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REVOLTA DO GRELO (1903)

Em março de 1903, eclodiram na cidade de Coimbra vários tumultos originados pela cobrança de imposto de selo aos vendedores ambulantes do mercado da cidade. Nos dias 8, 9 e 10, os fiscais do Governo Civil exigem aos comerciantes o pagamento de uma licença para o exercício da atividade, cobrando uma multa em caso de incumprimento. As vendedoras de hortaliças e frutas, oriundas de zonas rurais circundantes, iniciam um protesto que ficaria conhecido como Revolta do Grelo.
"O Académico", 22 de março de 1903. Hemeroteca Municipal de Lisboa.
"O Ocidente", 20 de março de 1903. HML.
No dia 11, as estradas de acesso a Coimbra são cortadas por iniciativa das vendedoras multadas, tendo com objetivo impedir o abastecimento de produtos frescos na cidade.

Às vendedoras, juntam-se camponeses e operários, dando origem a uma multidão que entra na cidade, onde outros trabalhadores e estudantes se associam aos protestos, que culminam no apedrejamento e no assalto ao edifício das Finanças, situado no antigo Pátio da Inquisição.

Nesse dia, é entoado o hino da revolta: «Vão pagar o selo / o selo à praça / vão pagar o selo/ que o selo não e de graça / Vamos todos raparigas / vamos a Revolução / vamos todos fazer greve/ ao Pátio da Inquisição».

Apesar da suspensão das licenças pelo Governo Civil, mantêm-se os distúrbios, com a população a apedrejar edifícios públicos e mesmo casas particulares. O Governo envia forças militares para Coimbra, que, no dia 12, já sofre com o isolamento e a falta de abastecimento de géneros alimentares. Alguns manifestantes entoam A Portuguesa, ouvem-se “vivas” à República e protesta-se contra o Governo. Além dos danos materiais, os confrontos entre a população e os militares provocam dois mortos e vários feridos (1).

O assunto chega ao Parlamento, pela primeira vez, na sessão de 13 de março, com o Deputado Dias Ferreira a pedir explicações ao Governo sobre a “espécie de revolução em Coimbra reunindo-se de repente 10 000 homens, sem aparecer uma providência de satisfação às reclamações populares”, acusando a atuação das forças militares de selvajaria, ao disparar sobre o povo sem aviso prévio.

O Chefe do Executivo, Hintze Ribeiro, argumenta que, perante a dimensão dos tumultos, “a força pública não podia deixar de cumprir o seu dever” e assegura que a situação está dominada pelas autoridades.

O Deputado Oliveira Matos acusa o Governo de não ter prevenido os acontecimentos, recusando-se a ouvir as reclamações do povo sobre a atuação dos fiscais:

“Pois não se hão de levantar clamores contra a maneira vexatória, iníqua, revoltante por que procedem os empregados do fisco, lançando multas, a fim de distribuírem entre si o dinheiro dos contribuintes?
(…)
Este é o grande crime do Governo: não ter previsto os sons de clamor que haviam de levantar-se pedindo providências contra os abusos e os vexames do fisco.”

Afirma ainda que a revolta de Coimbra é um sintoma do descontentamento da população de todo o país com a administração e o Governo, impossível de travar através das forças militares.

Na sessão do dia seguinte, Francisco José Machado, dá conta dos telegramas recebidos da Associação Comercial de Coimbra, protestando contra o Governo e exigindo a suspensão das “licenças da lei do selo até à revisão da mesma lei, acabando com as extorsões e vexames a que está dando causa e fazendo vítimas”.

Hintze Ribeiro refere que, apesar de os tumultos estarem controlados, a tensão e a gravidade da situação em Coimbra mantêm-se, com as fábricas e as lojas fechadas, tentando impedir o abastecimento de alimentos. Na “excitação dos espíritos” na cidade encontra a razão para a tomada de medidas excecionais, como o encerramento da Universidade e do Liceu e a ordem para os estudantes abandonarem a cidade, evitando assim o seu envolvimento em “acontecimentos ainda mais graves”.

No mesmo dia, na Câmara dos Senadores, perante a acusação de irregularidades na administração pública em Coimbra, o Ministro da Fazenda, Teixeira de Sousa, anuncia a realização de uma “sindicância aos atos praticados pela fiscalização dos impostos” e a punição dos funcionários, caso de verifiquem abusos ou ilegalidades.

No dia 16 de março, o Chefe do Governo assegura que atenderá às reclamações da população relativamente ao imposto de selo cobrado aos vendedores, assim que a cidade recupere a sua vida normal de trabalho nas fábricas e no comércio.

Nos dias seguintes, apesar do regresso de Coimbra à normalidade, o tema da Revolta do Grelo continua a ser abordado nos debates parlamentares.

O imposto de selo permanece na lei, mas, efetivamente, nos anos seguintes, deixa de ser cobrado aos vendedores.

(1) O Ocidente, 20 de março de 1903, p. 1. Hemeroteca Municipal de Lisboa.
Imagem do separador: A Paródia, 26 de março de 1903. HML.

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