jul_18
REPÚBLICA NOVA (1918)

No dia 22 de julho de 1918, decretado pelo Governo "feriado nacional e considerado de grande gala", tem lugar a sessão solene de abertura do Parlamento (1), com Sidónio Pais a anunciar a "plena normalidade constitucional" no país, após a Revolução de Dezembro de 1917 e a realização de eleições legislativas e presidenciais em abril de 1918.
Fotografias de Joshua Benoliel, Arquivo Histórico Parlamentar.
Capas de "O Século Cómico", Hemeroteca Municipal de Lisboa.
Fotografias das primeiras páginas da "Ilustração Portuguesa", de 11 de fevereiro e de 30 de dezembro de 1918.
Postais evocativos da morte de Sidónio Pais, Arquivo Histótico Parlamentar.
A Capital (2) descreve pormenorizadamente a chegada da multidão ao Largo das Cortes, hora e meia antes da cerimónia, empoleirando-se nas cantarias, instalando-se sob as árvores ou cobrindo o pedestal da estátua de José Estevão (3).

Deputados, senadores, membros do Governo, corpo diplomático e convidados começam a chegar às 14h00, seguindo-se os representantes de Governos estrangeiros e os Presidentes das duas câmaras parlamentares. Os homens vestem casaca e chapéu alto, ou uniforme, no caso dos militares, e "as senhoras ostentam garridas toilettes".

A carruagem presidencial percorre o trajeto entre o Palácio de Belém e São Bento, sempre acompanhado por multidões nos passeios e nas janelas, onde sobretudo as senhoras "agitavam lenços, davam palmas e vivas à passagem do cortejo".
 
O mesmo ambiente de euforia espera o Presidente da República na entrada no Congresso. Ao som de A Portuguesa, Sidónio Pais entra na Sala das Sessões, "onde toda a assistência se levanta, exceto os senhores deputados monárquicos". No dia seguinte, o Senador Mário Monteiro justificaria que alguns parlamentares se conservaram sentados porque o hino tocava fora do recinto e que "bastou que um simples contínuo que vinha adiante do Chefe do Estado assomasse à respetiva porta para que todos os monárquicos se levantassem". Na Câmara dos Deputados, Aires de Ornelas apresentaria uma versão semelhante, dizendo não ser costume "levantar-se quando se ouve a alguma distância e não no recinto o hino nacional". (4)

No discurso de abertura do Parlamento, o Presidente da República justifica a Revolução de Dezembro como uma resposta aos "desmandos e a corrupção do poder", canalizando as "energias dispersas" dos descontentes para salvar a Pátria "que estava em perigo":

"A chama que ardia nos corações dos revolucionários elevava-se até os céus numa aspiração de Justiça, de Verdade e de Beleza, que os inspirava, vaga talvez na forma da realização, mas firme e definida na intenção mais pura de salvar a Pátria e de buscar a felicidade dum Povo. Foi para estes elevados fins que o Governo conduziu sempre a sua política interna e internacional."

Enaltecendo os feitos da governação dezembrista, Sidónio Pais declara que "a obra ditatorial será submetida ao critério do Parlamento".

A intervenção termina com uma saudação às forças armadas portuguesas que combatem em França e em África "pela causa sagrada da Pátria e da humanidade".

A mensagem que Sidónio Pais dirige ao Congresso no dia 22 de julho é comparada por alguns parlamentares ao discurso da coroa do tempo da Monarquia (5). Também para Cunha Leal, Deputado da maioria parlamentar, trata-se de "uma coisa que não está nas tradições republicanas":

"A mensagem é qualquer coisa de que o Governo toma a responsabilidade? Qualquer coisa semelhante ao discurso da coroa? Desejava saber se será nomeada uma comissão para responder à mensagem presidencial e discutir-se na Câmara esse documento." (6)
___________

Sidónio Pais chega ao poder na sequência do movimento revolucionário de 5 a 8 de dezembro de 1917, derrotando, na zona da Rotunda, em Lisboa, as forças que apoiam o Governo chefiado por Afonso Costa. O movimento, liderado por Sidónio, reúne várias correntes descontentes com a governação do Partido Democrático, marcada pela crise económica e social, pela participação de Portugal na Grande Guerra e pelas medidas anticlericais.

