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AFINAL, O ASSASSINADO ESTAVA VIVO!


Relógio

A história que aqui se reproduz consta das atas da sessão de 14 de outubro de 1822 das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, conhecidas como Cortes Constituintes.

Estas Cortes, fruto da Revolução Liberal de 1820, foram o primeiro parlamento português eleito. Os trabalhos decorreram entre 24 de janeiro de 1821 e 4 de novembro de 1822, no Palácio das Necessidades, em Lisboa. A Constituição de 1822 foi aprovada a 23 de setembro de 1822. Durante o período em que as Cortes estiveram em funcionamento, os deputados constituintes debateram e aprovaram outras leis, que decorriam naturalmente do texto constitucional.

Temos de recuar até àquela época e lembrar que só então ficou consagrada a divisão tripartida dos poderes (legislativo, executivo e judicial) e foi extinto o Tribunal da Inquisição (1). Por isso, os deputados consideraram a reforma da organização judiciária uma das principais prioridades, embora, por razões políticas, não tenha chegado a concretizar-se de imediato.

Importa ainda recordar que, apesar de Portugal ter sido pioneiro a abolir a pena de morte para crimes civis, isso só aconteceria anos mais tarde, em 1867. Contudo, alguns deputados abolicionistas empenharam-se então na elaboração de legislação mais humanitária, menos cruel, envolvendo até a alteração das expressões utilizadas (2), o momento da aplicação da pena e a competência para condenar.

E é assim que no debate dos artigos 86.º e 87.º do “Projeto de decreto de criação das nossas Relações”, na sessão de 14 de outubro de 1822, o Deputado Peixoto considerou insuprível, principalmente em caso de morte, o exame do corpo de delito. E justificou a sua posição mencionando erros havidos:

“(…) aqui mesmo na suplicação aconteceu julgarem uma morte, em que não tinha havido corpo de delito; queixou-se a mulher do condenado à Rainha a Sra. D. Maria I, afirmando que o facto era falso; e que o suposto assassinado era vivo; mandou-se informar o juiz da culpa, o qual novamente afirmou, que pelos autos se provava, sem deixar dúvida, a existência do delito; e quando a sentença estava para cumprir-se, apareceu o suposto assassinado, que estava vivo, e são.”

Apesar destas observações e da discordância igualmente manifestada pelo Deputado Borges Carneiro, os artigos em causa foram aprovados sem considerar o exame do corpo de delito.

(1) A abolição do Tribunal do Santo Ofício de Inquisição foi aprovada na sessão de 24 de março de 1821.

(2) “Observarei em segundo lugar que a expressão morte natural, se não deve mais conservar: é tempo de se desterrarem a frases inexatas que conspurcam a jurisprudência. Morte natural é a de um homem muito velho a quem abandona a vitalidade, e a natureza; aquela morte de que aqui se trata é muito artificial.” Borges Carneiro, sessão de 15 de outubro de 1822.





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