Inauguração do Busto do Professor Henrique de Barros,            
Presidente da Assembleia Constituinte
 
  
          


Minhas Senhoras e
Meus Senhores:

A partir de hoje fica mais rico o histórico átrio do Palácio de São Bento, que foi chão de igreja em tempos idos e é, desde os primórdios do constitucionalismo, a entrada nobre da casa-mãe da democracia portuguesa.

A arte de Mestre Lagoa Henriques fixou no gesso a figura veneranda do Presidente da Assembleia Constituinte. Honra-me muito desvelar este monumento nos primeiros dias da minha presidência parlamentar; mas o mérito vai todo para o meu digno predecessor, António de Almeida Santos, que tomou a iniciativa de promover tão justa homenagem e nela, a par de tantas outras coisas, concretizar o seu valioso desígnio inicial de prestigiar o Parlamento.

Fazia falta neste lugar um padrão da Assembleia Constituinte. As tarefas por ela desempenhadas deixaram na História de Portugal uma marca indelével, que vai certamente confirmar-se no decorrer das gerações. E quem melhor para evocar a Constituinte de 1975-76 e o seu fundamental labor do que o Presidente, que tanto a prestigiou, o Professor Henrique de Barros?

Não foi mera obra do acaso, ou simples fruto de equilíbrios políticos momentâneos, a escolha do Professor Henrique de Barros para Presidente da Assembleia Constituinte. De algum modo, ainda antes de ser eleito para tão honroso cargo, já tinha ganho direito a ele, mercê de uma longa vida de intervenção cívica e democrática, votada ao corajoso combate contra a Ditadura e as variadas formas de opressão pela mesma destiladas.

A sua dedicação profissional ao magistério universitário, a sua autoridade científica nos domínios da economia agrária, o seu envolvimento apaixonado na promoção do cooperativismo, como instrumento de reforma da sociedade, numa perspectiva humanista e solidária - tudo longe dos temas jurídico-políticos que iriam formar o cerne da actividade da Constituinte - não o credenciavam, aparentemente, para as responsabilidades presidenciais.

Porém, a prática demonstrou, desde os começos, não haver, entre os duzentos e cinquenta deputados constituintes, livremente eleitos pelo Povo Português, outro mais talhado para função tão complexa e melindrosa.

Retenho bem viva na memória a sua figura simpática, quase paternal perante a juventude de tantos de nós; o jeito firme e delicado, ao mesmo tempo, com que dirigia os trabalhos; o seu bom humor equânime perante os múltiplos incidentes, alguns deles mesmo dramáticos, que assinalaram o denodado combate para dotar Portugal com uma Constituição verdadeiramente democrática.

Na primeira linha deste combate decisivo esteve sempre, naturalmente, o Presidente Henrique de Barros. Nunca, decerto, sozinho - que idêntico compromisso pela democracia era generalizadamente partilhado pelas deputadas e pelos deputados constituintes. Mas a responsabilidade de quem preside é a maior de todas! E se porventura fraqueja o presidente, o grupo todo treme e o objectivo comum até pode fracassar. Já o escreveu Camões, em verso lapidar: "o fraco rei faz fraca a forte gente!"

Que boa sorte tivemos, na Assembleia Constituinte, com a feliz presidência de Henrique de Barros! A sua inteligência apontou-nos o caminho seguro; o seu vigoroso carácter levou-nos a triunfar de todos os obstáculos e dificuldades.

Se hoje aqui nos reunimos, fruindo os privilégios da liberdade e da democracia, negados a inúmeros dos nossos semelhantes, em certa parte o devemos à liderança do Presidente Henrique de Barros.

Por isso merece e deve estar aqui a sua imagem, no posto e em atitude de guardião da Assembleia da República - e por ela da Constituição e da democracia, que a Revolução do 25 de Abril brindou aos portugueses e às portuguesas.

Mais perene ainda do que a estátua de bronze é o lugar saudoso que Henrique de Barros, detém, como um dos patriarcas do nosso regime democrático, no coração de quantos com ele trabalharam, na Assembleia Constituinte, em serviço de Portugal; perene também será o lugar que lhe cabe na memória colectiva da Pátria, da qual não foi, é, sem dúvida - porque os grandes morrem, mas não passam! - um dos cidadãos mais ilustres.

(Palácio de São Bento, 6 de Junho de 2002)