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Após a sessão preparatória de 24 de janeiro de 1821, a sessão inaugural das Cortes Constituintes teve lugar dois dias depois no Convento das Necessidades.
A Revolução de 1820 esteve na origem do primeiro Parlamento português, as Cortes Constituintes, tendo como missão primordial a elaboração de uma Constituição. A intenção de convocar as Cortes pode ser constatada numa das proclamações efetuadas no Porto no próprio dia da Revolução Liberal, a 24 de agosto:
"Criemos um governo provisório, em quem confiemos. Ele chame as Cortes, que sejam o órgão da Nação, e elas preparem uma Constituição, que assegure os nossos direitos."
As eleições em Portugal Continental para a formação das Cortes Constituintes, denominadas Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa realizaram-se em dezembro de 1820 e os trabalhos do primeiro Parlamento português decorreram entre 24 de janeiro de 1821 e 4 de novembro de 1822.
A Livraria do Convento das Necessidades foi o local escolhido para acolher as Cortes Constituintes.
As obras de adaptação e decoração da sala para as suas novas funções realizaram-se em apenas 45 dias, com três filas de cadeiras em forma de hemiciclo e a mesa da Presidência no centro virada para os Deputados. O projeto inicial previa lugares para os 100 Deputados eleitos em Portugal Continental, pelo que, com as posteriores eleições nos territórios ultramarinos, as bancadas foram ampliadas.
Esta assembleia constituinte, embora com a incumbência primeira de elaborar uma Constituição, designou desde logo um novo governo, a Regência, substituindo a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, que tinha dirigido o país desde o triunfo da Revolução. Legislou igualmente de forma soberana sobre os mais variados assuntos de natureza política, económica e social e impôs ao Rei D. João VI o seu regresso do Brasil – onde se havia refugiado com a corte após as invasões francesas - para prestar juramento das Bases da Constituição.
Instituiu-se, assim, o primeiro sistema de governo parlamentar controlado por uma assembleia que viria a aprovar, em 23 de setembro, a Constituição de 1822.
Após a sessão preparatória de 24 de janeiro para verificação dos mandatos dos Deputados, a sessão inaugural das Cortes Constituintes teve lugar dois dias depois, pelas 14h30, na Livraria do Convento das Necessidades, conforme descrito na ata da reunião:
“Aos 26 dias do mês de janeiro de 1821, nesta Cidade de Lisboa, Paço e Sala das Cortes, reunidos os Senhores Deputados, cujos Diplomas e Poderes tinham sido verificados e havidos por legais na Sessão Preparatória do dia 24; e, achando-se presente em seus respetivos lugares a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, e a Preparatória das Cortes, abriu-se a Sessão pelas duas horas e meia da tarde”.
O Presidente do Governo, Conde de Sampaio, dirigiu-se aos 74 Deputados presentes:
“Ilustres Representantes da Nação Portuguesa: Chegou por fim o dia venturoso que os Portugueses tão ansiosamente desejavam, e que vai a coroar seus ardentes votos, e suas lisonjeiras esperanças; dia para sempre glorioso e memorável, que fará a mais brilhante época na Historia da Monarquia (…) Em vossas mãos, Senhores, está ao presente a sorte desta Magnânima Nação, a felicidade da nossa cara e comum Pátria. O ilustrado zelo e patriotismo dos Portugueses a confiou à vossa virtude e sabedoria: eles não se acharão enganados em sua escolha, nem serão iludidos em suas esperanças".
Nesta sessão, foi eleito Presidente das Cortes o Arcebispo da Baía e Vice-Presidente Manuel Fernandes Tomás.
Conforme descrito no Mnemosine Constitucional de 29 de janeiro de 1821, após a sessão "à noite iluminou-se toda a cidade e no Real Teatro de S. Carlos houve um novo Elogio Alegórico, em que apareceu copiado na cena o Palácio do Governo, na frente do Palácio do Rossio, e no seu centro um magnífico arco triunfal com o Retrato de S. Majestade, circulado desta legenda: Viva El-rei, vivam as Cortes."
No dia 30 de janeiro, o Presidente das Cortes Constituintes discursava a propósito do juramento dos membros da Regência:
"Não careço eu de instruir a Vossas Exas. sobre a importância dos deveres que hoje contrairão, e de cujo cumprimento ficam devedores a toda a Nação desde o momento em que, assumidos pela mais escrupulosa, e acrisolada eleição para tão alto e importante Emprego, se acham obrigados a pôr em uso toda a desteridade, eficácia, incorruptibilidade, e mais virtudes que cumprem ao Fiscal da Lei, e cujo desenvolvimento a Nação inteira espera de vossas luzes, e bem notório honrado comportamento.
