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"A Capital", 13 de novembro de 1975.
Manifestação de trabalhadores da construção civil, 12 de novembro de 1975. Fotografias de Miranda Castela, Arquivo Histórico Parlamentar.
Cartoon alusivo à ameaça de transferência da Assembleia Constituinte para o Porto. "O Século", 21 de novembro de 1975.
Declaração do PS sobre a intenção de a Assembleia Constituinte reunir em qualquer momento e em qualquer lugar. Arquivo Histórico Parlamentar.
O cerco ao Palácio de São Bento (12/13 de novembro)

No dia 12 de novembro de 1975, uma manifestação, constituída maioritariamente por trabalhadores da construção civil em luta pela assinatura do contrato coletivo de trabalho, cerca o Palácio de São Bento, onde decorrem os trabalhos da Assembleia Constituinte.

Veja a reportagem fotográfica.
Fotografias de Miranda Castela, Arquivo Histórico Parlamentar.

Os manifestantes, calculados em cerca de 100 000, segundo a imprensa da época, impedem os Deputados de sair durante 36 horas. Também a residência oficial do Primeiro-Ministro, contígua ao Palácio de São Bento, é controlada, mantendo sequestrado o Chefe do Governo Pinheiro de Azevedo.


A 14 de novembro, Deputados do PS, do PPD e do CDS deslocam-se para o Porto, entendendo não haver condições de segurança para reunir no Palácio de São Bento, face à convocação de uma nova manifestação contra o Governo para dia 16.

Os trabalhos da Constituinte são retomados no Palácio de São Bento, no dia 18 de novembro, numa sessão dominada pelos recentes acontecimentos.

Octávio Pato (PCP) referiu a manifestação unitária de dia 16 de novembro no Terreiro do Paço e a luta dos trabalhadores da construção civil, afirmando, no entanto, a sua discordância relativamente ao cerco.

“O nosso país e a Revolução portuguesa atravessam um momento crucial. Os acontecimentos demonstram, de forma inequívoca, que uma viragem à direita na política portuguesa não resolve, antes agrava, a crise político-militar, assim como os conflitos sociais e a situação económica.

(…)

Nos quadros desta luta se insere a manifestação realizada no passado domingo, em Lisboa, manifestação que ficará gravada na história do nosso país como um marco no combate pela revolução democrática, rumo ao socialismo.

A manifestação de domingo ficará ainda assinalada como uma grande manifestação unitária, a que aderiram todas as forças realmente identificadas com a Revolução. Ela será, por certo, mais um passo importante para a coesão de todos os revolucionários portugueses, civis ou militares.

(…)

Finalmente, a manifestação de domingo ficará gravada na nossa história como demonstração clara de que se não pode governar no Portugal de hoje sem o apoio do proletariado e das massas trabalhadoras, sem a adesão da sua vanguarda organizada.

No domingo, no Terreiro do Paço, mais uma vez se provou o que por mais de uma vez temos afirmado: no Portugal de hoje não é possível governar sem o Partido Comunista Português, e muito menos contra o Partido Comunista Português.

(…)

Mas nos quadros da luta contra a viragem à direita assistimos na passada semana a outro importante acontecimento da vida nacional. Foram as grandiosas greves e manifestações de centenas de milhares de trabalhadores da construção civil. A notável e merecida vitória que obtiveram só foi possível pela extraordinária combatividade e unidade de que deram provas.

Agitação na Sala.

É inesquecível o espírito de sacrifício de, milhares de trabalhadores que, durante trinta o seis horas, sem dormir...

Agitação na Sala.

... ao frio da noite, sentados ou deitados nas ruas ou nas escadarias junto ao Palácio de S. Bento, ali se mantiveram e dali não arredaram pé.

(…)

O PPD, o CDS e a direção do PS...

Agitação na Sala.

... só viram o cerco ao Palácio de S. Bento.

Assobios.

Nós também não concordámos com tal cerco. Mas, se se querem atribuir responsabilidades, então elas devem ser atribuídas no Ministério do Trabalho, pela sua recusa sistemática a negociar.

(…)

O PPD, o CDS e também a direção do PS ameaçam com a transferência da Assembleia Constituinte (e até do Governo) para o Porto. Que é isto senão dividir o nosso país?

(…)

Como qualificar os que procuram dividir o País, os que conspiram, os que não hesitam sequer em ameaçar com a guerra civil ou em fazer patéticos apelos ao estrangeiro para uma intervenção que salvasse uma paz hipoteticamente ameaçada?”

Sottomayor Cardia (PS) referiu-se ao significado político da deslocação ao Norte, no anterior fim de semana, do Grupo Parlamentar do PS, após comentar o sequestro do Primeiro-Ministro e Deputados, durante a manifestação dos trabalhadores da construção civil, responsabilizando por esta situação os comandantes militares da Região de Lisboa.

“(…) Deslocou-se no último fim de semana ao Norte o Grupo Parlamentar do Partido Socialista. Simbolicamente o meu partido quis significar, através desta deslocação, que se dispõe a considerar, como último recurso, a possibilidade de transferência dos legítimos órgãos de Soberania democrática para outro ponto do território nacional se, em Lisboa, os responsáveis militares não dispuserem da autoridade e decisão suficientes para assegurar o normal funcionamento das instituições do Poder Central.”

Aplausos.

A presença neste fim de semana no Norte de representativas reservas da democracia atuou como importante fator de dissuasão do projeto insurrecional que se preparava para Lisboa no passado domingo. (…)”

José Luís Nunes (PS) fez considerações acerca da manifestação dos trabalhadores da construção civil e do significado político do sequestro de Primeiro-Ministro e Deputados em S. Bento.