Destituído o Presidente da República, Bernardino Machado, e dissolvido o Parlamento, Sidónio Pais assume, a 11 de dezembro, a chefia do Governo, que acumula com as pastas dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Dias mais tarde, é publicado um decreto determinando que o Chefe do Executivo assume também as funções de Presidente da República “enquanto não for eleito pelo futuro Congresso", forma de eleição prevista na Constituição de 1911, em que o próprio Sidónio Pais participara enquanto Deputado Constituinte.

Estava aberto o caminho para a República Nova, de pendor presidencialista, autoritário, antipartidário e antiparlamentar. Em março de 1918, é instituído o "sufrágio universal" – para cidadãos do sexo masculino, maiores de 21 anos, em que se incluem os analfabetos – e o sufrágio direto para a eleição do Presidente da República. Altera-se, assim, de forma ditatorial, a Constituição de 1911. O Decreto n.º 3997, de 30 de março de 1918, que ficaria também conhecido como "Constituição de 1918", determina ainda que o Presidente da República nomeia e demite livremente os membros do Governo e que, no Parlamento, o Senado passa a ser composto por representantes das províncias e de interesses profissionais.

Mas, além de medidas políticas e legislativas, como a alteração da lei da separação do Estado com as Igrejas, que revoga as medidas mais controversas para a sociedade portuguesa, Sidónio Pais privilegia os contactos com a população, realizando viagens por todo o país, onde é aclamado por multidões, ou promovendo obras de caridade, como a "Sopa dos pobres", também conhecida por "Sopas do Sidónio".

Sidónio recorre à imprensa para projetar a imagem de um Chefe de Estado que, autoritário na condução do Governo e na manutenção da ordem pública, se mantém próximo das populações, atento aos problemas e às preocupações dos mais carenciados.

No dia 28 de abril de 1918, realizam-se as eleições presidenciais e para o Congresso (Câmara dos Deputados e Senado).

Sem oposição, Sidónio Pais é eleito Presidente da República, com cerca de meio milhão de votos, num universo de perto de 880 000 cidadãos recenseados (7).

Nas eleições para o Parlamento, os partidos republicanos da República Velha não se apresentam às urnas e apelam à abstenção. O Partido Nacional Republicano, criado expressamente para o ato eleitoral, reunindo várias fações políticas em torno da figura de Sidónio Pais, alcança uma ampla maioria.

O Parlamento sidonista, mandatado para rever a Constituição de 1911, legitimando, desta forma, a República Nova, não conclui os seus trabalhos.

Os debates são marcados pela tensão entre republicanos e monárquicos, mas também pelas divisões que se acentuam no seio do Partido Nacional Republicano, nomeadamente, no que diz respeito à questão do regime presidencialista.

A instabilidade política, com sucessivas remodelações ministeriais, os protestos do movimento operário e dos partidos republicanos na oposição, o recurso à censura e o fortalecimento da repressão policial, a participação de Portugal na Grande Guerra (8) e a crise económica e social são alguns dos fatores que contribuem para o declínio do sidonismo.

A 14 de dezembro de 1918, Sidónio Pais é abatido a tiro por um ex-sargento do Exército (9). O Governo decreta 30 dias de luto nacional. As cerimónias e o cortejo fúnebre, no dia 21, entre a Câmara Municipal e o Mosteiro dos Jerónimos, são acompanhados por milhares de pessoas em clima de grande emoção e revolta. Como relata a Ilustração Portuguesa, "o luto em que imergiu a nação inteira" provocou uma dor que "igualou a indignação contra esse crime infamíssimo".