Bem sabeis, Senhores, que a Lei, embora sábia, providente, e o melhor meditada para conseguir o seu fim, [o] qual deve ser o bem comum da sociedade, que outro não é senão a soma do bem possível de todos os indivíduos que a formam; que esta Lei, digo, quando somente estampada ainda nos mais belos e nítidos carateres, mas sem a devida prática, é uma Lei, uma regra morta, silenciosa, inerte, incapaz de conseguir seu grande fim; e que é somente o seu Fiscal, e ativo Promotor, que a vivifica, anima, e põe em saudável uso, para bem do todo, e particular de cada um. Sem esta mola real, sem este princípio reanimante da mais sábia legislação, toda ela seria, quando muito, o digno objeto da admiração do Sábio, e do Filósofo no segredo do seu Gabinete, nunca porém, qual cumpre, seria o fundamento da felicidade social, bem como a matéria de luz, dormente e inútil, sem a presença do primeiro e luminoso astro, que a desperta, e põe em doce movimento."
Na reunião de 5 de fevereiro de 1821, Manuel Fernandes Tomás concluiu a leitura do "Relatório acerca do Estado Público de Portugal", que se mandou dar ao prelo:
“Senhores, O dia 1.º de outubro do ano de 1820, reunindo em um só os Governos Provisórios do Porto e de Lisboa, marca em Portugal a época para sempre memorável, de uma nova administração pública, encarregada à Junta Provisional. Como participante de seus honrosos trabalhos, e como órgão dela na Repartição do Interior, e da Fazenda, cabe-me em sorte a obrigação de indicar-vos sua conduta, na dificultosa tarefa de que foi incumbida. Lançarei ao mesmo tempo para vossa informação uma vista rápida sobre o estado do reino, nestes dois interessantíssimos objetos; e eu me consideraria feliz se pudesse fazer, tão dignamente como devo a Vós, e à Nação que representais, esta breve mas franca exposição, para a qual é indispensável que eu chame a vossa atenção.
As causas, que produzirão nossa revolução venturosa, não são desconhecidas de um só de nossos concidadãos, porque cada um, na parte que lhe tocava, sentia sobre si o peso enorme das desgraças que afligiam Portugal; e nenhum deixa hoje de estar convencido de que era chegado o último instante da existência política desta infeliz Pátria, se o braço do Omnipotente, confundindo projetos insensatos, não arrancasse das bordas do abismo tão precioso depósito, para o entregar à vossa guarda, e vigilância.
Males de toda a ordem se experimentam em todos os ramos da economia particular do Estado, porque a ignorância, e a imoralidade tudo tinham contaminado, corrompido tudo. Erros de séculos, e que por séculos haviam adquirido a força, e o império dos hábitos, não podiam emendar-se em três meses. A corrupção espalhada por todo o corpo político não podia debelar-se completamente sem remédios lentos e gerais, porque o veneno atacara ao mesmo tempo toda a massa do sangue, e todo o sistema vital.
(…)
Sem particular informação de cada um dos ramos da Administração, e sem meios de a conseguir em tão curto espaço de tempo, não era seguro, nem conveniente preferir um a outro objeto; porque em todos havia mais ou menos abusos, todos precisavam de reforma, e de todos se faziam queixas. Mas estas queixas eram pela maior parte da conduta de alguns Administradores. A opinião pública se havia pronunciado decisivamente contra eles, designando-os como causa dos males, que se experimentavam, e foi preciso respeitar a opinião publica, porque os males existiam de facto, e via-se que as leis não eram observadas.
Achar pronto um homem de conhecida moral, e ao mesmo tempo de bastantes luzes, para ocupar o lugar daquele que era necessário remover, não parecia com efeito muito fácil: mas era menos fácil ainda experimentado já nos negócios de que devia ser encarregado; porque no antigo sistema de governar o merecimento o mais distinto dava antes um título para ser perseguido, do que empregado. Os homens mais dignos de servir a Pátria viviam por isso no retiro, e na obscuridade. Para os conhecer devia passar tempo; e a necessidade de remediar os abusos era tão instante, que obrigava a aproveitar até os mais ligeiros momentos.
Tal foi, Senhores, a origem das Comissões, que se criaram para diferentes ramos da Administração pública. Este método pareceu com efeito o melhor, porque reúne duplicadas vantagens. Reparte por muitos os cuidados e fadigas superiores às forças de um só, porque os trabalhos devem crescer agora em proporção da necessidade de fazer nas Repartições longas, e amiudados exames para vos serem apresentados; dá ao mesmo tempo a esses trabalhos toda a notoriedade, inspirando ao público esta confiança que é o mais seguro apoio dos Governos, porque a Nação vê empregados nestes objetos os cidadãos mais conspícuos de diversas classes, e mais distintos por sua probidade, e por seu amor à Pátria.
(…)
Quando um Governo, Senhores, trata os interesses dos povos pelo modo que tendes ouvido, e que desgraçadamente é muito verdadeiro, fazendo, ou consentindo que se façam males tão grandes, ninguém poderá deixar de confessar que ele é um Governo mau: e em tal caso seria bem admirável, que houvesse ainda quem se lembrasse de disputar à Nação o direito de escolher, ou de fazer outro melhor."
No dia 9 de março de 1821, as Cortes aprovaram as Bases da Constituição, documento que sintetiza os princípios da Constituição que seria aprovada no ano seguinte. O texto está dividido em secções:
I – Dos direitos individuais do Cidadão, consagrando, em outros, os princípios da igualdade perante a lei, da liberdade de expressão, da segurança e da propriedade pessoais e instituindo o direito de petição.
