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A primeira lei da Assembleia da República estabelece as disposições relativas à publicação, identificação e formulário dos diplomas.
Uma revolução e a consequente alteração da ordem constitucional são feitas de grandes mudanças, mas também de outras, mais modestas, que, na voragem dos dias, passam quase despercebidas e raramente ficam para a história ou perduram na memória, como foi o caso, entre nós, da aprovação da primeira lei pela Assembleia da República, em 1976, a lei formulário.
Antes, em outubro de 1974, tinha sido publicada a Portaria n.º 672/74, que aprovava as fórmulas dos diplomas emanados do Presidente da República, do Governo, do Conselho de Estado e da Junta de Salvação Nacional, no respeito pelo disposto nas Leis Constitucionais n.º 2/74 e 3/74, ambas de 14 de maio[1]. Entre os atos normativos, a portaria previa apenas as leis constitucionais, da competência do Conselho de Estado. A omissão da referência a leis não impediu que estas fossem publicadas, pelo Conselho da Revolução, que legislava quer sob a forma de lei, quer sob a forma de decreto-lei, de acordo com a Lei n.º 5/75, de 14 de março, que falava de forma lata em atos legislativos emanados do Conselho da Revolução.
A Constituição da República Portuguesa, aprovada a 2 de abril de 1976, reservou as leis à Assembleia da República, passando o Conselho da Revolução a aprovar decretos e resoluções.
Após as eleições para a Assembleia da República, a 25 de abril de 1976, o primeiro projeto de lei a ser submetido deu origem à primeira lei a ser aprovada: Lei n.º 3/76, de 10 de setembro, que estabelece as disposições relativas à publicação, identificação e formulário dos diplomas.
O então Deputado Jorge Miranda (PPD) realçou justamente este facto, mencionando que seria a primeira lei feita por um verdadeiro Parlamento em Portugal “desde que os homens do 28 de maio encerraram pela força o Congresso da República.”
Como explicitava o preâmbulo do projeto de lei, “a recente entrada em funcionamento do sistema de órgãos de soberania (…) torna imprescindível a regulamentação dos atos jurídicos, em especial dos atos normativos e políticos, que compete a esses órgãos praticar. A isso se destinam, desde já, as presentes normas sobre publicação, identificação e formulário dos diplomas”.
O projeto de lei foi elaborado no seio da Comissão de Regimentos e subscrito por Deputados dos quatro grupos parlamentares existentes na Assembleia (PS, PPD, CDS e PCP).[2]
Algumas das alterações mais significativas, para as quais o então Deputado Vital Moreira (PCP) chamou a atenção, foram as relativas à data de publicação dos diplomas e do Diário da República, visando impossibilitar que um diploma indicasse uma data, quando, na realidade, era publicado dias ou até semanas, se não meses após a data que indicava, ou ainda que o Diário da República tivesse uma data distinta daquela em que é publicado.
Como realçaria o Deputado Jorge Miranda: “É uma importante conquista da nova ordem constitucional portuguesa o acabar-se de vez com o escândalo que consiste em serem publicados suplementos ao Diário da República ou ao antigo Diário do Governo com semanas e até meses de atraso, traduzindo-se isso, na prática, na criação de verdadeiras leis retroativas”.
As regras relativas à vacatio legis - o período que medeia entre a publicação de um diploma no Diário da República e a sua entrada em vigor -, que constavam do Decreto-Lei n.º 22 470, de 11 de abril de 1933, e que contavam mais de 40 anos, foram alteradas, passando cada diploma a entrar em vigor no dia nele fixado ou, na falta de fixação, no continente, no quinto dia após a publicação, nos Açores e na Madeira, no décimo dia e, em Macau e no estrangeiro, no trigésimo dia.
Refira-se que a norma atualmente vigente[3] estabelece, de forma muito próxima desta, que os atos legislativos e outros atos de conteúdo genérico entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início da vigência verificar-se no próprio dia da publicação. Não sendo fixado dia, entram em vigor, em todo o território nacional e no estrangeiro, no quinto dia após a publicação.
Outros aspetos ainda mereceram debate, como as assinaturas dos decretos-leis do Governo, dado que a Constituição previa que os decretos-leis não aprovados em Conselho de Ministros deveriam ser assinados pelo Primeiro-Ministro e pelos Ministros competentes, havendo quem defendesse a definição dos Ministros competentes.
Após o debate, a lei foi aprovada por unanimidade. No final da sessão, às 17h15, bastante mais cedo do que era habitual, o que se pode explicar pela matéria e pelo facto de a iniciativa ser subscrita por todos os grupos parlamentares, não suscitando por isso grandes querelas, o Presidente da Assembleia, Vasco da Gama Fernandes, anunciaria aos Deputados que estavam sem mais assuntos para apreciar:
“Além da votação desta matéria, não temos mais nada que fazer hoje.
Suponho, assim, que há uma manifestação silenciosa e discreta de boa disposição quanto a esta notícia.”
A lei foi alterada no ano seguinte, na sequência da aprovação de proposta de lei apresentada pelo Governo, mas manteve-se em vigor até 1983, sendo então revogada.
[1] O Deputado Jorge Miranda (PSD) dirá a propósito desta portaria e em resposta ao Deputado Acácio Barreiros (UDP) que se trata da “chamada portaria formulária, publicada após o 25 de Abril. (…) há sempre em todas as ordens constitucionais um diploma a regular os formulários das leis e de outros atos do Estado. Após o 25 de Abril foi feita esta portaria.”
[2] A UDP tinha apenas um deputado eleito.
[3] Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, na sua redação atual.