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O texto aprovado há 45 anos e as principais alterações.
Na sessão inaugural da Assembleia Constituinte, a 2 de junho de 1975, o Presidente Interino da Assembleia Constituinte, Henrique de Barros, afirmou que “as Constituições valem na medida em que não forem efémeras, em que servirem de quadro à vida política nacional durante um período de tempo relativamente longo, em que demonstrarem capacidade para suportar o embate, sempre rude, da experiência, da realidade viva.”
Aprovação da Constituição no dia 2 de abril de 1976, RTP.
A Constituição da República Portuguesa ou a Constituição de 1976, como é mais comumente designada, é a mais extensa de todas as Constituições portuguesas, com 312 artigos [1]. Relativamente à que a precedeu, a Constituição de 1933, não podia estar mais distante, quer na forma como foi elaborada e aprovada, quer na dimensão, quer na estrutura e no sistema político que estabelece. Como disse o Deputado Jorge Miranda (PPD):
“Estávamos habituados durante o regime fascista a que a Constituição fosse soberanamente desprezada, a Constituição, ou como alguns já lhe chamaram a anti-Constituição de 1933, era soberanamente desprezada não apenas pelos órgãos do poder político como também, infelizmente, pelos cidadãos que sabiam que nela não encontravam a verdadeira garantia dos seus direitos”.
Ao contrário do que acontece com as restantes leis aprovadas pela Assembleia da República, as Constituições têm um preâmbulo. O preâmbulo da Constituição de 1976 é o mais extenso de sempre e manteve-se inalterado até à data, “não tanto pelo facto de não fazer parte do texto constitucional e de, por isso, não possuir valor jurídico semelhante ao dos comandos constitucionais, mas mais por uma razão de preservação da memória de um momento histórico de rutura revolucionária e dos princípios e ideias que lhe estiveram subjacentes” [2]. Como referido por Gomes Canotilho e Vital Moreira, “é, a um tempo, uma certidão de origem e uma proclamação de princípios”.[3]
A Constituição abre com os Princípios fundamentais, que incluíam, na versão de 1976, um artigo sobre o processo revolucionário (artigo 10.º). Segue-se a Parte I, com os Direitos e deveres fundamentais, composta por 68 artigos, divididos entre princípios gerais, direitos, liberdades e garantias, e direitos e deveres económicos, sociais e culturais. Apesar de alterações introduzidas no articulado, nas diferentes revisões constitucionais, a estrutura desta Parte mantém-se até aos dias de hoje.
A estabilidade dos direitos e deveres fundamentais decorre da sua amplitude e inegável modernidade, designadamente ao fixar os direitos dos cidadãos relativamente ao uso da informática ou ao proclamar o direito ao ambiente (“Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.” [n.º 1 do artigo 66.º]) e, em particular, ao atribuir ao cidadão ameaçado ou lesado neste direito a faculdade de pedir a cessação das causas de violação e a respetiva indemnização.
De referir ainda, nesta matéria, o que em 1976 foi epigrafado como extensão dos direitos e que dispõe, ainda hoje, que os preceitos da Constituição e da Lei relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem [4].
A Parte II é dedicada à Organização Económica, assinalando-se nesta Parte alterações mais significativas, como a substituição do título dedicado à reforma agrária por um dedicado às políticas agrícola, comercial e industrial, e a supressão dos artigos e referências às nacionalizações e socialização.
Na Parte III, Organização do Poder Político, as alterações mais visíveis resultam da supressão do Conselho da Revolução e da Comissão Constitucional e a consequente criação do Tribunal Constitucional, bem como a previsão do referendo, a alteração da composição e o alargamento das competências da Assembleia da República.
Na Parte IV, sobre a Garantia e Revisão da Constituição, os limites materiais da revisão foram alterados em consonância com as alterações introduzidas no restante articulado, mantendo-se os restantes limites e, no essencial, o processo de revisão.
As alterações sofridas foram naturalmente mais extensas e profundas do que as aqui elencadas, a começar logo pela eliminação das palavras e expressões emblemáticas do momento que então se vivia, como revolução, processo revolucionário ou transição para o socialismo, que, contudo, sobreviveram no preâmbulo.
45 anos depois, a Constituição de 1976 é a segunda mais longeva da nossa história constitucional, apenas ultrapassada pela Carta Constitucional de 1826, que vigorou em três períodos distintos, por mais de 70 anos. Como refere Jorge Miranda, apesar das sete revisões constitucionais, a “Constituição continua sendo (…) a mesma Constituição que a Assembleia Constituinte aprovou em 1976 – porque uma Constituição consiste, essencialmente, num complexo de princípios e não de preceitos”.[5]
Lembrando as palavras proferidas por Henrique de Barros, na abertura da Constituinte, a Constituição de 1976 demonstrou ao longo destes 45 anos capacidade para suportar “o embate, sempre rude, da experiência, da realidade viva”.
[1] Reduzidos em 1982 para 300 e contando atualmente 296 artigos.
[2]Excerto extraído do artigo “A revisão constitucional na Constituição de 76”, de Gonçalves, F. P. in Vargas, A. e Fonseca, T. (ed.) Como funciona o Parlamento. Lisboa, Assembleia da República, 2019.
[3] Canotilho, J.J. Gomes e Moreira, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, Coimbra Editora, 1993, p. 44.
[4] Através da Resolução n.º 39/2013, de 3 de abril, a Assembleia da República recomendou a adoção por entidades públicas e privadas da expressão universalista para referenciar os direitos humanos, substituindo a expressão “direitos do homem” por “direitos humanos”.
[5] Miranda, Jorge, “A Constituição de 1976 – Ontem e hoje”, Jornal Público, 6 de abril de 2006.