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OS 40 ANOS DO CÓDIGO PENAL


No passado mês de setembro, o Código Penal aprovado em 1982 celebrou 40 anos.

No passado mês de setembro, o Código Penal celebrou 40 anos. Uma marca de longevidade que as várias alterações sofridas não diminuem.

 

Com a entrada em vigor do Código Penal, aprovado em 1982, foi revogado o anterior, aprovado em 1886, que esteve em vigor quase 100 anos1, embora também com profundas alterações.

O Código Penal foi aprovado pelo Governo2, no uso de uma autorização legislativa conferida pela Assembleia da República. Recorde-se que à época as autorizações legislativas conferidas ao Governo – e por este solicitadas - eram em número muito superior ao atual. Assim, apesar de a matéria penal poder ser objeto de autorização legislativa ao Governo, apenas 7 das 55 alterações ao Código Penal foram aprovadas por decreto-lei, no uso de uma autorização legislativa. Todas as outras foram debatidas e aprovadas pela Assembleia da República.

 

 

Na apresentação da Proposta de Lei n.º 100/II/2, que concedia autorização ao Governo para aprovar o novo Código Penal e legislar em matéria de contravenções e sobre o regime penal especial aplicável a jovens delinquentes dos 16 aos 25 anos, o então Ministro da Justiça, Menéres Pimentel, informou sobre os trabalhos preparatórios da iniciativa em causa:

“(…) o projeto baseia-se fundamentalmente nos articulados elaborados em 1963 (Parte Geral) e em 1966 (Parte Especial), da autoria do Professor Eduardo Garcia. Assim, se existe alguém que possa legitimamente arrogar-se desta obra legislativa será o referido Professor e todos os seus colaboradores, dos quais destaco, sem menosprezo para os restantes, o Professor Figueiredo Dias e os Doutores Costa Andrade e Faria e Costa.
Apesar de todo o esforço desenvolvido, o projeto inicial passou por várias vicissitudes, nunca tendo encontrado espaço político adequado antes do 25 de Abril. A este facto não é estranho o fim e a textura do próprio sistema punitivo do projeto que mal caberia nos quadros de um regime ditatorial. (…) Mercê da estabilidade governamental conseguida a partir de 1980, tornou-se possível recomeçar, a partir de 1981, a revisão do projeto, bem como a reformulação de outros projetos de lei complementares, assim como a formulação de novos diplomas.”

A proposta de lei de autorização legislativa foi acompanhada de pedido de prioridade e urgência o que restringiu ainda mais a discussão de questões fundamentais, como foi alegado por vários Deputados.

O Deputado Vilhena de Carvalho (ASDI) intervém no último dia do debate desta iniciativa para referir, em nome do seu grupo parlamentar, o seguinte:

“A tarefa ingente de implantar entre nós as conceções de uma nova e progressiva penalogia, está cheia de escolhos.

O Governo escolheu o caminho de assumir ele próprio as responsabilidades da construção de todo o edifício legislativo necessário àquele fim. Não iremos negar-lhe a autorização para o fazer. Só que não nos demitiremos de uma constante vigilância e, sendo caso disso, não renunciaremos à utilização do instituto da ratificação.”

A iniciativa foi entregue pelo Governo em maio de 1982, tendo sido debatida na generalidade nas reuniões de 7, 14 e 17 de julho e votada na generalidade e na especialidade a 20 de julho de 1982. Deu origem à Lei n.º 24/1982, de 23 de agosto, e no uso da autorização que era por ela conferida ao Governo, um mês mais tarde foi publicado o Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, que Aprova o Código Penal.

O debate foi quase exclusivamente circunscrito à metodologia escolhida pelo Governo para a aprovação do Código Penal, às necessárias reformas das estruturas de justiça e ao financiamento indispensável, bem como ao papel do juiz na aplicação da pena e no sentido pedagógico ou ressocializador da mesma. Quanto aos crimes em especial, debateu-se a questão da interrupção da gravidez3 e a inclusão ou não no Código Penal dos crimes antieconómicos e contra o ambiente. Segundo os intervenientes no debate, as inovações mais significativas resultaram da noção de que não há pena sem culpa, no abaixamento generalizado da moldura penal e na determinação de medidas não detentivas.

Mas é na parte especial que os dois códigos mais se distinguem. A sistematização oitocentista assentava na ideia da primazia do Estado, por isso o Título I do Código Penal de 1886 era dedicado aos crimes contra o Estado. O Título II fixava os crimes contra a segurança do Estado, a que se seguiam os crimes contra a ordem e a tranquilidade pública. Os crimes contra as pessoas encontravam-se no Título IV, seguindo-se, no Título V e último, os crimes contra a propriedade.

O Código Penal de 1982 inverte a ordem, ocupando os crimes contra as pessoas o Título I, seguindo-se os crimes contra a paz e a humanidade e o Título III, com os crimes contra os valores e interesses da vida em sociedade. O Título IV elenca os crimes contra o património, ocupando os crimes contra o Estado o último Título.

As várias alterações introduzidas ao Código Penal desde a sua aprovação alteraram também a estrutura da parte especial, destacando-se o aditamento de um Título VI dos crimes contra animais de companhia.

 

[1] O primeiro Código Penal português foi aprovado em 1852. O Código foi objeto de sucessivas revisões, incluindo a de 1867 que aboliu a pena de morte por crimes civis. Em 1886, foi aprovado novo Código Penal que consolidava as sucessivas alterações ao anterior, que foi então revogado. Em 1982, os Deputados das diversas bancadas mencionam reiteradamente os 130 anos do Código Penal, referindo-se assim ao aprovado em 1852.

[2] Francisco Pinto Balsemão era então Primeiro-Ministro.

[3] “Mas a verdadeira «pedra de toque» deste projeto de Código Penal que, só por si, em nosso entender, não o fará passar à posteridade como um monumento histórico e progressivo é a continuação da penalização do aborto.
É neste domínio que mais se manifesta o seu sentido retrógrado e farisaico, o seu enfeudamento, apesar de tudo de positivo que contém, a uma certa conceção ultrapassada da vida e da responsabilidade consciente e clara de cada um perante ela. Penalizar o aborto num Código novo feito em 1982 é regressar aos primórdios da Idade Média neste domínio e fazer obscurecer o muito de positivo que o projeto contém.”

Intervenção do Deputado António Taborda, Diário da Assembleia da República, I Série n.º 121, de 17 de julho de 1982