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“NINGUÉM PODE ESCREVER O QUE NÃO OUVE” (1821)


Relógio

No dia 7 de março de 1821, Ângelo Ramon Marti, o “Taquígrafo-Mor das Cortes”, apresenta ao Parlamento uma exposição sobre as causas dos problemas detetados nas atas das sessões das Cortes, nomeadamente na inexatidão dos discursos e na ausência de ordem na sua colocação no Diário.


Pintura de Veloso Salgado representando as Cortes Constituintes de 1821.

O taquígrafo apresenta as seguintes razões para as falhas do Diário das Cortes.

Em primeiro lugar, considera que “o zelo do bem comum”, “as boas intenções dos Representantes da Nação” e “o imenso cabedal de suas ideias” faz às vezes com que os Deputados falem com muita rapidez ou não deixam acabar o discurso de um orador, para lhe responder”.

Assim, a taquigrafia [1] não é capaz de acompanhar o discurso oral, pois “a mão não é composta de articulações da mesma flexibilidade, que as da língua”.

Em segundo lugar, refere a Sala da Biblioteca do Convento das Necessidades como desadequada para a função parlamentar, “sendo uma meia elipse onde estão sentados os senhores Deputados e um retângulo onde a voz se espalha, perdendo-se nos seus ângulos”. Esta configuração impede que os Deputados se consigam ouvir pelo taquígrafo, pelos espetadores e mesmo pelos outros Deputados. Ângelo Ramon Marti justifica assim os lapsos nos discursos: “ninguém pode escrever o que não ouve”.

De seguida, refere outras questões “não menores”, como a falta de pessoal e de condições na Secretaria do Diário, onde “não tem havido mais que um taquígrafo”, com a ajuda de seis discípulos com “ordenados mesquinhos”, doze horas de trabalho e “esperanças tão incertas de melhores”.

O Regulamento da Redação das Atas e dos Discursos das Sessões proposto pelo taquígrafo ao Parlamento tem por base o exemplo de Espanha:

“Doze são os taquígrafos (…) que em Espanha (…) servem na Secretaria do Diário, (…) divididos em três turnos, não só para que descansem dois dias cada turno (coisa indispensável, por que é um trabalho físico-intelectual com que não pode diariamente ninguém, por muito robusto que seja, chegar a resistir um ano), não só por isto, digo, senão por ter tempo para fazer copiar todas as suas notas nestes dois dias de descanso. Há Redatores que assistem, além dos taquígrafos, passam, se é necessário, às mãos dos Deputados, para que as vejam, pois que o mais eloquente Orador não pode deixar de cometer alguns erros de linguagem, coordenação de ideias etc., no fogo da locução.”

Apesar de terem sido admitidos mais taquígrafos, conforme o “regulamento provisório do estabelecimento da redação”, as críticas mantêm-se, de que é exemplo a intervenção do Deputado Rodrigo Ferreira, no dia 10 de junho de 1822:

“Sr. Presidente: A Comissão da Redação de Diário das Cortes vê-se obrigada a declarar ao soberano Congresso que o estabelecimento da taquigrafia marcha muito mal. Há mais de um mês que a Comissão lhe prescreveu a regulação de seus trabalhos, repartindo os taquígrafos todos em quatro turnos, e dando-lhes tempo para aprontarem os extratos de suas notas, com todo o descanso. Apesar disso, alguns dos taquígrafos menores não cumprem suas obrigações, cometendo muitas faltas, tardanças e negligências. Têm sido advertidos e continuam sem emenda. A Comissão está resolvida a castigar os omissos, fazendo descontar-lhes parte de seu ordenado nas folhas do pagamento mensal.”

O Parlamento português abandonou a taquigrafia nos anos 60 do século XX, adotando-se como metodologia a gravação e transcrição integral das sessões plenárias.

[1] A taquigrafia ou estenografia é um sistema muito rápido de escrita com recurso a abreviaturas especiais.