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LEI ELEITORAL DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA


Evolução da legislação eleitoral para as presidenciais desde 1976.

Palácio de São Bento

Menos de um mês depois do 25 de Abril de 1974, a Junta de Salvação Nacional aprovou a Lei n.º 3/74, de 14 de maio, que definia a estrutura constitucional transitória encarregada de reger a organização política do país até à entrada em vigor da nova Constituição da República Portuguesa. A lei previa que, até ao início do exercício de funções dos órgãos que viessem a ser instituídos, exerceriam o poder, além da Assembleia Constituinte, o Presidente da República, a Junta de Salvação Nacional, o Conselho de Estado, o Governo Provisório e os tribunais.

António de Spínola, membro da Junta de Salvação Nacional, assumiu as funções de Presidente da República, cargo ao qual renunciou a 30 de setembro do mesmo ano, data em que tomou posse Francisco da Costa Gomes.

Dois anos depois foi publicado o Decreto-lei n.º 319-A/76, de 3 de maio, que regulamentava a eleição do Presidente da República. Nesse mesmo ano, tinham sido publicados os atos normativos que regulavam o recenseamento, a composição e as atribuições da Comissão Nacional de Eleições, as eleições dos Deputados à Assembleia da República (1) e foi ainda publicado o diploma que estabelecia o regime eleitoral para a eleição dos órgãos das autarquias locais.

Curiosamente, os diplomas então publicados para regularem os demais atos eleitorais (eleições legislativas e autárquicas) já foram revogados, mantendo-se apenas em vigor o que regulamenta a eleição do Presidente da República, apesar das diversas alterações que sofreu desde a sua aprovação.

1. O Decreto-lei n.º 319-A/76

Este diploma, aprovado pelo Conselho de Ministros e pelo Conselho da Revolução, regulamenta a eleição do Presidente da República, desenvolvendo os princípios e regras fixados na Constituição então aprovada. Assim, estipula que são eleitores do Presidente da República os cidadãos portugueses recenseados no território nacional e são elegíveis os cidadãos eleitores, portugueses de origem, maiores de 35 anos. O direito de voto é exercido presencialmente no território nacional.


Ramalho Eanes na campanha eleitoral para a Presidência da República, 1976, fotografia de Miranda Castela, Arquivo Histórico Parlamentar (AHP).



Cartaz de propaganda de Ramalho Eanes, 1976, AHP.


Determina ainda que o sufrágio constitui um direito e um dever cívico, fixando ainda que, salvo motivo justificado, o não exercício de direito de voto determina inelegibilidade para os órgãos de soberania, bem como para os corpos administrativos, por período igual ao da duração do mandato do Presidente da República (2).

As candidaturas só poderão ser apresentadas por um mínimo de 7500 e um máximo de 15 000 cidadãos eleitores, sendo eleito o candidato que obtiver mais de metade dos votos validamente expressos. Se nenhum dos candidatos obtiver esse número de votos, o Presidente da República fixará o segundo sufrágio até ao 21.º dia subsequente à primeira votação, concorrendo apenas os dois candidatos mais votados que não tenham retirado a candidatura. O mandato é de cinco anos e não é admitida a reeleição para um terceiro mandato consecutivo, nem durante o quinquénio imediatamente subsequente ao termo do segundo mandato consecutivo.

O período da campanha eleitoral inicia-se no 15.º dia anterior ao dia designado para a eleição e finda às 24h00 da antevéspera do dia marcado para a eleição, devendo o apoio dos partidos ser objeto de uma declaração formal dos órgãos dirigentes.

2. As alterações ao Decreto-lei n.º 319-A/76 e as eleições presidenciais

Ainda antes das primeiras eleições presidenciais, que decorreram a 27 de junho de 1976, nas quais foi eleito, à primeira volta, António Ramalho Eanes, com 61,59% dos votos, o Decreto-Lei n.º 319-A/76 sofreu seis alterações, quase exclusivamente de carácter processual (3).