Reinaldo Ferreira (Repórter X), do jornal O Século, difunde as últimas palavras de Sidónio Pais - "Morro bem! Salvem a Pátria!" (10). Esta frase estaria presente em muitos materiais de evocação do Presidente da República, ajudando a criar o mito do "salvador da Pátria". No entanto, uma outra versão refere que as últimas palavras de Sidónio teriam sido "Não me apertem, rapazes", dirigindo-se àqueles que o ajudavam. (11)

A 16 de dezembro, na Câmara dos Deputados e no Senado, realizam-se sessões de homenagem a Sidónio Pais, com todas as forças políticas a expressar a sua indignação contra o atentado. António Lino Neto, a presidir à Câmara dos Deputados recorre à imagem de Sidónio como "mártir da pátria":

"O Dr. Sidónio Pais era uma majestosa figura nacional (…). Curvemo-nos em respeito diante do seu cadáver e honra ao herói que, para nos salvar, não trepidou um momento em face de nenhum perigo até o sacrifício da sua própria vida."

A República Nova chegava ao final, mas a memória do "Presidente-Rei" (12), na expressão de Fernando Pessoa, perdura no tempo através de homenagens, cerimónias religiosas, romagens, postais, cartazes, brochuras e outras publicações.
____________
(1) Eleito a 28 de abril de 1918, o Congresso da República, mandatado para rever a Constituição, é constituído por duas câmaras: Câmara dos Deputados e o Senado. A Câmara dos Deputados é composta por 155 Deputados: 108 sidonistas (Partido Nacional Republicano), 37 monárquicos, 5 católicos e 5 independentes. No Senado, além dos 28 representantes das classes profissionais, têm assento 32 sidonistas, 10 monárquicos, 2 independentes e 1 católico.
(2) A Capital, 22 de julho de 1918, Hemeroteca Municipal de Lisboa.
(3) A estátua de José Estêvão em 1918 estava instalada em frente à fachada principal do Palácio.
(4) Diário do Senado, 23 de julho de 1918, p. 6, e Diário da Câmara dos Deputados, 23 de julho de 1918, p. 6.
(5) Mário Monteiro, Diário do Senado, 23 de julho de 1918, p. 4, e Machado Santos, idem, p. 5.
(6) Idem, p. 12.
(7) Maria Alice Samara - Sidónio Pais. Fotobiografias do século XX, dir. Joaquim Vieira. Mem Martins, Círculo dos Leitores, 2002, p. 120.
(8) A Batalha de La Lys, na Flandres, travada durante o período sidonista, a 9 de abril de 1918, marca tragicamente a participação de Portugal na Grande Guerra (1914-1918), com uma ofensiva do exército alemão a derrotar as forças portuguesas, que, desfalcadas e física e moralmente esgotadas, deveriam ser rendidas nesse mesmo dia. Muitos criticam o governo sidonista de abandonar as tropas portuguesas na Flandres, não enviando militares para render os que lá permaneciam.
(9) Dias antes, a 6 de dezembro, um jovem dispara três vezes sobre o Presidente, quando este entra no carro em Belém. As balas tinham sido embebidas em veneno, pelo que ficam inutilizadas e Sidónio Pais sai ileso.
(10)
http://www.fmsoares.pt/aeb/crono/id?id=039690 (Fundação Mário Soares).
(11) O Deputado Amândio de Alpoim veicula essa versão na sessão de homenagem a Sidónio Pais: "Reboam em nossos ouvidos, estremecendo nossas almas apiedadas, as suas últimas palavras – "Não me apertem, rapazes!". Diário da Câmara dos Deputados, 16 de dezembro, p. 13.
(12)
http://purl.pt/13964/4/l-79533-v_PDF/l-79533-v_PDF_24-C-R0150/l-79533-v_0000_capa-capa_t24-C-R0150.pdf (Biblioteca Nacional de Portugal).
Mais informações em: www.parlamento.pt
ISSN 2183-5349 | Copyright © 2014 Assembleia da República. Todos os direitos reservados.