“Na passada quarta-feira, dia 12, foi convocada por trabalhadores da construção civil uma manifestação que deveria dirigir-se ao Ministério do Trabalho, com vista a pressionar o Governo e, através da razão da força, procurar obter o que a força da responsabilidade e da razão não podia outorgar.

(…)

Tendo sido encerrado o Ministério do Trabalho, entenderam os manifestantes dirigir-se ao Palácio de S. Bento, efetuando o cerco deste edifício público, bem como da residência oficial do Chefe do Governo, que lhe fica contígua.

Finda a sessão da Assembleia Constituinte, foram todos os Deputados, e não só os Deputados, mas também os trabalhadores desta casa, a cuja dedicação e espírito de sacrifício todos nós estamos gratos e a quem prestamos publicamente homenagem...

Aplausos prolongados.

... impedidos de abandonar o Palácio de S. Bento por manifestantes cuja atitude agressiva não era certamente alheia à incúria, ou melhor dizendo, à cumplicidade com que certas autoridades militares atuaram, deixando o Palácio de S. Bento sem qualquer proteção, em flagrante contraste com o que anteriormente acontecera em manifestações menos concorridas e menos anunciadas. (...)"

Álvaro Monteiro (MDP/CDE) comentou a ação governativa do VI Governo Provisório, que classificou de antipopular, contra os interesses das massas trabalhadoras, contra as liberdades, contra a democracia, contra a Revolução, a caminho do socialismo.

"O VI Governo Provisório (…) vai produzindo abundantes discursos demagógicos em comícios pré-fabricados, ou nos ecrãs da televisão, em que traça quadros apocalípticos da situação económica e social, fala em socialismo, pede mais e mais sacrifícios às classes trabalhadoras, ao mesmo tempo que lhes nega a sua participação na solução dos seus próprios problemas.

O VI Governo Provisório tem obsessivamente intensificado os saneamentos à esquerda, afastando de lugares importantes do aparelho do Estado elementos progressistas e apenas porque o eram. Simultaneamente defende e acoberta reacionários e até colaboradores do regime fascista. (…)”

Helena Roseta (PPD) protestou contra o sequestro da Assembleia Constituinte aquando da manifestação dos trabalhadores da construção civil e criticou a atuação do PCP.

“Todos os que aqui estivemos – Deputados e trabalhadores da Assembleia – assistimos, primeiro com estranheza, depois com indignação, ao desenrolar dos acontecimentos. Lá fora uma multidão que, como já foi aqui dito, não era só de trabalhadores da construção civil, exigia resposta imediata às suas reivindicações; mas os Srs. Deputados sabem muito bem, porque também viram, como eu vi, que o que se passou foi um espetáculo de manipulação: milhares de operários, que legitimamente pretendem, como todo o povo português pretende e a isso tem direito – melhores condições de vida, serviram de pretexto a forças de extrema-esquerda, e não só para o pretendido derrube do VI Governo.”

Na sessão de 20 de novembro, foi aprovada uma declaração do PS, na qual se manifestava a intenção de a Assembleia Constituinte reunir, nos termos regimentais, em qualquer momento e em qualquer local, se tal viesse a ser necessário.

Na sessão seguinte, a 21 de novembro, Vital Moreira insurge-se contra esta declaração.

“Esta declaração, aprovada pelos Deputados do PS, do PPD e do CDS, ficará certamente na história da Assembleia Constituinte...

Uma voz: – Não apoiado!

... como um dos exemplares mais bizarros da degradação política a que pode descer uma Assembleia, quando os partidos nela maioritários não hesitam em calcar aos pés a própria legalidade que instituíram e em afrontar as mais elementares regras ditadas pela sensatez política.

Uma voz: – Não apoiado!

É a expressão mais dramaticamente ridícula da desorientação de uma Assembleia possuída por um infrene complexo de perseguição e avassalada por um esmagador desejo de autoafirmação. É, enfim, a confirmação mais cabal de que para certas forças políticas a Assembleia Constituinte não é apenas um meio de travar a Revolução através da Constituição, mas é também um instrumento de chantagem sobre os restantes órgãos do poder político.

(…)

Na realidade, se o Regimento afirma no artigo 33.º que a Assembleia Constituinte tem a sua sede em Lisboa, no Palácio de S. Bento, não pode manifestamente afirmar-se, a título de interpretação, que ela pode reunir em “qualquer lugar” a não ser que todos os lugares deste país tenham passado a designar-se singularmente por Palácio de S. Bento. (…)”

No dia 25 de novembro, no momento em que se desconhecia o desfecho do estado de insurreição, a Constituinte reúne e aprova a seguinte declaração:

“1 - Considerando encontrar-se o País num estado de sublevação, que se traduz, no imediato, pela ocupação de várias instalações militares por forças rebeldes contrarrevolucionárias;
2 - Considerando não se encontrarem reunidos os necessários pressupostos para a realização dos trabalhos parlamentares;
3 - Considerando a necessidade de se defender a Assembleia Constituinte, único órgão eleito depositário da soberania nacional:
A Assembleia Constituinte declara:
1) Apoiar os esforços das autoridades revolucionárias e dos chefes militares não sediciosos, no sentido de jugularem a revolta, empregando, para tanto, os meios necessários;
2) Reafirmar ao presidente da Assembleia Constituinte a confiança para usar dos seus poderes, a fim de assegurar a continuação dos trabalhos da Assembleia em qualquer momento e em qualquer lugar, de acordo com a declaração votada em 20 de Novembro;
3) De acordo com os pressupostos enunciados, suspender desde já o funcionamento da Assembleia Constituinte, em virtude de não haver condições para o prosseguimento dos trabalhos.”

Os trabalhos seriam retomados a 2 de dezembro, após a tentativa de golpe militar do 25 de Novembro.
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