Em 1980, ano de eleições presidenciais, realizadas a 7 de dezembro, nas quais foi reeleito António Ramalho Eanes, com 56,44% dos votos, foi aprovado, já pela Assembleia da República, um aditamento ao Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de maio, através da Lei n.º 45/80, de 4 de dezembro. Este aditamento incidia sobre a realização do segundo sufrágio, tendo sido, no ano seguinte, declarada a inconstitucionalidade de algumas normas do diploma original (4).

Em 1985, foram debatidos quatro projetos de lei de alteração à lei eleitoral do Presidente da República (5), sendo constituída uma comissão eventual para o efeito. Uma das alterações mais significativas então aprovadas decorreu da Lei Constitucional n.º 1/82, que esclareceu que é eleito Presidente da República o candidato que obtiver mais de metade dos votos validamente expressos, não se considerando como tal os votos em branco, questão que até então suscitava controvérsia. As restantes alterações incidiram no articulado na parte relativa à propaganda eleitoral e apuramento da eleição.


Mário Soares exerce o seu direito de voto na segunda volta das eleições presidenciais, 16 de fevereiro de 1986, AHP.


A 16 de fevereiro de 1986, à segunda volta, Mário Soares foi eleito Presidente da República com 51,18 % dos votos, dado que no primeiro sufrágio, realizado a 26 de janeiro, obteve apenas 25,43% dos votos (6).

Cinco anos depois, a 13 de janeiro de 1991, Mário Soares seria reeleito com 70,35% dos votos.

Antes das eleições realizadas a 14 de janeiro de 1996, nas quais foi eleito Jorge Sampaio, com 53,91% dos votos, foi aprovada a Lei n.º 11/95, de 22 de abril, que resultou da apreciação de iniciativa apresentada pelo grupo parlamentar do PSD que visava a redução de alguns prazos e a problemática da repetição do ato eleitoral, tendo, contudo, sido aprovadas outras alterações, designadamente quanto às incapacidades eleitorais, a presencialidade e a pessoalidade do voto, bem como quanto ao voto antecipado.

A revisão constitucional de 1997  atribuiu direito de voto, na eleição do Presidente da República, aos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, que se encontrassem inscritos nos cadernos eleitorais para a Assembleia da República em 31 de dezembro de 1996 (artigo 297.º), bem como nos termos de lei que deve ter em conta a existência de laços de efetiva ligação à comunidade nacional (lei essa a aprovar por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções, de acordo com os artigos 121.º e o n.º 6 do artigo 168.º).

Em 2000, visando concretizar este dispositivo constitucional, foram debatidas três iniciativas, a proposta de lei n.º 19/VIII/1.ª (Governo) e os projetos de lei n.ºs 152/VIII/1.ª (PSD) e 153/VIII/1.ª (CDS-PP), que deram origem à Lei Orgânica n.º 3/2000, de 24 de agosto. Nos termos desta lei, passam a ser eleitores do Presidente da República os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro que se encontrem inscritos nos cadernos eleitorais para a eleição da Assembleia da República à data da sua publicação, não precisando o que se pode considerar como a existência de laços de efetiva ligação à comunidade nacional, limitando-se a alargar aos eleitores recenseados entre 1997 e 2000.


Jorge Sampaio na varanda da Assembleia da República a saudar o povo, junto de Maria José Ritta e Almeida Santos, no dia da posse como Presidente da República, 9 de março de 1996, fotografia de Eduardo Gageiro, AHP.

Nas eleições presidenciais seguintes, realizadas a 14 de janeiro de 2001, foi reeleito Jorge Sampaio, com 55,55% dos votos.

A questão dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro é de novo debatida, na sequência da apresentação do projeto de lei n.º 101/X/1.ª (PS), dando origem à Lei Orgânica n.º 5/2005, de 8 de setembro. De acordo com esta lei, são eleitores do Presidente da República os cidadãos portugueses recenseados no estrangeiro à data da publicação da lei, bem como os inscritos posteriormente, por transferência de inscrição do território nacional ou de inscrição no estrangeiro anterior àquela data ou cuja inscrição tenha sido, ou venha a ser, efetuada com a idade de 18 anos, bem como aqueles que tenham exercido o direito de voto na última eleição da Assembleia da República.

Alarga ainda a capacidade eleitoral ativa aos cidadãos de outros países de língua portuguesa que residam no território nacional e beneficiem do estatuto de igualdade de direitos políticos, nos termos de convenção internacional e em condições de reciprocidade, desde que estejam inscritos como eleitores no território nacional.

