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Cota: 105/11.
Em 1911, estavam já desenhados os contornos de um mundo global, apoiado na “facilidade das comunicações entre os povos e respetivas nações por meio das linhas férreas, linhas telegráficas e pelos paquetes de grande velocidade”. Em paralelo, a recém-instaurada República portuguesa desdobrava-se em esforços para garantir o reconhecimento internacional, pelo que esta motivação de ordem política possa talvez justificar que, com muito atraso em relação a outros países europeus, Portugal abandonasse o “Tempo Médio de Lisboa” como hora legal, passando a adotar o “Tempo Médio de Greenwich”.
A decisão, firmada no Decreto com força de lei de 24 de maio de 1911, foi antecedida pela constituição, por portaria de 2 de maio, de uma extensa comissão para apreciar a proposta, da qual faziam parte José Nunes da Mata, lente e diretor da Escola Naval, João Maria de Almeida Lima, diretor do Observatório Meteorológico de Lisboa, Frederico Oom, astrónomo do Observatório Astronómico da Tapada da Ajuda, Pedro José da Cunha, lente de astronomia da Escola Politécnica, Luís da Costa Amorim, engenheiro civil e de minas, estando ainda representada uma extensa lista de coletividades convidadas pelo Governo: Associação Comercial de Lisboa, Associação dos Lojistas de Lisboa, Clube Militar Naval, Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro Portugueses, Companhia da Beira Alta, Conselho de Administração dos Caminhos de Ferro do Estado, Empresa Insulana de Navegação, Empresa Nacional de Navegação, Empresa Portuguesa de Navegação para o Algarve e Guadiana, Linha Nacional de Navegação à Vela, Liga Naval Portuguesa e Sociedade de Geografia de Lisboa.
A conveniência da medida, “sob o ponto de vista científico como também sob o ponto de vista político, financeiro, comercial e outros”, levou à sua aprovação unânime, em sede de comissão, que apresentou assim as virtudes práticas da “nova hora”:
“Quando qualquer pessoa viaja de um para outro ponto, não experimenta a menor confusão, ao passar de um para outro fuso horário, e até mesmo pode evitar o pequeno incómodo de mexer nos ponteiros do seu relógio. Assim, se na sua viagem segue a direção de oeste para leste, basta considerar aumentado o tempo que marca o seu relógio de mais uma hora, a partir do momento em que entra em outro fuso horário, e considerar diminuído o tempo que marca o seu relógio também de uma hora, se viaja de leste para oeste. Enquanto aos minutos não tem nada que alterar, pois minutos e segundos continuam a ser rigorosamente os mesmos por toda a parte no mesmo instante. Portanto, a mudança do viajante de um para outro fuso horário não oferece a menor dificuldade, pois que o contar mais ou contar menos uma hora não constitui uma operação difícil para ninguém.”
A comissão defendeu ainda que “seria de toda a conveniência social que as horas fossem contadas seguidamente de 0h a 23h, a começar à meia noite e a terminar na meia noite seguinte, com recomendação de “modificar desde já neste sentido os horários dos caminhos de ferro e a contagem das horas nas estações telegráficas do país, podendo também desde já começarem a ser modificados os mostradores dos relógios”, considerando que “a modificação mais simples, económica e útil dos mostradores dos relógios consiste em pintar por dentro da atual numeração romana que vai até 12, uma outra numeração árabe ou usual que fosse até 23, sendo preferível pintar um 0 no lugar do 24. As horas inferiores a 12 são horas da manhã; as horas superiores a 12 indicam horas da tarde; 12 indica o meio-dia e 0 ou 24 indicam a meia-noite.”
Decidiu ainda, a mesma comissão, que fosse “elaborada uma exposição explicativa da lei, destinada à publicidade, no intuito de elucidar o povo do país e domínios sobre o modo prático de contar a nova hora.” Relembramos hoje esse trabalho, editado com o título “A nova hora e os fusos horários, ou rápida explicação conducente a facilitar a execução do decreto publicado neste respeito”, que integra o espólio da Biblioteca Passos Manuel e pode também ser consultado em formato digital.
A Biblioteca Passos Manuel tem vindo a digitalizar títulos que se encontram em domínio público, quer provenientes da coleção da Biblioteca das Cortes, quer pertencentes a espólios à sua guarda. Os exemplares digitalizados ficam disponíveis em acesso público, universal e gratuito a partir do catálogo bibliográfico, do Registo Nacional de Objetos Digitais e da Europeana. Nesta secção, destacam-se alguns desses títulos.