A situação pandémica conduziu à necessidade de alterar a legislação sobre teletrabalho.
A pandemia alterou hábitos e práticas de trabalho, aumentou de forma inesperada o número de pessoas em teletrabalho e tornou necessária a sua regulação mais pormenorizada.
Durante o período da pandemia, a Assembleia da República continuou a reunir e a trabalhar, embora com as adaptações impostas pela situação sanitária. Era indispensável continuar a exercer as suas competências políticas e de fiscalização, atendendo em especial ao papel que desempenha na declaração e apreciação do estado de emergência. Igualmente importante era o exercício das suas competências legislativas. Ao longo deste período, foi necessário aprovar legislação e apreciar diplomas emanados do Governo, criando soluções e adaptando procedimentos, prazos e exigências legais às condicionantes decorrentes da pandemia.
Assim, quer em 2020, quer nos primeiros meses de 2021, a produção legislativa da Assembleia da República foi similar à dos anos anteriores. A maioria das leis aprovadas destinaram-se a regular aspetos relacionados com a situação pandémica, sendo que vigoram enquanto se mantiverem as medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia da doença COVID-19.
O teletrabalho foi uma das situações previstas na legislação publicada durante este período, dado que foi obrigatório entre 20 de março e 1 de junho de 2020, independentemente do vínculo laboral, sempre que este fosse viável. A partir desta data, o teletrabalho manteve-se obrigatório em determinadas situações, quando requerido pelo trabalhador e caso as funções o permitissem. Posteriormente, quando a situação se voltou a agravar, foi instituído o teletrabalho nas empresas com 50 ou mais trabalhadores, nas áreas em que a situação epidemiológica o justificava.
Há um ano, em maio de 2020, o Instituto Nacional de Estatística (INE) apurou num Inquérito Rápido e Excecional às Empresas – Covid-19 que cerca de 58% das empresas respondentes tinham pessoas em teletrabalho e 20% tinham mais de 50% do pessoal a trabalhar nessa situação. Esta é uma alteração muito significativa e súbita do recurso a esta forma de trabalho, dado que, antes da pandemia, as situações de teletrabalho eram residuais. De acordo com o INE, no 4.º trimestre de 2020, estavam em teletrabalho cerca de 11,6% do total da população empregada, correspondendo a uma diminuição relativamente ao trimestre anterior.
Entre as alterações havidas durante a pandemia, o teletrabalho será, provavelmente e apesar da tendência decrescente, uma das que se manterá, ampliando-se o número de trabalhadores e de empresas a recorrer a este tipo de prestação de trabalho. A prática demonstrou assim a necessidade de regular mais detalhadamente a disciplina que é aplicável a esta forma de trabalho. Refira-se, a título de curiosidade, que Portugal foi o primeiro país a nível europeu a regular juridicamente o teletrabalho no setor privado, dado que o Código de Trabalho, aprovado em 2003 e, entretanto, revogado, já o previa. Encontra-se igualmente consagrado no atual Código de Trabalho, segundo o qual se considera “teletrabalho a prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação”, sendo as suas disposições aplicáveis também aos trabalhadores titulares de um vínculo de emprego público.
Para responder à necessidade sentida de regular com mais precisão o teletrabalho, no passado dia 5 de maio, foram debatidos em Plenário sete projetos de lei [1] sobre o regime aplicável, que pretendem reforçar os direitos dos trabalhadores nesta situação. Alguns projetos alteram o Código do Trabalho e a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, outros alteram também os diplomas que regulamentam o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais e promovem a segurança e saúde no trabalho, bem como o Código do IRS, evidenciando assim a complexidade da regulação desta matéria.
Apesar do que os distingue, os projetos de lei preveem, em regra o direito a subsídio de refeição e ajudas de custo para pagamento de despesas com telecomunicações, água e energia ou o fornecimento de sistemas de comunicação, explicitam os equipamentos que devem ser assegurados pela entidade empregadora e estatuem sobre as formas de controlo do teletrabalho no domicílio. Asseguram ainda o direito a horário flexível, nomeadamente, para trabalhadores com filhos menores de 12 anos ou com deficiência, o direito à intimidade da vida privada e à proteção dos dados pessoais.
Na mesma data, foram ainda debatidas três iniciativas sobre o direito à desconexão profissional [2] que, nalguns dos projetos já mencionados, eram igualmente tratados. De referir que na legislatura anterior, foram apresentados diversos projetos sobre o direito à desconexão ou descanso profissional, não especificamente dirigidas aos trabalhadores em situação de teletrabalho, tendo caducado ou sido rejeitados.
Os projetos de lei sobre teletrabalho e direito à desconexão, debatidos no dia 5 de maio, baixaram sem votação à Comissão de Trabalho e Segurança Social, para apreciação na especialidade no grupo de trabalho constituído para o efeito, após o que voltarão a Plenário para serem votados.
Ver página temática sobre o debate e as iniciativas relativas ao teletrabalho.
[1] Os projetos de lei debatidos sobre teletrabalho foram os seguintes:
Projeto de Lei n.º 745/XIV/2.ª (BE) - Altera o regime jurídico-laboral de teletrabalho, garantindo maior proteção do trabalhador (19.ª alteração ao Código do Trabalho e 1ª alteração da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais);
Projeto de Lei n.º 765/XIV/2.ª (PCP) - Regula o regime de trabalho em teletrabalho;
Projeto de Lei n.º 791/XIV/2.ª(NinscCR) - Reforça os direitos dos trabalhadores em regime de teletrabalho;
Projeto de Lei n.º 806/XIV/2.ª (PEV) - Altera o código do trabalho com vista a regular o teletrabalho de forma mais justa;
Projeto de Lei n.º 808/XIV/2.ª (PS) - Procede à regulação do teletrabalho;
Projeto de Lei n.º 811/XIV/2.ª (PAN) - Regulamenta o teletrabalho no setor público e privado, cria o regime de trabalho flexível e reforça os direitos dos trabalhadores em regime de trabalho à distância, procedendo à alteração do Código do Trabalho, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro;
Projeto de Lei n.º 812/XIV/2.ª (PSD) - Altera o regime jurídico-laboral do teletrabalho (19ª alteração ao Código do Trabalho e 1ª alteração da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais).
[2] Os projetos de lei especificamente sobre desconexão profissional e que foram debatidos foram os seguintes:
Projeto de Lei n.º 535/XIV/2.ª (PAN) - Consagra o direito de desconexão profissional, procedendo à décima sexta alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro;
Projeto de Lei n.º 790/XIV/2.ª (Ninsc CR) - Garante o direito dos trabalhadores à desconexão profissional;
Projeto de Lei n.º 797/XIV/2.ª (CDS-PP) - Consagra o Direito ao Desligamento, procede à 17.ª alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova o Código do Trabalho.