Nas eleições seguintes, realizadas a 22 de janeiro de 2006, é eleito Aníbal Cavaco Silva, com 50,54% dos votos.

A questão dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro volta a ser debatida e a Lei Orgânica n.º 3/2010, de 15 de dezembro, estabelece que a nacionalidade portuguesa e a inscrição no recenseamento eleitoral no estrangeiro são provas suficientes da existência de laços de efetiva ligação à comunidade nacional. Esta lei altera o regime jurídico das diferentes eleições e referendos, alargando o regime do exercício do voto antecipado.


Sessão solene da tomada de posse do Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, 9 de março de 2006, fotografia de Luís Saraiva, AHP.

A 23 de janeiro de 2011 é reeleito Aníbal Cavaco Silva com 53,14% dos votos.


Marcelo Rebelo de Sousa na Assembleia da República no dia da tomada de posse como Presidente da República, 9 de março de 2016, fotografia de José Carlos Aleixo, AHP.

Antes das eleições de 24 de janeiro de 2016, nas quais é eleito Marcelo Rebelo de Sousa, com 52% dos votos, são aprovadas novas alterações às leis eleitorais, relativas ao regime jurídico da cobertura jornalística em período eleitoral pelos órgãos de comunicação social.

A última alteração à Lei Eleitoral do Presidente da República foi introduzida pela Lei Orgânica n.º 4/2020, de 11 de novembro, constitui a 22.ª alteração a este diploma e destina-se a alargar o voto em mobilidade e uniformizar normas sobre a realização de atos eleitorais e referendários.

Apesar de o Decreto-lei n.º 319-A/76 que regulamenta a eleição do Presidente da República se manter em vigor, sofreu já profundas alterações, a mais significativa das quais relativa à capacidade eleitoral ativa dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro. Relativamente aos atos eleitorais, com exceção das eleições realizadas em 1986, em todas as restantes foi suficiente um sufrágio, tendo todos os Presidentes da República eleitos sido reeleitos para um segundo mandato. Uma palavra final para referir que até às últimas eleições para Presidente da República se candidataram 44 candidatos e apenas 3 candidatas (7).

 

 

 

 

(1) O Decreto-Lei nº 93-C/76, de 29 de janeiro, ainda refere Assembleia Legislativa dado que é anterior à aprovação da Constituição da República Portuguesa e à escolha da designação de Assembleia da República.

(2) Esta determinação foi declarada inconstitucional com força obrigatória geral pela Resolução n.º 83/81, de 23 de abril, do Conselho da Revolução.

(3) As alterações foram introduzidas pelos Decretos-Lei n.ºs 377-A/76, de 19 de maio, 445-A/76, de 4 de junho, 456-A/76, de 8 de junho, 472-A/76, de 15 de junho, 472-A/76, de 15 de junho, e 495-A/76, de 24 de junho.

(4) A Resolução n.º 83/81, de 23 de abril, declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade material das normas constantes dos n.os 2 a 8 do artigo 70.º e n.os 2 e 3 do artigo 72.º do Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de maio, por violarem, respetivamente, a regra da pessoalidade do exercício do direito de voto prescrita no n.º 2 do artigo 48.º da Constituição e o princípio constante do n.º 2 do artigo 18.º, conjugado, designadamente, com os artigos 48.º, n.os 1, 2 e 4, 125.º e 153.º da Lei Fundamental.

(5) Projetos de lei n. os 18/IV/1.ª (PRD), 19/IV/1.ª (PSD/CDS-PP), 22/IV/1.ª (PCP) e 23/IV/1.ª (PS).

(6) Os restantes candidatos, Salgado Zenha, Maria de Lurdes Pintasilgo e Diogo Freitas do Amaral obtiveram, respetivamente, 20,88%, 7,38% e 46,31% dos votos. Foram concorrentes ao segundo sufrágio Diogo Freitas do Amaral e Mário Soares.

(7)Em 1986, candidatou-se Maria de Lurdes Pintassilgo e, em 2016, Marisa Matias e Maria de Belém Roseira.