II – Da Nação Portuguesa, sua Religião, Governo e Dinastia, que define a Nação Portuguesa como “a união de todos os Portugueses de ambos os hemisférios”, a religião “Católica Apostólica Romana” com religião oficial e a Casa de Bragança como dinastia reinante. “A soberania reside essencialmente na Nação”, que, através dos seus representantes eleitos elabora a Constituição. As Bases da Constituição consagram a divisão dos poderes legislativo (Cortes), executivo (rei e ministros) e judiciário (juízes).
A 4 de julho de 1821, D. João VI desembarca em Lisboa, vindo do Brasil para onde transferira a corte em 1807. Nesse mesmo dia, com o povo a encher as ruas, o rei dirigiu-se ao Palácio das Necessidades, onde teve lugar o Ato de Juramento das Bases da Constituição, conforme descrito na ata da sessão:
“Às cinco horas da tarde entrou na sala das Cortes S. Majestade precedido das duas Deputações que lhe haviam sido enviadas, e acompanhado dos oficiais da sua casa; e subiu imediatamente ao trono a ocupar a cadeira que lhe estava destinada. Então, o senhor Presidente, acompanhado dos quatro senhores Secretários, se dirigiu igualmente ao trono, levando um dos senhores Secretários o livro dos santos Evangelhos; e sendo-lhe este apresentado pelo senhor presidente, Sua Majestade, pondo a mão sobre ele, pronunciou o seguinte juramento:
Eu D. João VI, pela graça de Deus, e pela Constituição, Rei do Reino Unido de Portugal, Brasil, e Algarves, juro aos santos Evangelhos manter a Religião Católica Apostólica Romana; observar, e fazer observar as Bases da Constituição decretadas pelas Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, e a Constituição que elas fizerem e ser em tudo fiel à mesma Nação.
Ao que acrescentou Sua Majestade:
Assim o juro de todo o meu coração.
Por se achar muito fatigado pronunciou Sua Majestade em voz mais baixa estas memoráveis palavras, as quais não puderam por isso ser ouvidas de toda a Assembleia; mas o foram distintamente pelos senhores Presidente, e Secretários, e por alguns outros dos senhores Deputados que ficavam mais próximos ao trono. O senhor Presidente informando o Congresso de tão atendível circunstância, representou a necessidade de ser muito expressamente consignada na Ata; não só para constar a toda a Nação, mas para ser publica à Europa e ao Mundo inteiro a espontânea e cordial adesão com que Sua Majestade se rende aos votos do Povo português.”
A elaboração da Constituição ocupou um lugar central nos trabalhos do primeiro Parlamento português. No entanto, as Cortes, que contaram com 482 sessões plenárias, registadas no primeiro jornal oficial parlamentar, aprovaram ainda legislação sobre várias matérias de natureza política, económica e social, como, por exemplo, a extinção das coutadas abertas, a abolição da Inquisição e dos chamados direitos banais “que formam privilégios exclusivos contrários à liberdade dos cidadãos”, a amnistia aos presos por opiniões politicas e a lei da liberdade de imprensa, que a par da questão do Brasil, marcou os debates parlamentares.
As Cortes dedicaram-se ainda a regulamentar matérias mais comuns, como são exemplo, a proibição da importação do azeite de oliveira e de nabo, de produção estrangeira, por mar e por terra ou as normas para a utilização do laço nacional.
As comissões parlamentares, criadas para tratar de matérias especializadas, são também eco das preocupações comuns. Os requerimentos, petições, queixas recebidos atestam a importância dada ao Parlamento pela população na resolução dos seus problemas.
A 23 de setembro de 1822, foi aprovada a primeira Constituição portuguesa.
A Constituição tem um curto proémio, no qual as Cortes afirmam a sua íntima convicção de que as desgraças públicas, que “tanto têm oprimido e ainda oprimem [a Nação Portuguesa], tiveram a sua origem no desprezo dos direitos do cidadão e no esquecimento das leis fundamentais da Monarquia; e havendo outrossim considerado que somente pelo restabelecimento destas leis, ampliadas e reformadas, pode conseguir-se a prosperidade da mesma Nação e precaver-se que ela não torne a cair no abismo, de que a salvou a heroica virtude de seus filhos (…)”.
No primeiro texto constitucional português ficaram consagrados os princípios ligados aos ideais liberais da época: representação, separação de poderes, igualdade jurídica e respeito pelos direitos pessoais.
Na sequência da Revolta da Vilafrancada, em maio de 1823, liderada por D. Miguel, e da nomeação de um novo Governo, D. João VI dissolveu as Cortes e revogou a Constituição.
A Constituição de 1822 vigorou menos de um ano, entre 23 de setembro de 1822 e 3 de junho de 1823. Na sequência da Revolução de Setembro, em 1836, teria uma curta e quase simbólica segunda vigência, de 10 de setembro de 1836 a 4 de abril de 1838, data do juramento da Constituição de 1838.
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